A informação de que o ministro da Economia, Paulo Guedes, mantém US$ 9,55 milhões na conta de uma sociedade offshore controlada por ele ampliou o bombardeio sofrido por ele no Congresso e até entre setores do governo. A divulgação não o torna um ministro "demissível", mas deixa mais difíceis as tramitações e aprovações de pautas da agenda econômica.
A tramitação da reforma administrativa é um exemplo de como Guedes tem sido isolado. Como informou a Gazeta do Povo, o chefe da equipe econômica já articulava sozinho pelo governo a votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 32/2020.
Fontes palacianas e do Congresso admitem que se tornou uma tarefa mais árdua apoiá-lo em determinadas pautas econômicas, não apenas a reforma administrativa. A reforma do Imposto de Renda (IR), que propõe a taxação de lucros e dividendos em 15%, é outro exemplo de texto que terá dificuldades de ir à votação e ser aprovado. O texto foi aprovado no início de setembro e está travado no Senado desde então.
"O Guedes conseguiu fazer com que fique menos tolerável, porque é intolerável que ele proponha taxar lucros e dividendos com o [patrimônio] dele lá fora [em offshore]", alerta um interlocutor palaciano.
Mesmo deputados mais alinhados ao governo que votaram contra a convocação de Guedes na quarta-feira (6) à Câmara, por orientação do partido, se dizem constrangidos.
"É uma situação desconfortável para a base. Há um conflito ético, o cara é chefe da autoridade fiscal e coloca o próprio patrimônio longe das regras que ele propõe e estabelece aos demais", diz um deputado.
"Não tem como defender. Ele vai ter que vir se justificar", destaca um segundo deputado, do Centrão, que votou a favor da convocação.
Por que Bolsonaro não cogita a demissão de Guedes
Independentemente do andamento das ações contrárias a Guedes, ele não será isolado a ponto de não se reunir mais com Bolsonaro, ministros ou deixar de ser ouvido por líderes e outras lideranças político-partidárias no Congresso.
O ministro segue prestigiado pessoalmente por Bolsonaro, segundo fontes. Aliados da base no Congresso também apontam a expectativa que Bolsonaro tem de recuperar o eleitor de centro com eventuais respostas positivas da economia. "O presidente ainda 'bate continência' para o Guedes porque ele se agarra na perspectiva de a economia salvá-lo, e ele confia que a política econômica do Guedes dará frutos a médio prazo", diz um deputado.
Já no Planalto, a informação é de que, ao menos por ora, a demissão não é cogitada. "Não há nenhum movimento no sentido de uma punição", sustenta um interlocutor palaciano. "O Guedes está enlouquecendo todo mundo querendo a aprovação das reformas. O que vai acontecer é que algumas votações serão atrapalhadas e outras ele não vai obter o apoio esperado", aponta uma segunda fonte.
Mesmo sendo uma prioridade do Planalto e não apenas de Guedes, a leitura é de que a reforma do IR ficou mais complexa de ser aprovada nos termos que o chefe da equipe econômica almeja. "O Senado já é uma casa mais difícil de trabalhar do que a Câmara", lembra um interlocutor palaciano, ao destacar que uma grande parte dos senadores critica o texto desde a votação na Câmara.
Como se deteriorou a relação de Guedes com o governo e a base
O ministro da Economia já vinha sendo cobrado nos bastidores por parlamentares do Centrão quanto ao aumento da inflação, sobretudo do gás de cozinha e dos combustíveis.
"O cara [Guedes] é blindado, intocável, inquestionável, inalcançável. O cara não quer mexer na política de preços da Petrobras, não quer fazer subsídio do gás e o presidente vai pagar o preço disso em 2022", critica um deputado do Centrão. "O Guedes bota esse assunto [inflação do gás e dos combustíveis] em planilha de prioridade, está errado. Tem que mexer nos preços para "ontem", assumir o prejuízo e depois ver de onde resolve", diz um segundo parlamentar da base.
