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O Orçamento de 2021, que será apresentado pelo governo nesta segunda-feira (31), tende a prever o menor investimento público federal da história. Os números ainda não foram divulgados pela equipe econômica, mas a tendência é que o montante fique abaixo de 0,7% do Produto Interno Bruto (PIB), o menor patamar registrado na série histórica do Tesouro Nacional, iniciada em 2007.
“Os desafios que estão na frente do ministro da Economia e do presidente para fechar o Orçamento até o dia 31 são muito grandes. Ao mesmo tempo que o governo está preparando um conjunto de programas que têm a intenção de estimular o crescimento da economia, não há recursos para isso”, explica Paulo de Tarso Paiva, professor da Fundação Dom Cabral (FDC) e ex-ministro do Trabalho e do Orçamento do governo Fernando Henrique Cardoso.
Gil Castello Branco, fundador e secretário-geral da Associação Contas Abertas, diz que o governo está numa "sinuca de bico". “O país já estava rachado antes da pandemia e quebrou agora. Não há recursos para investimentos públicos. O nível de investimentos já vinha baixando há vários anos e vai continuar muito baixo, cada vez mais próximo a zero”, resume o especialista em contas públicas.
Castello Branco calcula que o dinheiro disponível no Orçamento para as chamadas despesas discricionárias – de livre manejo – deve ficar em torno de R$ 89 bilhões em 2021. Só que grande parte desse valor será destinado para o custeio da máquina pública em si, caso contrário ela corre o risco de parar. Por isso, sobrará muito pouco dinheiro para o investimento, que é o dinheiro aplicado em obras e compras de equipamentos e insumos. O valor exato depende que quanto o governo vai precisar para custeio da máquina.
Em 2019, o governo gastou R$ 57,4 bilhões com investimentos, em valores corrigidos pela inflação até junho de 2020. Isso representa 0,78% do PIB. O valor, contudo, foi inflado pelos aportes de capital que a União fez em estatais. O governo injetou R$ 10,1 bilhões em empresas suas no ano passado, em especial na Emgepron, ligada à Marinha, que alegou a necessidade de receber R$ 7,6 bilhões para construção de corvetas, um tipo de navio.
Se não fossem esses aportes nas estatais, que são realizados fora do teto de gastos (mecanismo que limita o crescimento das despesas à inflação), o investimento de 2019 teria sido o menor da séria histórica em proporção do PIB.
O menor investimento federal até hoje foi registrado em 2017, na gestão de Michel Temer, quando o governo investiu apenas 0,69% do PIB, cerca de R$ 50 bilhões em valores corrigidos pela inflação. Em termos nominais, o menor valor da série história é de 2007, quando foram investidores R$ 43,3 bilhões, também em valores corrigidos, mas na época o montante correspondeu a 0,8% do PIB (veja no gráfico; a reportagem continua logo abaixo).
O valor de 2020 será distorcido pelas despesas de combate à pandemia do novo coronavírus. Entre elas, as garantias para empréstimos a pequenas e médias empresas, classificadas como inversões financeiras – que, numa espécie de efeito contábil, inflaram o investimento do primeiro semestre e o levaram ao maior nível em seis anos.
Despesas obrigatórias jogam investimento público para baixo
O baixo nível de investimento federal é explicado pela expansão das chamadas despesas obrigatórias e impositivas. As principais despesas obrigatórias são os salários dos servidores públicos federais e benefícios previdenciários, como aposentadorias e pensões. O governo também é obrigado a executar as despesas impositivas, determinadas pelo Congresso, como emendas parlamentares e de bancadas.
O Orçamento de 2020, projetado antes da pandemia, teve 94,5% das receitas previstas destinadas ao pagamento das despesas obrigatórias e impositivas. O comprometimento deve chegar a 95% no ano que vem.
Com isso, devem sobrar apenas 5% das receitas para despesas discricionárias, aquelas que o governo tem liberdade para gastar como quer, como investimentos e custeio.
