O Brasil é um dos países que mais gasta com a folha de pagamento do funcionalismo público, mas existe uma grande disparidade grande entre os salários pagos aos servidores de diferentes Poderes e esferas de governo.
Na comparação entre os Poderes, por exemplo, a média salarial no Judiciário (R$ 12,12 mil) ultrapassa o triplo do que é pago pelo Executivo (R$ 4,03 mil).
Entre os diferentes níveis federativos, quem ocupa cargos federais (R$ 10,23 mil) recebe mais que três vezes a média dos vencimentos de um servidor municipal (R$ 3 mil).
Os dados são do Atlas do Estado Brasileiro, publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) com base na Relação Anual de Informações Sociais (Rais), do Ministério da Economia, de 2019. O levantamento, coordenado pelos pesquisadores Erivelton Guedes e Felix Lopez, considera apenas os servidores civis ativos, que, em 2020 totalizavam aproximadamente 10,9 milhões de vínculos de trabalho no país – dos quais 58,3% estavam empregados no nível municipal. Foram excluídos os ocupantes de cargos terceirizados, além de estagiários e aprendizes.
“Embora existam três níveis federativos distintos e três poderes independentes no Brasil republicano, frequentemente as diferenças daí advindas são suprimidas e tratadas de modo genérico ou o nível federal, tomado como nacional, é considerado como unidade típica do setor público do país”, explicam os autores do Atlas. “O resultado é uma compreensão distorcida – na melhor das hipóteses, parcial – sobre tendências e padrões observados no setor público, com implicações adversas sobre decisões que deveriam aprimorar as capacidades de atuação do Estado brasileiro.”
Confira a seguir as médias salariais por Poder, nível da federação e estado:
A conclusão vai ao encontro das discussões travadas em torno da proposta de emenda à Constituição (PEC) 32/2020, que trata da reforma administrativa. Um dos aspectos que une tanto oposicionistas quanto apoiadores da PEC é na crítica à exclusão de determinadas categorias de servidores da reforma. Além de militares, não são abrangidos pelo texto os membros dos Poderes, como parlamentares, magistrados, promotores e procuradores – justamente os que dispõem dos maiores salários, conforme o estudo do Ipea.
Aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, a proposta é tratada pela equipe econômica do governo como necessária para a reduzir o peso da folha salarial da máquina pública. Um levantamento da Secretaria do Tesouro Nacional a partir de informações do Fundo Monetário Internacional (FMI) mostra que, entre 74 países, o Brasil tem a nona maior despesa com funcionalismo. Conforme os dados, em 2019, o estado brasileiro pagou a servidores o equivalente a 12,9% de seu PIB – bem à frente de economias avançadas como Estados Unidos (8,7%) e Japão (5,2%).
“Uma realidade é a diferença salarial entre o público e privado, que em excesso pode gerar distorções”, diz a economista Vilma da Conceição Pinto, pesquisadora licenciada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV).
Ao encontro do que apontam os dados do Atlas do Estado Brasileiro do Ipea, relatório do Banco Mundial aponta que essa diferença não se aplica à maior parte dos servidores do país. De acordo com o documento, um servidor público brasileiro recebe, em média, 19% mais do que trabalhadores do setor privado com função e escolaridade semelhantes – a essa diferença, a entidade dá o nome de “prêmio salarial”. Mas enquanto o indicador chega a 96% no âmbito federal, e a 36% no nível estadual, não há prêmio salarial no funcionalismo municipal.
Confira a seguir o número de servidores públicos por Poder, nível da federação e estado:
Sobre o tema, o ministro da Economia, Paulo Guedes, faz de forma reiterada críticas às remunerações dos servidores, porém sem levar em consideração às desigualdades salariais no âmbito do setor público.
No ano passado, ele chegou a ser condenado, em primeira instância, a pagar R$ 50 mil por danos morais ao Sindicato dos Policiais Federais da Bahia após comparar funcionários públicos a parasitas. Embora tenha pedido desculpas pela declaração, em audiência pública sobre a reforma administrativa realizada em maio, Guedes voltou a atacar, de maneira generalizada, os salários dos servidores públicos brasileiros.
“Veja como os servidores nas democracias avançadas funcionam. Veja na Noruega, na Suécia, ele [o servidor] anda de metrô, às vezes de bicicleta. Ele não tem 20 automóveis, mais 50 servidores, 30 assessores, não é assim. É algo sempre bem modesto.” A fala gerou revolta de oposicionistas. “O servidor público do Brasil, às vezes, não tem dinheiro para uma passagem de ônibus”, disse Maria do Rosário (PT-RS).
Na votação da admissibilidade da PEC na CCJ, o deputado Alex Manente (Cidadania-SP), que se manifestou a favor da aprovação da proposta, foi um dos que falou sobre a desigualdade salarial no funcionalismo. “Outra questão fundamental que nós precisamos abordar é a questão de que poucos ganham muito, e muitos ganham pouco. Nós precisamos enfrentar para valer esses que ganham mais”, disse.
“Temos que inserir, na comissão especial, e vai ser a batalha do Cidadania, magistrados, diplomatas e até parlamentares para fazerem parte da reforma administrativa para atingir aqueles que ganham mais, que mais acabam contribuindo para esse custo que a sociedade não aguenta mais pagar.”
A deputada governista Caroline de Toni (PSL-SC) também defende a ideia. “Para não dizer que queremos que só o baixo funcionalismo público pague por isso, eu fiz uma emenda para poder incluir o alto escalão do funcionalismo público: membros do MP, da magistratura, parlamentares, ministros de estado, todo o alto escalão também. Fiz essa emenda e aqui fica o convite para todos os parlamentares que também querem combater privilégios assinem a minha emenda”, disse, durante a sessão.
Uma emenda nesse sentido já foi apresentada na comissão especial. Mais de 230 deputados assinaram a proposta para incluir juízes e promotores na reforma, bem acima do mínimo necessário (171 assinaturas). Para ela prosperar, no entanto, tem de ser acatada pelo relator – que é favorável à inclusão – e depois aprovada.
A explicação do Ministério da Economia para excluir as categorias da reforma é que o Executivo não poderia definir normas específicas para o Legislativo e o Judiciário pois estaria, dessa forma, ferindo a autonomia entre os poderes. A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) já se manifestou contrária a emendas à PEC que incluam juízes e desembargadores, que, para a entidade, seriam inconstitucionais.
Uma projeção do Ipea aponta que a redução de custos para os cofres públicos poderia chegar a R$ 816 bilhões em dez anos, caso fossem incluídos os membros de Poderes na reforma administrativa.
Enquanto se discute a reforma, uma portaria do Ministério da Economia passou a autorizar que militares da reserva e servidores civis aposentados que continuam exercendo determinados cargos recebam tanto os salários quanto as aposentadorias, mesmo que ultrapassem o teto de R$ 39,2 mil. Entre os beneficiados pela medida estão o presidente Jair Bolsonaro e o vice Hamilton Mourão.
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