Frentes parlamentares e deputados de oposição se anteciparam ao Poder Executivo e protocolaram esta semana projetos de lei complementares (PLP) sobre pontos da reforma tributária sobre o consumo. O movimento acontece em meio a críticas e desconforto pelo atraso do envio das propostas de regulamentação ao Congresso Nacional pelo Ministério da Fazenda.
"Antecipamos os esforços para fazer leis complementares exatamente para não ficar na dependência do governo demorar a pautar os projetos que vão efetivar a reforma tributária", afirma o deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP), presidente da Frente Parlamentar do Livre Mercado (FPML).
São pelo menos 70 pontos que dependem de detalhamento legislativo. As frentes protocolaram 13 PLPs que devem ser apensados aos projetos do Executivo. (veja relação abaixo) A principal preocupação é apresentar alternativas que mitiguem os efeitos negativos da mudança de sistema e impeçam o aumento da carga tributária.
Com a antecipação, a coalização de frentes pretende dar mais tempo para a discussão das propostas. "Na ocasião da reforma tributária, tive acesso ao texto do Executivo meia hora antes da votação", afirma do deputado Joaquim Passarinho (PL-PA), presidente da Frente Parlamentar do Empreendedorismo (FPE). "Não queremos que isso se repita".
O texto da emenda constitucional 132/2023, promulgada no final do ano passado, estabeleceu o prazo de 180 dias para o governo enviar os projetos. Em acordo, o presidente Câmara, Arthur Lira (PP-AL) e o ministro Haddad reduziram o prazo para 90 dias por conta do calendário eleitoral, que vai comprometer o funcionamento da Casa.
O cronograma da apresentação, previsto para o dia 15 e, posteriormente, 17 de abril, foi atropelado pelo envio do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2025 e pela viagem do ministro aos Estados Unidos para a reunião anual do Fundo Monetário Internacional (FMI) na terça-feira (16). Haddad voltaria no sábado (19), mas antecipou sua volta para a quinta-feira (18) para tratar agenda econômica em Brasília e as negociações com o Congresso. A expectativa é que os projetos do governo sejam encaminhados ao Congresso nesta segunda-feira (22).
Cesta básica e imposto seletivo
Entre os temas mais polêmicos abordados pelos projetos já protocolados estão os produtos a serem inseridos na Cesta Básica Nacional (CeNA), com alíquota zero. O assunto gerou embate com a indústria de alimentos durante a discussão da reforma. A Associação Brasileira de Supermercados (ABRAS) havia apresentado uma lista controversa, com produtos considerados supérfluos.
O Senado chegou a criar duas listas de produtos, uma com alíquota zero, para itens básicos e outra estendida, com alíquota reduzida para 40% da alíquota padrão e mecanismo de cashback (devolução parcial de impostos) a famílias de baixa renda. Não houve acordo. Em março, o governo criou uma nova lista, composta por alimentos in natura e minimamente processados. O decreto estabelece que itens com mais de cinco ingredientes no rótulo, conservantes e aromatizantes artificiais, não devem fazer parte da CeNA.
O PLP 35/2024, das frentes, traz outra relação com o conjunto de 19 grupos de produtos. "Nós queremos isenção mais ampla possível em tudo que tange a cesta básica. Ela não é uniforme no Brasil, então tem que ser bem abrangente. O agronegócio, neste contexto, tem que ter uma proteção assegurada", diz Luiz Philippe, da FPLM. "Certamente não é o que o governo quer. Ele quer tributar o máximo possível em todo o setores".
Outro ponto crucial é o do imposto seletivo, que visa desencorajar o consumo de produtos comprovadamente nocivos à saúde ao meio ambiente. Apelidado de "imposto do pecado", o tributo enfrentou resistências e lobbies do setor produtivo, sob a alegação da falta de evidências confiáveis sobre os riscos dos alimentos e seus efeitos, como no caso dos ultra processados.
