Darcy Machiavelli tinha 76 anos quando se viu sem emprego pela primeira vez em quatro décadas, depois que a agência de propaganda em que ele trabalhava fechou as portas. Administrador experiente e sem vontade de parar de trabalhar, mandou currículo para uma dúzia de empresas. "Em uma entrevista, o gerente inventou um pretexto para sair da sala quando soube da minha idade. Mandou um auxiliar para me avisar que ligariam depois", conta Machiavelli, hoje com 85 anos. "Me senti morto. Parecia que, por ser velho, eu não valia mais nada."
INFOGRÁFICO: Empresas dão pouco valor aos mais velhos
Esse tipo de atitude ilustra o despreparo da maioria das empresas para lidar com o envelhecimento da população e, consequentemente, da força de trabalho. Em 2002, 18% dos brasileiros ocupados tinham 50 anos ou mais; dez anos depois, esse grupo chegou a 22% do total, e a tendência é de que continue crescendo. Ao mesmo tempo, a cada ano menos jovens vão ingressar no mercado de trabalho, o que tornará a mão de obra mais escassa e cara.
"A postura das empresas está mudando, mas muito lentamente. Estamos na iminência de um apagão de talentos, e não haverá jovem para preencher todas as vagas. O mercado não terá outra saída a não ser valorizar os profissionais mais velhos", diz Emílio Morschel, diretor da Nossa Gestão de Pessoas e Serviços.
Uma pesquisa da PwC e da Fundação Getulio Vargas constatou que apenas 37% das companhias brasileiras veem na força de trabalho mais velha uma alternativa para a escassez de talentos, e que só 12% buscam atrair esses profissionais. Nove em cada dez empresas reconhecem que eles têm mais equilíbrio emocional, capacidade para fazer diagnósticos e resolver problemas. Mas, contraditoriamente, só 11% delas têm modelos de carreira que privilegiem essas competências.
Os gestores se queixam da falta de flexibilidade e adaptação a mudanças dos trabalhadores de idade mais avançada 96% dizem ter essa dificuldade. No entanto, as próprias empresas se mostram inflexíveis quando questionadas sobre práticas modernas que poderiam beneficiar os mais velhos: 70% não admitem jornadas de meio período e 57% são contrárias ao trabalho em casa (home office).
"Muitas companhias entendem que as pessoas se acomodam com a proximidade da aposentadoria, mas, se você for ouvir os trabalhadores, 80% dizem que estão com todo o gás. A questão é que eles precisam de mais autonomia, flexibilidade, jornadas reduzidas, possibilidade de trabalhar em casa", diz Morschel.
Daviane Chemin, presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos no Paraná (ABRH-PR), nota um sutil movimento de mudança na cultura empresarial. "Companhias que já tiveram a experiência de só contratar o público mais jovem, sob o entendimento de que só ele é inovador, sentiram na pele que esse modelo mental nem sempre leva aos melhores resultados", diz.
Na volta ao mercado, salário costuma baixar
Depois de certa idade, a experiência de perder o emprego fica mais traumática. Passado o choque inicial, o sentimento de injustiça, a sensação de perder o chão, vem a dificuldade em voltar ao mercado. Muitas tentativas esbarram no "problema da idade", que parece transformar em defeito décadas de experiência e dedicação. E, com frequência, o profissional que tem mais de 45 ou 50 anos se vê obrigado a aceitar um salário menor que o do emprego anterior.
Acontece muito com quem passa décadas na mesma empresa, acumulando benefícios, e que ao trocar de empregador vê desaparecerem todos aqueles anuênios, promoções e gratificações. E também com quem se acostumou a fazer o mesmo serviço por anos a fio e, sem perceber, ficou defasado em relação às exigências do mercado.
"Há trabalho para quem tem mais de 50. Mas quanto mais alto você está numa companhia, mais difícil é se recolocar", diz o contabilista Cléber Amorim, 52 anos. Em 2011, ele foi dispensado da montadora Volvo depois de 25 anos de trabalho. Havia sido transferido de área, e o novo chefe considerou seu salário alto demais Amorim não falava outras línguas, ao contrário de colegas mais jovens, e os conhecimentos acumulados até então não faziam tanta diferença na nova função.
Por dois anos, Amorim alternou períodos de trabalho em escritórios de contabilidade com freelances, sem nunca alcançar a remuneração que tinha na Volvo. Voltou a trabalhar em uma grande empresa em junho passado, como coordenador da área contábil e fiscal da fornecedora de refeições Risotolândia, onde ganha o equivalente a dois terços do que recebia na montadora. Mas se mostra satisfeito. "Senti um pouco de dificuldade, porque meu trabalho sempre foi executar, e hoje eu também tenho de me preocupar em gerir pessoas. Foi um bom desafio, que me obrigou a sair da zona de conforto", diz.
Colaborou Mariana Ceccon