Victor Massiah sempre desconfiou do papo de que o sistema bancário italiano está em tão mau estado e tão repleto de empréstimos ruins, que coloca a Europa em risco de outra crise financeira.
A mansão que abriga a sede local do UBI Banca, o banco comandado por Messiah e um dos maiores credores da Itália, não parece ser o tipo de lugar que está prestes a ficar sem dinheiro. Uma lareira de mármore entalhado adorna uma sala de conferência sustentada por vigas de madeira dignas de um castelo. Uma estátua da deusa grega Atena observa triunfante do alto da escada. “Como você pode ver”, afirmou, indicando o espaço com um gesto, “não estamos falidos”.
Os técnicos do governo temem qualquer sinal de desastre financeiro: a inimaginável montanha de dívidas inadimplentes da Itália é um assunto discutido em termos dignos de uma pilha de plutônio. Os bancos do país já foram considerados grandes demais para falir, mas agora caminham lentamente para a bancarrota, ameaçando a economia global.
Durante anos, os credores italianos se arrastaram, esperando que o tempo resolvesse suas aflições. Porém, a economia italiana continua enfraquecida, sem registrar crescimento nos últimos 13 anos. Empréstimos ruins se multiplicaram. Bons empréstimos se deterioraram.
Os problemas da Itália, são problemas de toda a Europa. Quase um quinto de todos os empréstimos do sistema bancário italiano são considerados problemáticos, somando cerca de 360 bilhões de euros no fim do ano passado, de acordo com o Fundo Monetário Internacional. Isso representa cerca de 40% de todos os empréstimos inadimplentes dos países do bloco do euro.
Nas últimas semanas, o mundo todo voltou os olhos para o maior credor da Alemanha, o Deutsche Bank, temendo a possibilidade de que o banco precise de ajuda do governo. Contudo, embora o Deutsche tenha se tornado a crise do momento, a Itália representa uma ameaça perene que, a qualquer instante, pode presentear o mundo com uma surpresa desagradável e grande o bastante para que representantes de governos de todo o planeta venham a Roma para tentar conter os danos.
O governo italiano tentou aumentar os gastos públicos para acelerar a economia. Contudo, os líderes da União Europeia, como a Alemanha, estabeleceram regras para limitar os déficits orçamentários. Além disso, os bancos italianos estão guardando dinheiro, retirando capital de uma economia já bastante anêmica.
Tudo isso leva a Itália, a Europa, e em certa medida a economia global a um impasse considerável. É possível que a Europa jamais recupere o vigor econômico do passado e, nesse contexto, os bancos italianos criam uma emergência em câmera lenta. Os bancos italianos não serão capazes de se reestabelecer sem que haja crescimento, e a economia italiana não pode crescer sem bancos saudáveis.
Massiah não tem paciência para histórias que identifiquem os bancos como fonte do perigo. A não ser por alguns casos irresponsáveis, os credores italianos não são os causadores do problema, insiste o banqueiro. Na verdade, eles são vítimas do momento histórico.
Uma recessão que durou sete anos destruiu cerca de um quarto da indústria italiana. Os índices de desemprego passam dos 11%. A população está envelhecendo e uma parcela pequena da população feminina está no mercado de trabalho, limitando o poder de gasto. Muitas empresas italianas são de pequeno porte, o que as torna especialmente vulneráveis à globalização. Empresas familiares especializadas na fabricação de produtos artesanais foram massacradas pela concorrência da China. Além disso, as taxas de juros negativas mantidas pelo Banco Central Europeu para encorajar os empréstimos afetaram a lucratividade dos bancos.
“A Itália é um país ‘bancocêntrico’, e a crise é gigantesca. Quando a maré baixar, não vai restar nada que preste”, afirmou Massiah.
‘Um sintoma, não uma causa’
Os problemas bancários da Itália são um sintoma do estilo italiano de fazer negócios, que tradicionalmente prioriza relacionamentos pessoais e laços comunitários, ao invés da busca fria pela lucratividade – algo que o país deseja mudar. Durante visitas a autoridades italianas em escritórios que mais parecem versões particulares da Capela Sistina, sempre se repetem as reclamações de que as reformas passaram despercebidas. As autoridades revelam que se ressentem do fato de a Itália continuar a ser vista como o país dos irresponsáveis no centro da decadência econômica da Europa.
