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Rainer Zitelmann
O escritor e historiador alemão Rainer Zitelmann defende que o crescimento dos países só acontece com liberdade econômica| Foto: Thomas Schweigert/Divulgação


O historiador e sociólgo alemão Rainer Zitelmann é ferrenho defensor do capitalismo como única forma de um país se desenvolver. Na sua concepção, quando há liberdade econômica, as pessoas têm espaço para fazer negócios e isso beneficia a todos, inclusive os mais pobres, uma vez que gera empregos e renda na sociedade.

“Em países socialistas como a Coreia do Norte e a Venezuela, as únicas pessoas ricas são os políticos corruptos”, diz Zitelmann, crítico à filosofia política do socialismo.

Em entrevista à Gazeta do Povo, Zitelmann analisa o cenário brasileiro e comenta sobre as vizinhas Argentina e Venezuela. “O Brasil certamente não terá um bom futuro com Lula”, diz. “O grande problema do Brasil é muita pouca liberdade econômica. E as mesmas pessoas que odeiam a liberdade econômica também odeiam a liberdade de expressão.“

Questionado sobre recentes declarações do presidente da República, para quem o problema do Brasil são os ricos, o historiador responde que "políticos incompetentes estão sempre à procura de bodes expiatórios para os seus próprios fracassos". "Você pode me mostrar um único país no mundo onde a luta contra os ricos tenha levado à prosperidade para os pobres?", questiona.

Autor de 28 livros, Zitelmann esmiúça as mudanças de Vietnã e Polônia nas últimas décadas em seu novo título, How nations escape poverty ("Como nações escapam da pobreza"). Na obra, ele conta como ambos, massacrados por guerras e pelo socialismo, saíram da condição de países pobres nos anos 1990 para se destacarem economicamente na Ásia e na Europa.

O livro ainda não tem previsão de chegar ao Brasil, mas no Kindle há uma versão em português da editora portuguesa Almedina, com o título Adam Smith tinha Razão: Apenas a liberdade económica pode vencer a pobreza. Confira a entrevista que ele concedeu por email à Gazeta do Povo:

Gazeta do Povo: O seu novo livro fala sobre como Polônia e Vietnã saíram da pobreza. O que o motivou a escrever sobre eles?

Rainer Zitelmann: O Vietnã foi o país mais pobre do mundo nos anos 1990, mais até que todos os países africanos, e a Polônia era uma das mais pobres na Europa. Ambos começaram reformas capitalistas no final dos anos 1980.

No Vietnã, a pobreza caiu de 80% para 5%, e a Polônia vem sendo campeã de crescimento da Europa por várias décadas. Se você analisar Índice de Liberdade Econômica, da Fundação Heritage, verá que dificilmente qualquer outro país de tamanho semelhante evoluiu tanto quanto estes dois de 1995 até hoje. É por isso que os analisei.

Qual é a conexão entre a pobreza destes países, o socialismo e as guerras pelas quais passaram?

A Polônia e o Vietnã têm muito em comum. Todos nós sabemos da Guerra do Vietnã com os Estados Unidos. Mas eles estiveram em guerra também com Japão, China e França antes e depois disso. Os vietnamitas esperavam uma vida melhor após vencer a guerra com os Estados Unidos, mas essa expectativa foi uma decepção. O que a guerra não destruiu foi destruído pela economia socialista.

Já a Polônia foi o país que, percentualmente, mais perdeu gente durante a Segunda Guerra Mundial. Depois o socialismo foi introduzido. No fim dos anos 1980, a taxa de inflação superava 600% e a Polônia era um dos países mais endividados no mundo.

A guerra e o socialismo destroem países, mas o socialismo destrói ainda mais que a pior das guerras. A Alemanha, por exemplo, também foi destruída pela guerra, mas porque a Alemanha Ocidental introduziu o capitalismo, a prosperidade retornou nos anos 1960.

Como a Polônia e o Vietnã escaparam da pobreza e se tornaram países ricos, especialmente considerando que eles têm sistemas politicos diferentes?

Cada país se desenvolveu de uma maneira. O Vietnã permaneceu em um sistema de Partido Único e a Polônia se tornou democrática. Mas ambos introduziram a propriedade privada e se abriram para investidores estrangeiros. Mais liberdade econômica leva a mais crescimento – e, portanto, à redução maciça da pobreza. Este já era o resultado do livro A riqueza das nações, de Adam Smith. E a Polônia e o Vietnã provaram: Adam estava certo.

