De patinho feio do Sistema Telebrás a uma das maiores dívidas corporativas do Brasil. Há 18 anos, quando ocorreu a privatização do setor de telecomunicações, a Oi, nascida da antiga Telerj e considerada uma das piores prestadoras de serviços de telefonia do país nos anos 1990, chega à maioridade deixando para trás o sonho de se tornar a supertele idealizada pelo governo em meio a um endividamento bruto de R$ 54,9 bilhões. E, para continuar crescendo, a empresa corre. Pretende, diz uma fonte envolvida nas discussões, concluir até o fim deste ano uma negociação privada ou extrajudicial com os credores. No pior cenário, se não tiver êxito, pode recorrer a uma recuperação judicial. O dia a dia das negociações vêm sendo informados a Brasília.
Os prazos foram estipulados pela atual gestão, que adotou forte redução de custos e lançamento de planos para aumentar a receita. Mas, como a redução de despesas tem limite, domar a dívida é hoje o principal desafio da tele. E as negociações prometem esquentar. No mercado, há quem garanta que junho é o mês-chave. Na mesa, muitos credores e três possibilidades, como a conversão da dívida em ações, em caixa ou em uma nova dívida. Do total, 70% dos credores são estrangeiros. O restante está nas mãos de bancos como BNDES, Banco do Nordeste, da Amazônia, Banco do Brasil, Caixa, Itaú, HSBC e, em menor grau, Santander e Bradesco.
“Os títulos da Oi no exterior estão hoje com algo entre 20% e 30% de seu valor de face. Se a tele propuser qualquer coisa acima desse percentual, já é um ganho para eles. Mas, claro, vai ter negociação porque os credores vão querer mais. Se as negociações tiverem sucesso, o patamar da dívida poderia cair sensivelmente. A ideia é também negociar uma extensão do prazo de pagamento, que hoje é de 3,5 anos. O que falta hoje é que os credores se organizem. Como a Oi está pagando as dívidas em dia, eles não têm muito incentivo para se organizar”, destacou uma fonte.
Segundo especialistas, o avanço da dívida ocorreu com aquisições polêmicas como a compra, em 2008, da Brasil Telecom (BrT), concessionária de telefonia fixa no Sul e Centro-Oeste, e, em seguida, a união com a Portugal Telecom (PT). Negócios que foram apoiados pelo governo e se traduziram em rombos bilionários. Mas os dilemas da tele vão além: a empresa sofre com problemas como os R$ 14 bilhões em depósitos judiciais, R$ 10 bilhões em fianças bancárias (em razão de ações na Justiça) e outros R$ 4,7 bilhões referentes a multas em discussão no órgão regulador.
Nos negócios, o apoio do governo se traduziu em em empréstimos dos bancos públicos, hoje donos de 13% a 14% da dívida total. Somente o BNDES é responsável por 6% da dívida. E não faltou apoio do banco de fomento: de 1998 a 2014, os desembolsos para a companhia somaram quase R$ 19 bilhões, cerca de 55% do que foi emprestado às companhias do setor. Foi pelas mãos do BNDES, e com o apoio dos fundos de pensão das estatais, que a união entre Oi e BrT foi viabilizada, dando início à supertele, com atuação nacional. A meta era ousada: fazer da nova Oi a líder nos países de língua portuguesa.
Portugal Telecom
Mas a operação não saiu como o planejado. Após concluir o negócio, a Oi descobriu passivos nas contas da BrT, que oneraram a companhia em mais de R$ 6 bilhões. E a dívida da tele mais que dobrou, subindo de R$ 9,8 bilhões para R$ 21,8 bilhões entre 2008 e 2009. Conforme a dívida aumentava, uma nova cartada entrava em cena. Com o governo novamente, alinhou-se a união com a Portugal Telecom (PT).
Segundo fontes, o negócio teria contado com a interlocução de José Dirceu, ex-ministro-chefe da Casa Civil, que teria relações com os acionistas da tele portuguesa. E, após sacramentar a fusão, novo rombo. Desta vez, de quase EUR 1 bilhão, valor que a PT havia comprado em títulos de uma companhia chamada RioForte - empresa do Grupo Espírito Santo, dono de 10% das ações da PT. Resultado: a empresa teve de vender as operações em Portugal para tentar arrumar parte das contas.