A agenda liberal de Guedes caiu em descrédito até mesmo junto a deputados "bolsonaristas", que temem pelos impactos que a economia pode causar à reeleição de Bolsonaro. Para alguns desses aliados "raiz", o governo deveria discutir subsídios para atenuar os impactos ao bolso dos brasileiros.
"Precisa resolver agora, até porque os efeitos de uma correção nos preços leva um tempo para acontecer", analisa um bolsonarista. "O Guedes não tem a percepção do tempo e das dificuldades políticas de uma reversão da situação de colapso eleitoral que podemos a chegar se permanecer o gás a R$ 120 por mais três, quatro meses", diz outro.
Mesmo deputados aliados de Guedes e opositores a Bolsonaro na Câmara admitem que o caso da offshore é prejudicial ao ministro. "É mais um elemento de desgaste. Acho que ele vem se desgastando e se enfraquecendo desde o início, muito porque o próprio presidente não buscou fortalecer o Guedes por interesses corporativistas e não liberais dele mesmo", analisa. A fonte, porém, não acredita em uma demissão. "Não acho que, a essa altura do campeonato, teria espaço ou força suficiente para uma troca de ministro", pondera.
Perda de espaço na Esplanada
Na reforma ministerial de março, Bolsonaro recriou o extinto Ministério do Trabalho e o entregou ao ministro Onyx Lorenzoni. Sem controle sobre a inflação, o ministro virou motivo de chacota na Esplanada dos Ministérios.
"Nas entregas dos 1 mil dias, a piada foi assim: o Tarcísio [Freitas, ministro da Infraestrutura] vai entregar rodovias e o [Marcelo] Queiroga [ministro da Saúde] vai entregar vacinas. E o Guedes tem a inflação, a alta do gás e dos combustíveis para entregar", diz um assessor do governo.
Qual é a expectativa no Congresso acerca da convocação do ministro
A base aliada do governo no Congresso espera que Guedes se explique, mas não guarda muitas expectativas de que o ministro convencerá a grande maioria, dado todo o clima de animosidade. Mesmo alguns dos 142 votos contrários à convocação dele ao plenário não foram necessariamente para blindá-lo, mas, sim, Bolsonaro. "A gente não pode desgastar o presidente", explica um deputado.
A base mais próxima a Bolsonaro sabe que a oposição vai usar a convocação para atacar o governo e o presidente da República. Já lideranças do Centrão entendem que será uma oportunidade para o próprio Guedes se defender, embora também tenham visto a votação como um termômetro da pouca força que o ministro terá para aprovar pautas de seu interesse.
"Veja que os votos favoráveis à convocação do Guedes atingiram justamente o total que ele busca para aprovar a reforma administrativa", comenta um deputado do Centrão. O requerimento para que o ministro vá à Câmara foi aprovado por 310 votos a favor. Uma PEC, como é o caso da reforma administrativa, precisa de 308 votos.
Nos bastidores, senadores da oposição não descartam articular um pedido de impeachment contra Guedes, como fizeram em 2020 contra o então ministro da Educação Abraham Weintraub. Na quinta-feira (7), um pedido assinado por mais de 200 entidades mobilizadas por meio da Coalizão Direitos Valem Mais protocolou um pedido contra Guedes no Supremo Tribunal Federal (STF).
O pedido de impeachment contra Guedes não faz referência à offshore controlada por ele, mas opositores não descartam amadurecer a ideia e propor outro pedido, mesmo sem precedentes de impeachment contra ministros de Estado, apesar de haver previsão legal pela Lei nº 1.079/50, que prevê os crimes de responsabilidade.
A base do governo desdenha e entende que a jurisprudência do STF prevê que apenas a Procuradoria-Geral da República (PGR) pode denunciar ministros de Estado. Já senadores independentes como Lasier Martins (Podemos-RS), líder do bloco Podemos-PSDB-PSL, pregam sobriedade à discussão.
"Até a audiência pública requerida pela Câmara, vai rolar muita fofoca, muita cobrança e muita crítica, mas dificilmente alguma coisa será decidida com relação a Guedes", analisa Martins. "Agora, tudo dependerá do que ele disser com relação ao futuro imediato", complementa o senador..
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