A Argentina e a Venezuela eram ricas, mas o socialismo de Juan Perón e Hugo Chávez, respectivamente, transformou ambos em nações pobres. Como essa situação é semelhante à da Polônia e Vietnã e como as nações latinas poderiam voltar à riqueza?

No começo dos anos 1970, a Venezuela era um dos 20 países mais ricos do mundo e o mais rico da América Latina. Hoje, é o mais pobre da América Latina e onde 80%da população vive em pobreza. Quase 8 milhões de pessoas já fugiram de lá: é 30% da população!

A Argentina, há 100 anos, era um dos três países mais ricos do mundo. Por décadas, foi atropelado pelos peronistas. Com exceção da década de 1990, tem registrado inflação de dois dígitos desde 1945. Metade da população vive na pobreza naquele que costumava ser um dos países mais ricos do mundo.

A Argentina pode aprender muito com a Polônia. O presidente [Javier] Milei é professor de economia e acredita nos ensinamentos de [Ludwig von] Mieses e [Friedrich] Hayek, assim como o professor Leszek Balcerowicz, que reformou a Polônia. Ambos seguiram uma estratégia semelhante: a terapia de choque capitalista.

Acabei de ir à Argentina, onde dei palestras em várias cidades e muitas entrevistas. O porta-voz do governo de Milei, Manuel Adorni, escreveu o prefácio da edição espanhola de How nations escape poverty.

A Argentina deveria aprender duas coisas com a Polônia: reformas capitalistas funcionam e antes de as coisas melhorarem elas ficam piores num período de mais ou menos dois anos. O sucesso de Milei depende de os argentinos entenderem isso e terem paciência. O que foi bagunçado ao longo de décadas não pode ser resolvido em um ano.

Na Venezuela, é necessária uma revolução para derrubar a ditadura brutal de Maduro.

O que o senhor acha da economia brasileira? Tem algum estudo sobre o Brasil?

Há apenas alguns anos, havia 698 empresas estatais no Brasil, das quais 46 estavam sob controle direto do Estado, 164 eram subsidiárias, 257 eram afiliadas e 231 eram participações minoritárias.

Isso vai contra os princípios claramente enunciados no artigo 173 da Constituição Federal Brasileira, que afirma: “Salvo os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de uma atividade econômica pelo Estado só será permitida quando for necessário à segurança nacional ou a um interesse coletivo relevante, conforme definido por lei.”

De janeiro de 2019 a fevereiro de 2020, um movimento começou a se formar e empresas avaliadas em cerca de R$ 135 bilhões foram privatizadas.

Um relatório enviado à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) afirmava: “O governo federal está desinvestindo suas participações diretas e indiretas nas empresas públicas. Os desinvestimentos entre janeiro de 2019 e fevereiro de 2020 atingiram R$ 134,9 bilhões, sendo R$ 29,5 bilhões apenas no primeiro bimestre deste ano. Inclui participações excedentes em empresas estatais listadas, como Banco do Brasil. As cinco grandes empresas estatais, chamadas BNDES, Petrobras, Eletrobras, Banco do Brasil e Caixa, estão revisando seus ativos de carteiras para focar em seus negócios principais”.

Mas então surgiu a crise da Covid e o presidente brasileiro Jair Bolsonaro seguiu com políticas catastróficas. A luta contra a pandemia dominou e a privatização estagnou. O Brasil certamente não terá um bom futuro com Lula.

Se Milei tiver sucesso na Argentina, isso deverá inspirar muitos brasileiros e poderá ser o impulso para um movimento capitalista no Brasil. Eu certamente desejo isso ao país.

O Índice de Liberdade Econômica, onde o Brasil está classificado apenas em 124.º lugar entre 184, mostra claramente qual é o grande problema do Brasil: muito pouca liberdade econômica. E as mesmas pessoas que odeiam a liberdade econômica também odeiam a liberdade de expressão.

Estive em uma conferência em São Paulo há dois anos, onde a liberdade de expressão já era um tema importante. Desde então, como você bem sabe, a situação piorou.

O livro descreve a ajuda assistencial do governo como em grande parte inútil e  muitas vezes até contraproducente. No Brasil há muita ajuda. Além disso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que “o problema são os ricos”. Como o Brasil pode escapar da pobreza?

