O número de usuários de planos de saúde só faz crescer no Brasil. Esse contingente, de pelo menos 50,9 milhões de consumidores, pressiona a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) a rever processos que já não funcionam após 13 anos de atuação. Liderando a tentativa de reformulação está o diretor-presidente André Longo. Médico pernambucano e ex-presidente de sindicato, ele está à frente da ANS desde fevereiro de 2013. Um dos desafios de Longo é garantir a qualidade de atendimento frente ao crescente número de usuários, mesmo com as restrições legais para atuação que estão nos argumentos da reguladora.
Hoje a agência tem pelo menos três grupos de trabalho. Um deles é o que busca reformular o cálculo para reajuste de planos individuais. Polêmica, a fórmula é desde 2004 centrada em uma média do mercado de planos coletivos, que tem correção livre e acaba garantindo reajuste sempre acima da inflação para os planos individuais. Por enquanto, o estudo mais avançado é sobre criar um sistema price cap (teto de preços), que teoricamente limita preços e considera também a inflação. Longo adianta que a ANS não cogita expandir sua influência para os preços dos planos coletivos, mas afirma que abusos nos contratos são punidos as multas somaram R$ 76 milhões nos últimos três anos. Na entrevista abaixo, Longo fala da garantia de qualidade de atendimento, o maior desafio do setor.
A ANS estabelece apenas o reajuste para planos individuais (cerca de 20% dos usuários), ainda que a sua lei de criação não especifique isso. Por que a opção?
A lei diz claramente que é necessário autorizar o reajuste dos planos individuais, ouvindo o Ministério da Fazenda e etc. Não fala dos coletivos. E, segundo a visão da Advocacia-Geral da União, o que está escrito é o que deve ser feito. Bom, não sou advogado, sou médico. Existem interpretações diversas, mas a opção desde o início foi de que, no caso dos coletivos, existe negociação entre empresas a que contrata o funcionário e a operadora. Criou-se depois uma regra para que planos coletivos de até 30 vidas [usuários] sejam reajustados pela ANS porque a capacidade de negociação deles é baixa. No caso de planos maiores, pode-se mudar de plano sem cumprir carência, é um facilitador. Uma empresa grande, que tem muitos empregados, pode barganhar para regular os reajustes. Mas esse poder de escolha não é restrito, já que as operadoras têm estruturas bem diferentes dependendo da região?
Bom, há uma regionalização, mas ainda não identificamos monopólio. Você tem escolhas. Em um ramo como telefonia tem-se cinco empresas no país inteiro. Temos mil operadoras no país, ainda que a diversidade seja menor nas regiões. O que avançou no estudo de uma nova fórmula de reajuste de planos individuais?
Um dos produtos da nossa agenda regulatória é criar alternativas. Devemos entregá-las até o fim do ano. São estudos, então não significa que vai mudar. Significa que estamos terminando um projeto temos 36 e esse é um deles. O reajuste por região, que foi discutido no início da agência, está na lista?
Não existe proposta de regionalização. O estudo mais avançado é o price cap. Ele fala de fatores de eficiência por operadora, mas isso não está concluso. Vamos nos manifestar na hora certa. O número de usuários de planos nunca foi tão grande. Como garantir que operadoras estejam vendendo o que podem suportar?
Há uma preocupação grande do setor em não cair na lista de suspensão preventiva [planos que tiveram vendas suspensas pela ANS. Foram 991 desde 2011]. Elas sabem que isso acontece quando não atendem às demandas que chegaram à agência. Isso faz com que as operadoras se movam, mudem o comportamento sobre o atendimento. O poder punitivo da ANS chegou perto de um revés em abril, quando o Legislativo aprovou uma lei com um artigo que amenizaria as multas para operadoras e que foi vetado pelo governo. Acha que o assunto pode voltar?
O Congresso tem autonomia para fazer suas proposições. Não sabemos como surgiu o cálculo da medida [o texto previa que operadoras multadas mais de uma vez pagassem apenas a multa menor] e não concordávamos com ele. Acreditamos que o processo administrativo sancionador precisa sofrer mudanças para ser mais eficaz nas cobranças. Há uma baixa arrecadação em todos os órgãos públicos. As operadoras conseguem, dado esse volume grande, procrastinar o processo usando a legislação. Alguma mudança no processo a agência vê como positiva, como o tratamento coletivo das demandas. Temos um grupo de trabalho estudando como fazer isso.
Há uma mobilização do setor no sentido de as operadoras terem estrutura própria de atendimento, seja por hospitais ou cooperativas de médicos, para cortar custos. Preocupa a qualidade de atendimento nesse nicho?
A ANS não regula diretamente o prestador, não está expresso na lei. O acompanhamento de qualificação da rede prestadora é um processo que estamos fazendo com cuidado. Lançamos um programa chamado Qualis que visa a divulgar atributos dos prestadores se um determinado laboratório ou clínica tem processo de creditação, etc. Não posso obrigar a rede a se qualificar, mas estou tentando induzir as operadoras a cobrarem atributos. Sobre as operadoras que têm estrutura própria, estamos tentando trabalhar indicadores, ainda não obrigatórios. A ideia é exigi-los em curto prazo. Estamos primeiro trabalhando os indicadores.
O rol de cobertura básica da ANS é sempre divulgado como uma ampliação de serviços. Mas é comum o usuário pedir na Justiça algo fora do rol e ganhar. Como o senhor explica essa visão diferente do Judiciário?
Está expresso na lei da agência que a reguladora precisa estabelecer o rol mínimo. Obviamente a Justiça pode ter entendimentos mais amplos. Mas é importante dizer que a judicialização é um problema para a sustentabilidade do setor. Os produtos foram precificados a partir desse rol de cobertura mínima e o equilíbrio dos contratos é um princípio do Direito. A nosso ver, o Judiciário tem buscado decisões mais técnicas. Por vezes, são casos até dramáticos, em que se impõem conceitos mais importantes, como a preservação da vida. Mas é fundamental que cada vez mais as decisões sejam técnicas. Muitos procedimentos experimentais nem sempre são benéficos para o usuário e esse custo se reflete na sinistralidade [número de procedimentos com os quais o plano arcou] e no reajuste dos planos.