O antigo primeiro-ministro Silvio Berlusconi – magnata da imprensa viciado em bronzeamento artificial – era comicamente incapaz do ponto de vista econômico e assim entrou para os livros de história. Atualmente, quem está no controle é o jovem tecnocrata Matteo Renzi, responsável por uma série de reformas politicamente perigosas há muito tempo desejada pelas autoridades carrancudas em Bruxelas.
Sob o comando de Renzi, a Itália tornou mais simples o processo de demissão de funcionários. Isso serviu para eliminar um dos maiores empecilhos para a contratação – o medo de que funcionários problemáticos ficassem lá para sempre. O país também acelerou processos em seus tribunais notoriamente ineficientes.
O primeiro-ministro está tentando realizar uma mudança na constituição para remodelar todo o processo legislativo, visando dar fim à morosidade do parlamento. Segundo ele, isso iria eliminar as obstruções a outras medidas favoráveis ao crescimento.
Ainda assim, de acordo com alguns economistas, as reformas não são mais que uma cortina de fumaça: o verdadeiro problema está no sistema bancário, que mantém “empresas zumbi”, que jamais serão capazes de pagar suas dívidas, mas que recebem crédito o suficiente para não atrasar os pagamentos.
Mas, se dizem isso ao homem responsável pelo sistema, Ignazio Visco, diretor do Banco da Itália, ele reage como se alguém tivesse atirado um objeto sujo na tapeçaria elegante de seu escritório. A maior parte das dívidas podres da Itália tem algum tipo de garantia, afirmou. O restante provavelmente voltará a ser solvente, desde que a economia volte a crescer.
“Esse é o resultado de uma situação econômica desfavorável, de sete anos de recessão quase contínua. Os bancos são um sintoma. Não a causa”, afirmou Visco.
Cemitérios da indústria
O UBI pode ser o típico credor italiano. Ele foi criado por meio da junção de cooperativas de credores locais – instituições criadas para ajudar comerciantes locais, não para gerar lucros aos investidores. Isso reflete o espírito de ação coletiva que transformou a Itália em destino turístico e fonte confiável de alimentos e produtos de moda.
Contudo, essa abordagem emocional geralmente não produz bons resultados quando se trata da gestão de dinheiro.
Desde que assumiu o cargo de executivo-chefe do UBI em 2008, Massiah tenta criar uma cultura bancária moderna. Ele esteve na posição desagradável de manter o senso de comunidade vivo, ao mesmo tempo em que era obrigado a dizer não a pessoas que acreditavam ter o direito de ouvir sim.
Segundo ele, “nós chamamos para uma conversa e pedimos para ver o plano de negócios. Porque se não for factível, não vamos aumentar o sofrimento de ninguém”. Os empréstimos ruins na carta da UBI caíram de 9,3 para 8,3 bilhões de euros no fim do ano passado.
Ainda assim, a instituição também enfrenta acusações. Os promotores italianos anunciaram recentemente que concluíram uma investigação na qual foram reveladas evidências de que Massiah e outros 38 banqueiros haviam obstruído o trabalho dos fiscais italianos que buscavam provas de que a empresa havia selecionado o conselho diretivo de forma irregular em 2013. Os acusados têm três semanas para provar que não devem ser processados.
Ele afirma que a promotoria não passa de uma das armas utilizadas na batalha pelo controle do banco após uma fusão. Massiah acrescentou que ele e o conselho diretivo haviam alterado a estrutura do UBI para garantir mais transparência. Agora, o valor dos votos é relativo ao tamanho do investimento.
Ele passa horas ao lado dos gerentes da empresa, aconselhando-os sobre como analisar com mais atenção os balancetes, até na hora de dar notícias ruins. Mesmo quando encaram um conflito entre a frieza dos números e o que ele chama de “valores importantes da vida” – um jovem casal em busca de dinheiro para comprar uma casa e começar a família, por exemplo.
“As pessoas têm dificuldade em controlar a parte emocional dessa história. Os caras que trabalham para o banco também são seres humanos e se sentem mal. Dizer ‘não’ é uma coisa terrível, especialmente na nossa cultura. De certa forma, na cultura anglo-saxã as pessoas têm uma forma mais direta de interagir. Nossa cultura não vai tão diretamente ao ponto. Preferimos evitar confrontos.”