Para a coalização, a preocupação é assegurar que os produtos tributados sejam definidos pelo Congresso. "Do jeito que está colocado, ele é um imposto volante. Ou seja, você pode botar qualquer coisa a qualquer momento. O que nós estamos falando é o seguinte. O Congresso é que vai definir aonde vai incidir o Imposto seletivo e não um grupo seleto do ministério da Fazenda", diz o presidente da FPLM. "Mesmo definido, ele não pode ter feito cascata, tem que ser monofásico, tem que ser uma coisa pontual".
Embates contratados
Há ainda embates contratados em torno dos projetos de alíquotas diferenciadas para segmentos específicos, de neutralidade no Imposto sobre Bens de Consumo (IBS) e na Contribuição sobre Bens de Consumo (CBS), que não deverão ser cumulativos, e do comitê gestor previsto para a centralização dos tributos, ponto altamente controverso.
"Temos propostas para o regimento dessa entidade que vai ser criada. Eles estão querendo uma burocracia central aqui para comandar todos os tributos do Brasil. É como voltar a época do império, quando se concentrava, depois distribuía para os estados e município. Isso é desastroso. Vai dar errado", diz Orleans e Bragança.
O deputado Domingos Sávio (PL-MG), presidente da Frente Parlamentar do Comércio e Serviços (FCS) acredita que os embates devem servir para aprimorar a reforma e frear a sanha arrecadatória do governo. Ele defende a inclusão em um dos projetos de um artigo estabelecendo o prazo de, no máximo, um ano a partir da regulamentação para a realização de uma reforma administrativa da União, estados e municípios. "Precisamos reduzir o gasto público e melhorar sua qualidade para possibilitar uma redução gradativa da carga tributária no país", afirma. O governo não pode insistir em continuar sempre aumentando impostos para equilibrar contas públicas".
Regulação será mais apertada para governo
Parlamentares se dividem sobre as dificuldades a serem enfrentadas no Congresso para a regulamentação, sobretudo após o mal-estar entre Arthur Lira e o Palácio do Planalto, que comprometeu as relações entre os Poderes.
O desgaste aconteceu após a votação da manutenção da prisão de Chiquinho Brazão (sem partido-RJ) e as críticas de Lira ao ministro Alexandre Padilha, das Relações Institucionais. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) defendeu o ministro e agora teme retaliações do presidente da Câmara.
Para o deputado Bibo Nunes, (PL-RS) os projetos de regulamentação não terão placar tão favorável ao governo como o texto principal, aprovado com folga nas duas Casas Legislativas. "Agora está mais difícil, sobretudo com essa crise que o presidente [Lula] contratou ao defender Padilha só por 'teimosia'. Foi infantilidade e desrespeito ao Lira", afirmou.
Antes do imbróglio, num encontro com empresário em março, o presidente da Câmara já havia garantido que os projetos de regulamentação da reforma seriam "10 vezes mais discutidos" na Casa do que o texto principal. Mas ainda há dúvidas de como irá se comportar.
Lira, Haddad e frentes
As relações de Lira com o ministro Fernando Haddad, que atuou como contemporizador da crise, foram pacificadas, depois de uma sutil disputa pelo protagonismo da agenda econômica. Em conversa com líderes da Câmara, Lira já havia reclamado da equipe econômica pelo atraso no envio dos projetos de lei complementar da reforma tributária.
Para as frentes parlamentares, não há interesse em emperrar a regulamentação. "Não estamos interessados em ir contra o governo, mas em assegurar os interesses do setor empresarial, barrar a bitributação e o aumento da carga tributária que recai sobre a sociedade", afirma Passarinho, da FPE.
Antes da viagem aos EUA, Haddad revelou precisar azeitar com Lula os pontos sensíveis da reforma, elaborada por 19 grupos de trabalho e sistematizado pelo secretário Extraordinário da Reforma Tributária, Bernard Appy.
