A equipe econômica está em negociação com o Congresso para aprovar ainda neste ano uma mudança estrutural no Orçamento, desvinculando, desobrigando e desindexando parte das receitas e despesas. O objetivo é abrir espaço na peça orçamentária do ano que vem para custear programas como o Renda Brasil, que vai substituir o auxílio emergencial e o Bolsa Família, e ainda garantir a manutenção do teto de gastos, o mecanismo que limita o crescimento da despesa total do governo à inflação.
Os 3Ds – desvinculação (sem recursos carimbados), desindexação (sem reajustes automáticos) e desobrigação (sem mínimos constitucionais) do Orçamento – são um sonho antigo do ministro Paulo Guedes. Ele já falava deles no início de 2019 e em novembro daquele ano encaminhou ao Senado a proposta de emenda à Constituição (PEC) do Pacto Federativo, que previa tirar essas “amarras” do Orçamento, como gosta de chamar, além de abordar outras temas. O texto, contudo, não foi votado no Senado.
A estratégia agora é retomar a tramitação da PEC para aprová-la ainda neste ano. Segundo um interlocutor da equipe econômica revelou à Gazeta do Povo, as negociações com o Senado estão avançando para tirar da PEC do Pacto Federativo quase todos os outros itens que tratavam de temas diversos aos 3Ds. O objetivo é que a proposta se concentre em trazer apenas as mudanças estruturais do Orçamento mais o Renda Brasil, que deve ser incluído nessa PEC.
A equipe econômica e senadores aliados do governo chegaram à conclusão de que a proposta encaminhada ano passado foi muito ampla – propunha a extinção de municípios, passava por mudanças no Orçamento e no salário de servidores e chegava na redistribuição de recursos para estados e municípios. Por isso, enfrentou tanta resistência no Congresso. O enxugamento do texto está sendo costurado com o relator da PEC, o senador Márcio Bittar (MDB-AC), que também será relator do Orçamento de 2021.
Renda Brasil pode facilitar mudança no Orçamento
Para tentar facilitar a aprovação do texto, a ideia agora é vincular os 3Ds ao Renda Brasil. A equipe econômica tinha planejado inicialmente acabar com programas considerados ineficientes, como o abono salarial e o seguro-defeso, e remanejar a verba para o futuro programa social. Porém, a ideia foi vetada pelo presidente Jair Bolsonaro, que considerou que isso tiraria dos “pobres” para dar aos “paupérrimos”.
Sem remanejar verba, a solução encontrada para viabilizar o Renda Brasil é desindexar, desvincular e desobrigar o Orçamento. A análise é que de nada adiantaria o governo aumentar suas receitas, pois não há espaço do lado da despesa para criação de um novo programa da ordem de R$ 50 bilhões (custo estimado anual do Renda Brasil). É preciso cortar uma despesa corrente existe – que seria a ideia inicial da equipe de Guedes – ou abrir espaço mudando o Orçamento – ideia atual.
Segundo um interlocutor da equipe econômica, a desindexação e a desvinculação seriam suficientes para viabilizar o Renda Brasil já em 2021, que contaria também com a verba separada para o Bolsa Família, que é de R$ 34,8 bilhões, de acordo com a proposta orçamentária.
Desindexar o Orçamento significa tirar parte das correções automáticas que existem, sejam pela inflação, salário mínimo ou receita corrente líquida. Esse interlocutor afirma que quanto mais o Orçamento for desindexado, mais espaço sobrará para o programa social. A decisão estará com a “classe política”.
Já a desvinculação envolveria acabar com as “receitas carimbadas”, que têm um fim específico, que muitas vezes nem é executado.
A equipe econômica e senadores aliados ainda estudam se mantêm na PEC do Pacto Federativo a permissão para reduzir a jornada e o salário dos servidores em 25%. Esse mecanismo também ajudaria a abrir espaço no Orçamento, ao reduzir a segunda principal despesa obrigatória, mas enfrenta muita resistência e pode travar as discussões.
Compromisso com o teto de gastos
Além de viabilizar o Renda Brasil, os 3Ds são vistos como um aliado da equipe econômica para manutenção do teto de gastos. O teto esteve ameaçado por parte do próprio governo, que queria flexibilizar o mecanismo para gastar mais com obras públicas. O movimento foi barrado, mas só após longa discussão e embate público.
Segundo a Secretaria de Política Econômica do Ministério da Economia, minar a credibilidade do teto elevaria o risco de solvência da dívida pública brasileira, com consequências negativas imediatas sobre a economia brasileira.
A projeção é de que mudanças ou o abono do teto podem agravar a queda do PIB de 2020 de 4,7% (projeção atual do governo) para até 6,9%; elevar os juros em 1,7 ponto percentual até o fim de 2020; e elevar a inflação em 2 pontos percentuais.
Equipe econômica sai em defesa pública dos 3Ds
Em paralelo às negociações nos bastidores para aprovar os 3Ds, que constam na PEC do Pacto Federativo, a equipe econômica começou a sair em defesa pública da mudança estrutural no Orçamento. Apesar de a peça orçamentária de 2021 ter sido encaminhada ao Congresso, ela pode ser modificada durante a tramitação, inclusive pelo próprio governo, através das chamadas “mensagens modificativas”.
Na coletiva de imprensa de apresentação da proposta orçamentária de 2021, o secretário especial de Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues, disse que a desindexação, a desvinculação e a desobrigação do Orçamento são necessárias. “Uma mudança estrutural no Orçamento é mais do que bem-vinda, é urgente. Precisamos ter essa aprovação e essa aprovação é um presente para o Brasil, tornando menos rígido o Orçamento”, afirmou.
Ele lembrou que cerca de 75% do Orçamento primário é indexado, por isso retirar as correções automáticas, mesmo que parcialmente, abriria bastante espaço no teto de gastos. “Mais de R$ 700 bilhões estão ligados a algum tipo de indexação, quer seja pelo IPCA, INPC, indexação referenciada ao salário mínimo ou à receita corrente líquida. Então é um item que nós precisamos olhar e será um avanço institucional enorme ao conseguirmos”, ressaltou.
Em audiência pública no Senado, o ministro Paulo Guedes disse aos parlamentares que aprovar a PEC do Pacto Federativo com os 3Ds é devolver o controle do Orçamento à classe política.
“Além de o teto estar nos comprimindo, o piso sobe, porque as despesas obrigatórias são indexadas, são vinculadas. Então, o que está acontecendo conosco? Nós estamos sendo comprimidos contra o teto: ou vai quebrar o teto em algum momento ou nós vamos travar esse piso. A PEC do pacto federativo é essa trava no piso. Ela diz o seguinte: ‘Vamos assumir o controle dos orçamentos, não há mais tudo automático, tudo vinculado. Vamos desobrigar, vamos desindexar, vamos desvincular, e quem decide é a classe política'”, resumiu o ministro.
Guedes demonstrou confiança que a proposta será aprovada pelo Congresso. “A classe política não vai se omitir. Ela vai dar um passo à frente e vai assumir os orçamentos públicos, desobrigar, desindexar e desvincular as receitas, de forma que você possa decidir sobre R$1,5 trilhão, que é o Orçamento da União.”
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