E mesmo nesse último caso a liberdade é muito limitada, pois se o Executivo cortar os gastos de custeio existe o risco de paralisação de órgãos e serviços públicos, por motivo variados – como falta de água ou luz, por exemplo. Assim, a "faca" costuma cair sobre o investimento, despesa que mais é afetada pelas restrições orçamentárias.
Baixo investimento público inibe setor privado e deprecia patrimônio
Segundo Castello Branco, o volume baixo de recursos para investimento prejudica o país por dois principais motivos. O primeiro, porque inibe o interesse do investidor privado. Segundo, porque deprecia o patrimônio público.
“A consequência é ruim, porque os investimentos públicos também auxiliam a alavancar investimentos privados. E porque você começa a ter uma deterioração do próprio patrimônio, porque o investimento é o chamado gasto nobre, justamente o gasto em obras, compra de equipamentos, construção de hospitais, postos de saúde, compra de respiradores, compra de materiais pra escola, construção de creches, estradas. Tudo isso é investimento”, explica o fundador da Associação Contas Abertas.
Oportunidade para rever gastos e estimular investimento privado
Paulo Paiva, da Fundação Dom Cabral, vê no pouco espaço para investimento federal uma oportunidade para o governo estimular os investimentos privados e rever seus gastos, melhorando a eficiência do setor público. É essa, aliás, a agenda do ministro da Economia, Paulo Guedes, que aposta em privatizações e concessões de infraestrutura ao setor privado.
“O governo deve estimular os investimentos privados, os marcos regulatórios e se preparar para atrair recursos privados que estão disponíveis no mundo e aqui no Brasil, principalmente com as baixas taxas de juros”, avalia.
O ex-ministro defende que os poucos recursos públicos disponíveis no Orçamento do ano que vem sejam direcionados para as áreas sociais. “As atividades que possam ser executadas com recursos privados devem executadas com recursos privados”, diz.
Para Paiva, o Estado tem um papel fundamental no crescimento da economia e na regulação, "mas não pode tudo". "Não é possível retornar a um período que foi do governo Geisel [1974- 79] ou do governo Dilma Rousseff, que foi um desastre, de achar que o Estado pode tudo."
Ministros pressionam por recursos
Apesar da restrição orçamentária, ministros pressionam a Economia por mais recursos em 2021, conforme mostrou a Gazeta do Povo. Os mais interessados são os ministros da Defesa (Fernando Azevedo e Silva), da Infraestrutura (Tarcísio de Freitas) e Desenvolvimento Regional (Rogério Marinho).
Marinho chegou a liderar um movimento dentro do governo para flexibilizar o teto de gastos, o mecanismo que impede as despesas públicas de crescer acima da inflação. O teto é considerado a "âncora fiscal" pela equipe econômica, que descarta qualquer tipo de flexibilização.
A ideia de Marinho era retirar os investimentos federais do limite do teto, para que o governo pudesse gastar mais com obras no ano que vem, via endividamento público. Porém, esse movimento foi barrado pelo ministro Paulo Guedes, que teve o apoio do presidente Jair Bolsonaro, após intensa discussão dentro do governo.
O professor Paulo Paiva avalia que mexer no teto para aumentar os gastos públicos pode levar o país à recessão porque passaria um sinal ruim aos investidores e poderia levar a uma pressão inflacionária e ao aumento da taxa de juros.
Gil Castello Branco, da Contas Abertas, acredita que o ministro Paulo Guedes não vai conseguir segurar a pressão por aumento dos gastos por muito tempo, mesmo que isso coloque em risco a credibilidade econômica do país. Ele avalia que tanto o presidente Bolsonaro quanto a ala desenvolvimentista do governo querem deixar suas marcas políticas, com os programas Renda Brasil e o Pró-Brasil, respectivamente.
“O ministro Paulo Guedes está numa situação muito difícil. Ele pode, inclusive, não abrir o cofre agora. Mas num determinado momento a pressão política por mais gastos será tal que eu acho que ele pode até sair levando a chave do cofre, mas logo logo o Centrão vai achar um chaveiro”, diz Castello Branco.
Conteúdo editado por: Fernando Jasper