O ódio aos ricos já destruiu muitos países. Políticos incompetentes estão sempre à procura de bodes expiatórios para os seus próprios fracassos. Você pode me mostrar um único país no mundo onde a luta contra os ricos tenha levado à prosperidade para os pobres? Não existe tal exemplo.

Os países onde as pessoas têm o nível de vida mais elevado também têm a maior proporção de bilionários, por exemplo, a Suécia. Em países socialistas como a Coreia do Norte e a Venezuela, as únicas pessoas ricas são os políticos corruptos.

Nos países capitalistas, as pessoas mais ricas são empreendedores de sucesso que criaram benefícios para milhões de pessoas com os seus produtos, como Bill Gates com a Microsoft, Sergej Brin e Larry Page com o Google ou Jeff Bezos com a Amazon.

Em seu livro, o senhor afirma que a única chance de os pobres melhorarem suas condições de vida é com o livre mercado e pouca interferência do Estado, assim como defende que a propriedade privada e a economia de mercado são os alicerces do crescimento. Pode dar mais detalhes?

Antes de o capitalismo emergir, a maioria das pessoas no mundo vivia em extrema pobreza. Em 1820, cerca de 90% da população global vivia em absoluta pobreza. Hoje, isso representa menos de 9%.

O mais notório é que nas recentes décadas, desde o fim do comunismo na China e em outros países, o declínio de pobreza tem acelerado a um ritmo incomparável em qualquer período anterior da História. Em 1981, a taxa de pobreza absoluta era de 42,7% ; em 2000, tinha caído para 27,8% e, em 2021, estava abaixo dos 9%.

Outras tendências de longo prazo também trazem encorajamento. Por exemplo, o número de crianças em situação de trabalho infantil em todo o mundo diminuiu significativamente, passando de 246 milhões em 2000 para 160 milhões em 2020.

Esse declínio ocorre a despeito do fato de a população global crescer de 6,1 bilhões para 7,8 bilhões no mesmo período. O socialismo não melhorou a vida das pessoas em nenhum país. O capitalismo, sim.

O senhor diz que criar ambientes de negócios livre é uma forma promissora e potencialmente rentável de libertar o esforço individual e a criatividade nos países. Mas como os mais pobres podem ser competitivos num mercado livre, uma vez que, normalmente, não têm tantas ferramentas e dinheiro?

No momento que os empresários têm liberdade para fazer negócios, isso também beneficia os pobres. Novas companhias e empregos são criados. Nem todos podem estar entre os muito ricos, mas alguns se tornam bem ricos e muitos saem da pobreza. Isso foi visto na China.

Na China, no final da era Mao, 88% estavam vivendo na extrema pobreza. Depois veio o reformador Deng Xiao Ping com o slogan: “Deixe alguns ficarem ricos primeiro”. E foi isso que aconteceu.

Hoje a China tem mais bilionários que qualquer lugar do mundo, exceto os Estados Unidos, mas, ao mesmo tempo, a taxa de extrema pobreza caiu de 88% para 1%. A chave para prosperidade é a liberdade para os empresários privados.

O senhor escreveu que na África muitos projetos tiveram sucesso apenas enquanto tinha dinheiro suficiente para bancar altos salários e materiais, e que quando a verba acabou não houve mudanças significativas para os mais pobres. Por quê?

William Easterly, professor de Economia e Estudos Africanos na Universidade de Nova York, descreve a ajuda como em grande parte inútil, muitas vezes até contraproducente. Um dos seus exemplos: em duas décadas, foram gastos US$ 2 bilhões para ajudar a construir estradas na Tanzânia. Mas a rede rodoviária não melhorou em nada. Como as estradas não foram mantidas, deterioraram-se mais rapidamente do que os doadores conseguiram construir novas, relata Easterly.

A Tanzânia produzia mais de 2.400 relatórios por ano para os seus doadores, que enviavam doações, mas a real indústria do crescimento na Tanzânia era a grande burocracia. A ajuda externa, observa Easterly, não forneceu o que os cidadãos precisavam (estradas), mas forneceu muito daquilo que lhes era pouco útil (burocracia).

Analisei muitos estudos e eles mostram: ajuda não ajuda. Na melhor das hipóteses, é ineficaz. Muitas vezes é até contraproducente e, em última análise, apenas financia regimes corruptos. Não tem utilidade para os verdadeiramente pobres. O que os países africanos precisam são de duas coisas: do Estado de Direito e de mais capitalismo.

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