"Precisamos fechar alguns temas da reforma. Estamos nas últimas reuniões para preparar o despacho para o presidente. Vai sair do Executivo, vai passar pelo Congresso e vai sofrer todo tipo de sugestão, recomendação e pressão", disse Haddad.
O senador Efraim Filho (União–PB), presidente da Frente Parlamentar de Comércio, Serviços e Empreendedorismo (FPCS) afirmou que as frentes parlamentares estão trabalhando com a proposta concreta que será uma alternativa.
"Saímos da posição que muitas vezes aconteceu de simplesmente criticar sem apresentar a solução. O setor produtivo já tem a sua agenda e sua pauta definida. Vamos ver o que vem do governo e aperfeiçoar e o que é possível", disse.
Projetos de Lei Complementares protocolados pela coalizão
1) PLP 29/2024: Imposto Seletivo (IS)
Autor: Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP)
Trata do Imposto Seletivo, que, pela Emenda Constitucional (EC 132/2023), incide sobre bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente.
2) PLP 33/2024: Reequilíbrio de contratos de longo prazo
Autor: General Pazuello (PL-RJ)
O texto avança sobre a criação de instrumentos de ajuste nos contratos firmados anteriormente à entrada em vigor das leis que instituírem o IBS e o CBS.
3) PLP 35/2024: Cesta Básica
Autor: Pedro Lupion (PP-PR)
O projeto lista os produtos da Cesta Básica Nacional de Alimentos (CeNA), prevista na Emenda Constitucional e que estarão isentos de IBS e CBS.
4) PLP 43/2024: Regimes especiais: combustíveis e lubrificantes
Autor: Alceu Moreira (MDB-RS)
O projeto de lei complementar lista 13 modalidades de combustíveis, biocombustíveis e lubrificantes que estariam enquadrados ao regime especial previsto na Emenda Constitucional (EC 132/2023), que incidirá apenas uma vez, com alíquotas uniformes em todo o território nacional, e específicas por unidade de medida e para cada produto.
6) PLP 48/2024: Alíquotas diferenciadas
Autor: Joaquim Passarinho (PL-PA)
O texto regula e define a tributação diferenciada mencionada na Emenda Constitucional, com alíquotas reduzidas em 100%, 60% e 30%, de acordo com as especificidades de cada produto ou serviço. 7) PLP 49/2024: Neutralidade no IBS e na CBS
Autora: Bia Kicis (PL-DF)
O texto trata da aplicação dos princípios da neutralidade e não cumulatividade previstos na Emenda Constitucional da reforma tributária.
8) PLP 50/2024: Fiscalização e cobrança de IBS e CBS
Autor: Joaquim Passarinho (PL-PA)
Trata de todo o desenho para a incidência dos novos tributos do IVA dual − o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que substituirá o estadual ICMS e o municipal ISS, e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que substituirá os federais PIS/Cofins e IPI − e as normas para as definições da alíquota padrão.
9) PLP 51/2024: Zona Franca de Manaus (ZFM)
Autor: Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP)
O projeto aprofunda detalhes de medidas para assegurar o diferencial competitivo da Zona Franca de Manaus − princípio já previsto na Emenda Constitucional.
10) PLP 52/2024: Regimes especiais: setor financeiro
Autor: Adriana Ventura (Novo-SP)
O texto institui e regulamenta os regimes específicos de tributação do IBS e da CBS aplicáveis aos serviços financeiros e planos de assistência à saúde.
11) PLP 53/2024: Regime especial em zonas de exportação e importação
Autor: Dr. Fernando Máximo (União Brasil-RO)
Trata da aplicação dos novos tributos sobre importação e exportação de bens materiais ou imateriais, inclusive direitos, ou de serviços, além de regimes tributários e aduaneiros especiais e zonas de processamento de exportação.
12) PLP 55/2024: Regime especial para a tributação de bens imóveis
Autor: Dr. Victor Linhalis (Podemos-ES)
Dispõe sobre normas, conceitos e procedimentos gerais referentes à incidência do IBS e da CBS sobre operações com bens imóveis.
