São Paulo – Empresas de todos os setores da economia estão disputando o consumidor das classes C, D e E, cujo poder de compra cresceu nos últimos quatro anos. Fatores como a estabilidade da economia, juros em queda, aumento da renda, programas assistenciais do governo e a oferta abundante de crédito foram fundamentais não apenas para a melhoria do poder de consumo, mas também colaboraram para que houvesse ascensão social. Só neste ano, de acordo com pesquisa da empresa LatinPanel, 2,15 milhões de famílias das classes D e E, com renda mensal de 1 a 4 salários mínimos, passaram para a classe C com rendimentos mensais de 5 a 10 mínimos. Outra pesquisa, do Datafolha, apontou que o porcentual dos que fazem parte da classe C subiu de 32% para 40% de outubro de 2002 a julho de 2006, enquanto as classes D e E encolheram de 46% para 38% em decorrência da migração para a classe C.

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"Vemos uma forte migração para a classe C de 2002 a 2006. E aqueles que se mantiveram nas classes D e E passaram a consumir produtos que antes não poderiam comprar, como suco em pó, massa instantânea, caldos, extrato de tomate e maionese. Enquanto a classe C está sofisticando seu consumo, comprando mais o que antes era evitado no carrinho do supermercado, por ser supérfluo", afirma o gerente de atendimento da LatinPanel, Antonio Perrella. Analisando itens com 60% de penetração nas residências, a pesquisa em 8,2 mil domicílios demonstrou que as famílias das classes D e E elevaram de 21 para 27 o número de produtos consumidos nos últimos quatro anos, enquanto as residências da classe C passaram a adquirir 33 produtos agora, contra 28 em 2002. E a necessidade de ampliar o consumo é ainda maior. Questionados pela LatinPanel sobre o que consumiriam caso a situação melhorasse, 23% das famílias das classes D e E comprariam itens diversos como imóveis (64%), eletrodomésticos (33%) e alimentos (29%).

Para conquistar esse mercado, Perella acredita que a indústria deve montar estratégias específicas para cada classe. O grande desafio para ampliar as vendas nas classes D e E é um forte investimento em canais de distribuição. Isso porque a pesquisa detectou que 54% do consumo das famílias dessa classe ocorre fora de grandes redes de supermercados, como em pequenas quitandas e lanchonetes. "O preço é um fator determinante para esta classe e a indústria precisa entender que esse consumidor, além de desejar produtos sofisticados como sonho de consumo, ainda tem a necessidade de consumir mais alimentos. Eles ainda têm necessidades básicas. A palavra desafiadora para a indústria nesta classe é ‘acesso’", explica. Já para a classe C o grande desafio é a customização, já que 60% dos gastos são feitos no varejo tradicional. "Eles já têm acesso, mas querem coisas mais com a sua cara. As empresas precisam trabalhar com nichos específicos e ouvir mais a necessidade dessa classe."

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Adequação

A Nestlé segue essas dicas à risca e até montou uma unidade de vendas no Nordeste, região onde há, de acordo com o estudo do Departamento Intersindical de Economia e Estudos Socioeconômicos (Dieese), a maior concentração no país de trabalhadores ganhando até um salário mínimo. E também onde há o maior impacto de programas como o Bolsa Família. "O tíquete médio de compra em supermercado no Nordeste é de apenas R$ 7. Ou seja, eles compram pouco e vão mais vezes ao supermercado. Além de lançar produtos específicos para essa classe, com preço melhor, fazemos também promoções não do tipo ‘leve dois e pague um’, mas unindo, por exemplo, chocolate, leite e bolacha", explica o diretor de novos negócios da Nestlé, Johnny Wei. A empresa adaptou, por exemplo, a bolacha Bono para venda no Nordeste, reduzindo o conteúdo para 140 gramas e aproximando seu custo do poder aquisitivo da população de baixa renda. "Outro produto é o leite Ideal, que foi modificado para dar maior nutrição à população com menor acesso ao leite e tem custo mais baixo".

