Usina de Salto Caxias, exemplo de hidrelétrica a fio d’água: geradoras desse tipo são mais vulneráveis a estiagens prolongadas do que aquelas que têm grandes barragens e reservatórios| Foto: Lechatjaune/Creative Commons

Opiniões

Especialistas divergem sobre as soluções e o papel do governo

Especialistas têm visões distintas sobre a solução para a queda na capacidade de armazenamento e sobre a responsabilidade do governo na crise atual.

Para o coordenador do Gesel/UFRJ, Nivalde de Castro, o governo acertou no planejamento. "A questão é que passamos por um período crítico, de clima completamente anormal", diz. Para ele, como o modelo de hidrelétricas a fio d’água é "irreversível", resta incentivar as termelétricas. "Elas são importantes em situações-limite, mas, como têm tarifa mais cara, têm perdido nos leilões para as eólicas. Por isso sugerimos leilões separados por fonte de energia."

Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), também propõe leilões específicos. Mas acusa o governo de ter buscado apenas as tarifas mais baixas. Em seu blog, ele escreveu que, se o governo se preocupasse com a segurança do abastecimento, já teria "colocado as térmicas a gás na base do sistema", "alterado o licenciamento ambiental das linhas de transmissão" e "colocado novamente em discussão os reservatórios a fio de água".

Contrário às termelétricas, Ivo Pugnaloni, diretor da consultoria Enercons, culpa a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) pelo atraso na construção de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs). "Há 700 projetos, com 7 mil megawatts do todo, parados na Aneel, sem nenhuma razão visível ou legal. Isso equivale a meia Itaipu", diz. "Essas PCHs poderiam ser usadas no período úmido, ajudando a economizar a água das usinas maiores."

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Comitê

Dilma antecipa volta a Brasília, à véspera de reunião sobre o sistema

A presidenta Dilma Rousseff chegou no fim da tarde de ontem a Brasília depois de um recesso na Base Naval de Aratu, na Bahia. A previsão era que ela voltasse ao trabalho amanhã, mas o retorno foi antecipado. A volta ocorre na véspera da reunião do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), que avaliará o suprimento de energia no país.

Acuado pelo mercado, que passou a considerar um eventual racionamento de energia neste ou no próximo ano, o governo foi obrigado a quebrar o silêncio e falar abertamente sobre o assunto. Embora a reunião do CMSE faça parte do calendário normal do colegiado que reúne as principais autoridades do setor, o encontro ganhou importância devido à seca que reduziu os níveis das barragens de quase todas as regiões do país para os mais baixos dos últimos anos.

A pressão de movimentos sociais e ambientalistas praticamente inviabilizou a construção de hidrelétricas com grandes reservatórios no país. Se, por um lado, isso diminuiu os impactos provocados pelas usinas, por outro aumentou o risco de déficit de energia em caso de estiagem prolongada, pois a maioria das novas represas quase não consegue poupar água para períodos de pouca chuva.

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Segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), do governo federal, a capacidade do país de armazenar energia na forma de água aumentou 20% entre 2002 e 2011. Nesse mesmo intervalo, o consumo de eletricidade cresceu 60%. E a EPE estima que, em 2020, a demanda por energia elétrica será 140% superior à de 2002, ao passo que a quantidade de "energia armazenável" nas represas terá crescido apenas 30%. "Se o consumo cresce e o país só constrói reservatórios pequenos, a exposição a situações adversas aumenta", explica Nivalde de Castro, coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel) da UFRJ.

Segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), em 2000 as represas podiam armazenar até 6,7 vezes o consumo de energia, relação que foi baixando até chegar a 4,5 no ano passado. "Já não temos a mesma capacidade plurianual de recompor os níveis dos reservatórios", diz Luis Gameiro, diretor da comercializadora Trade Energy.

Termelétricas

Esse quadro deixou o país mais dependente de usinas termelétricas, a "reserva de emergência" do sistema. Desde o racionamento de 2001, o parque termelétrico, movido a gás, óleo ou carvão, foi multiplicado por quatro. E neste momento, em que os lagos do subsistema Sudeste/Centro-Oeste ocupam menos de 30% da capacidade, quase todas as térmicas do país estão ligadas. Sem elas, o governo provavelmente já teria decretado racionamento.

Mas essa dependência tem um custo, que vai além da poluição atmosférica. A Abrace, representante dos grandes consumidores, estima que em 2012 o país desembolsou R$ 2,7 bilhões para custear as térmicas de emergência – e essa conta será rateada entre todos os brasileiros. "Hoje não há um racionamento de consumo. Mas já há um racionamento de geração hidrelétrica, pois parte dela foi substituída pela geração térmica", diz Francisco Gomide, ex-presidente da Copel e de Itaipu e ex-ministro de Minas e Energia.

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Fio d’água

Ao contrário das usinas mais antigas, as principais hidrelétricas licitadas na última década funcionam a fio d’água: quase toda a vazão do rio é usada para gerar energia, ou vertida sem ser aproveitada. Elas inundam áreas bem menores, mas, em compensação, quase não conseguem aproveitar épocas de chuvas generosas para armazenar água. As duas grandes usinas do Rio Madeira, em Rondônia, são a fio d’água. Belo Monte, no Pará, também será.