13) PLP 58/2024: Regulamentação de regimes específicos
Autor: Felipe Francischini (União Brasil-PR)
O projeto regulamenta uma série de atividades com regimes especiais já previstos na Emenda Constitucional, como sociedades cooperativas, serviços de hospitalidade e lazer, serviços de alimentação fora do lar, transporte coletivo de passageiros, aviação regional, operações internacionais, revenda de veículos e bens usados, atividades de Sociedades Anônimas do Futebol (SAFs) e micro contribuintes.
Frentes parlamentares envolvidas:
1) Frente Parlamentar pelo Livre Mercado (FPLM)
Presidente: Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP)
2) Frente Parlamentar Mista de Inovação e Tecnologias em Saúde para Doenças Raras (iTec Raras)
Presidente: Rosângela Moro (União Brasil-SP) 3) Frente Parlamentar da Mineração Sustentável (FPMIN)
Presidente: Zé Silva (Solidariedade-MG)
4) Frente Parlamentar do Empreendedorismo (FPE)
Presidente: Joaquim Passarinho (PL-PA)
5) Frente Parlamentar pelo Brasil Competitivo (FPBC)
Presidente: Arnaldo Jardim (Cidadania-RS)
6) Frente Parlamentar pela Mulher Empreendedora (FPMEmp)
Presidente: Any Ortiz (Cidadania-RS)
7) Frente Parlamentar Gestão de Resíduos e Economia Circular (FPRS)
Presidente: Marangoni (União Brasil-SP)
8) Frente Parlamentar Habitação e Desenvolvimento Urbano Sustentável (FPDUS)
Presidente: Marangoni (União Brasil-SP)
9) Frente Parlamentar do Saneamento Básico (FPSB)
Presidente: Marangoni (União Brasil-SP)
10) Frente Parlamentar de Portos e Aeroportos (FPPA)
Presidente: Paulo Alexandre Barbosa (PSDB-SP)
11) Frente Parlamentar do Comércio e Serviços (FCS)
Presidente: Domingos Sávio (PL-MG)
12) Frente Parlamentar de Petróleo, Gás e Energia (FREPPEGEN)
Presidente: General Pazuello (PL-RJ)
13) Frente Parlamentar Mista da Indústria (FPMI)
Presidente: José Rocha (União Brasil-BA)
14) Frente Parlamentar Mista da Saúde (FPSaúde)
Presidente: Zacharias Calil (União Brasil-GO)
15) Frente Parlamentar do Etanol
Presidente: Zé Vitor (PL-MG)
16) Frente Parlamentar dos Materiais de Construção (FMC)
Presidente: Capitão Augusto (PL-SP)
17) Frente Parlamentar Mista pela inclusão e qualidade na educação particular (FPEduQ)
Presidente: Eduardo Bismarck (PDT-CE)
18) Frente Parlamentar da Indústria de Máquinas e Equipamentos (FPMAQ)
Presidente: Vitor Lippi (PSDB-SP)
19) Frente Parlamentar de Defesa e Valorização da Produção Nacional de uvas, Vinhos, espumantes, sucos e derivados
Presidente: Marcos Pereira (Republicanos-SP)
20) Frente Parlamentar em Defesa do Setor Coureiro-Calçadista
Presidente: Lucas Redecker (PSDB-RS)
21) Frente Parlamentar Mista da Hotelaria Brasileira
Presidente: Gilson Daniel (Podemos-ES)
22) Frente Parlamentar Mista de Logística e Infraestrutura (FRENLOGI)
Presidente: Sen. Wellington Fagundes (PL-MT)
23) Frente Parlamentar pelos Centros Urbanos (FPCeurb)
Presidente: Tabata Amaral (PSB-SP)
24) Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA)
Presidente: Pedro Lupion (PP-PR)
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