A Unilever também aposta no consumo de baixa renda. Uma das iniciativas para entender esse universo foi contratar um grupo do qual faziam parte cientistas sociais que já haviam estudado os hábitos de consumo dessas classes, conta o vice-presidente de Assuntos Corporativos, Luiz Carlos Dutra. Ao perceber que o consumidor nordestino preferia um produto que aliasse limpeza e fragrância, a Unilever lançou no Nordeste, em 1996, o sabão em pó Ala, que hoje tem 23% de participação nesse mercado. "Construímos uma fábrica em Igarassu, em Pernambuco, em 1996, buscando reduzir ao máximo os custos de produção, para que isso se refletisse no produto e o aproximasse do consumidor."

A empresa também fez a transferência de parte da fábrica da Kibon de São Paulo para Jaboatão dos Guararapes, também em Pernambuco, já com sorvete especial para os nordestinos: o sabor cajá, em versão picolé Fruttare e em pote de 2 litros. Além de um produto chamado "Copão", um pote de sorvete de 400 ml com preço de R$ 3,50, apenas para os nordestinos. A empresa também lançou só para o Nordeste o Rexona Compact, que tem participação de 5% no mercado e preparou outros produtos com foco no público de baixa renda para todo o país, como o sabão em pó Surf, que substituiu o Campeiro, e a marca de produtos para cabelo Suave. "Nós nos antecipamos ao ‘boom’ do consumo popular no fim da década de 90", afirma.

A Johnson & Johnson realizou há cinco anos uma pesquisa que mostrava que a marca era percebida pelos consumidores como um produto destinado apenas às classes de maior poder aquisitivo, explica o gerente de marketing da companhia, Ricardo Wolff. Além de fortes ações de marketing em programas de televisão, a empresa também lançou produtos específicos para as classes de baixo poder aquisitivo, como o absorvente Sempre Livre Especial e a linha de loção Johnson Soft Lotion, para adultos.

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Distribuição

Quiosques e venda porta-a-porta. Vale tudo para conseguir chegar mais próximo do cliente de baixa renda. A Nestlé afirma conseguir hoje 95% de penetração de seus produtos nos lares brasileiros e não descuida de canais alternativos. Segundo o diretor de novos negócios, Johnny Wei, há um programa da Nestlé que incentiva mulheres de famílias de baixa renda a vender os produtos da companhia no sistema porta-a-porta. "O programa se chama Nestlé Até Você, que prepara pequenos distribuidores, como a dona de casa, que tem um tempinho para percorrer a casa dos vizinhos e vender nossos produtos. Isso já é tradicional para produtos de higiene e cosméticos. E é um modelo que estudamos ampliar. Além disso, queremos chegar a farmácias e parques públicos."

A Johnson & Johnson também aposta em ações específicas em canais alternativos. Em janeiro deste ano, a empresa iniciou um projeto-piloto com um quiosque montado no Poupa Tempo de Santo Amaro, em São Paulo, em um acordo com o governo do estado. "Não temos ainda a capilaridade necessária para conquistar ainda mais o público dessas classes e vimos uma grande oportunidade no Poupa Tempo. E a experiência tem sido incrível, porque tivemos no quiosque picos de vendas que superaram lojas tradicionais", explica Wolff. Segundo ele, a idéia é ampliar o projeto paulatinamente e já está em negociação a abertura de um quiosque no Poupa Tempo da Sé. Segundo o gerente de marketing, o quiosque quebra a visão de que os produtos da Jonhson não seriam acessíveis e funciona como canal alternativo de faturamento.

Mesmo com esse esforço, ainda há muito que avançar. O marceneiro Eikeson Freitas, 36 anos, ainda acha que os preços dos produtos não estão tão acessíveis como "estão divulgando". Com renda de R$ 800, casado e pai de uma filha pequena, ele não acredita que o custo de vida tenha melhorado. "Os preços dos produtos sobem e nosso salário não acompanha. Vejo no bolso que a situação está ruim ainda e o povo lá em Brasília levando o deles. Se não houvesse corrupção, sobraria mais dinheiro pra quem precisa", afirma. Concorda sua esposa, Neusa, que acha pouco o esforço da indústria nos chamados produtos populares. "Tem preço menor, mas em produto supérfluo, como salgadinho, bolacha, mas o que não é supérfluo continua caro", reclama.