“A situação chegou a tal ponto que a companhia não conseguiu nem participar do leilão de 4G no Brasil no fim de 2014. É algo que vai prejudicar a companhia no futuro. A Oi enfrenta vários problemas juntos, como a dívida, o fato de ser uma concessão e ter bens reversíveis ao governo e concorrentes ágeis”, disse Arthur Barrionuevo, professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (EAESP/FGV).
Com endividamento crescente, Bayard Gontijo, o décimo presidente da tele desde 1998, teve de reduzir em 8,5% os custos em 2015, para R$ 19,2 bilhões. O corte foi de pessoal – com a baixa de 150 executivos e algumas centenas de funcionários – às passagens aéreas e táxis, reduzidos em 70%, para R$ 20 milhões. De outro lado, a empresa lida com um patamar elevado de multas, que incluem desde reclamações legítimas até punição de R$ 2 milhões por mau funcionamento de orelhão.
“Em 2016, vencem de R$ 11 bilhões a R$ 12 bilhões em dívidas. A questão da reestruturação da dívida tem de ser resolvida neste ano. Se não tiver uma reorganização dos credores para uma negociação privada, a Oi vai tomar outra decisão. Resolvendo a dívida, acaba-se com o entrave para fazer qualquer tipo de combinação com outra empresa. A consolidação do setor pode não acontecer agora, mas é algo que vai acontecer”, destacou um executivo do setor.
Brigas entre sócios
Não foram apenas as aquisições que marcaram a trajetória da Oi. A companhia sofreu com as brigas envolvendo os sócios. A relação entre a construtora Andrade Gutierrez e o Grupo Jereissati - que tinham o controle da empresa até o ano passado e hoje têm menos de 1% das ações e já chegaram a ser apontados como a “telegangue”, após conversa grampeada pelo então Ministro das Comunicações Luiz Carlos Mendonça de Barros, no fim de 1998 - começou a se estremecer por conta das discussões para o patrocínio da Copa do Mundo.
Segundo uma fonte, a construtora era a favor do patrocínio, posição contrária à do Grupo Jereissati e executivos da tele. Venceu a Andrade, e a relação desandou. Depois, começaram as análises para patrocinar os Jogos Olímpicos. Já estava tudo acertado: a tele iria assinar o contrato, mas Carlos Jereissati teria ligado para o então presidente da Oi e o proibido de assinar sob ameça de demissão, o que desagradou a sócia do setor de construção, diz a fonte:
“Esse episódio criou um desgaste enorme porque a Oi não é uma marca global. Acabou que o Grupo América Móvil (Claro) entrou nos Jogos. A relação entre os dois principais acionistas estava cada vez pior. Depois da saída de Luiz Falco (hoje na CVC), veio Francisco Valim (hoje na Nextel), que brigou com os acionistas porque estava pedindo mais investimentos e o fim do pagamento de dividendos, o que era negado pelos acionistas.”
Sem os antigos donos, fruto de uma reorganização que pulverizou o capital da Oi, sobraram o BNDES, que, da fatia de 25% das ações que chegou a deter, tem ainda 5,73% dos papéis ordinários (com voto) e os portugueses, com 20% das ações.
“Em 2009, começaram os problemas da Oi, e a dívida saiu de controle. Para poder investir em todo o país, a empresa começou a tomar empréstimos no BNDES. E a dívida avançou em espiral. O negócio, que contou com forte apoio do governo, não decolou, pois a companhia era mais forte em telefonia fixa, uma herança da privatização, na qual a rentabilidade é menor, e não em telefonia móvel e banda larga, onde há maior margem de lucro. Por isso, é importante alterar o marco regulatório do setor, fazendo com que a Oi passe a ser uma autorizada, permitindo uma solução para a venda de seus imóveis e um investimentos mais produtivo”, destaca Ronaldo Sá, da Orion Consultores.
Há ainda outros esqueletos no armário, como os ativos à venda. Em 2005, foi feita a polêmica compra da empresa de games, a Gamecorp, que tinha entre seus acionistas Fábio Luís Lula da Silva, o filho de Lula. Hoje, a tele tenta vender os quase 30% que tem das ações. Tem ainda os ativos da África, avaliados em US$ 1 bilhão, uma herança da frustrada união com a PT.
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