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Apesar de o governo estar otimista com a recuperação da economia, acreditando que o Produto Interno Bruto (PIB) vai crescer mais de 3% no ano que vem, o Ministério da Economia reconhece que há, pelo menos, dois grandes riscos na área econômica. O primeiro seria uma crise fiscal, com eventuais dificuldades de a União honrar seus compromissos nos próximos anos. O segundo seria a deterioração da produtividade brasileira.
As conclusões constam de nota técnica elaborada pela Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Economia. “Existem dois grandes riscos para a economia brasileira: no curto prazo é fundamental consolidarmos o lado fiscal; e no longo prazo precisamos aumentar a produtividade total dos fatores. A falha em endereçar qualquer um desses riscos trará consequências negativas severas para nossa sociedade”, afirma a secretaria no documento “Considerações sobre a política econômica: objetivos e desafios para 2021”.
Uma das consequências negativas seria o chamado crescimento "voo de galinha”. O voo de galinha é uma analogia para quando uma economia até chega a crescer, porém, por falta de condições estruturais, não consegue manter o ritmo de crescimento ao longo dos anos, voltando a enfrentar crises e estagnações. Segundo o Ministério da Economia, esse cenário tem acontecido com o Brasil nos últimos 40 anos.
“Ao insistir na agenda de reformas, ao perseverarmos na agenda de consolidação fiscal e aumento da produtividade, estamos lançando as bases para o crescimento econômico sustentável de longo prazo”, afirma a SPE. “Com as reformas temos a retomada sustentável da economia, sem as reformas voltaremos aos voos de galinha”, completa.
Risco fiscal
Em relação à questão fiscal, a secretaria afirma que as propostas de emenda à Constituição (PECs) da Emergência Fiscal, do Pacto Federativo, dos Fundos Públicos e da Reforma Administrativa precisam caminhar no Congresso com “o devido senso de urgência”. As três primeiras propostas foram enviadas pelo governo ao Senado em novembro de 2019 e até agora não foram aprovados. A reforma administrativa chegou à Câmara dos Deputados em setembro deste ano, mas também não caminhou.
As PECs da Emergência Fiscal e do Pacto Federativo são importantes para o controle das contas públicas porque elas regulamentam os chamados gatilhos do teto de gasto. Ou seja, sempre que as contas públicas saiam do controle, União, estados e municípios entram em estado de emergência e uma série de gastos obrigatórios têm de ser controlados.
As propostas proíbem, por exemplo, reajuste a servidores, progressão de carreiras, promoções e novos concursos públicos enquanto o ente estiver em “estado de emergência”. A União pode, ainda, reduzir a jornada de trabalho e o salário do servidor em 25%.
A PEC do Pacto Federativo é ainda mais abrangente e propõe, além das medidas acima, a redução à metade dos benefícios tributários, que hoje consomem mais de 4% do PIB em âmbito federal. A partir de 2026, eles não poderão ultrapassar 2% do PIB.
O texto também cria o Conselho Fiscal da República, para zelar pelas contas públicas de todos os entes federativos; extingue municípios com menos de 5 mil habitantes que tenham arrecadação própria inferior a 10% da sua receita total; e propõe uma nova política de distribuição de royalties e salário-educação a estados e municípios.
A PEC dos Fundos Públicos, por sua vez, extingue os fundos infraconstitucionais que não forem ratificados pelo Congresso até dois anos após a publicação da emenda. O objetivo é liberar cerca de R$ 220 bilhões que estão parados nesses fundos – sem utilização – para amortização da dívida pública.
A dívida pública vai chegar a quase 100% do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano, após os gastos extras que o governo teve que fazer para combater à Covid-19 e seus efeitos já economia. O patamar é considerado muito elevado para países emergentes. Antes da pandemia, a previsão era que o percentual ficasse em torno de 76%.
Por fim, a reforma administrativa ataca em médio e longo prazo a segunda maior despesa do governo: funcionalismo público. Apesar de atingir somente os novos funcionários públicos, a proposta tem potencial de gerar uma economia entre R$ 673,1 bilhões a R$ 816,2 bilhões em dez anos, segundo cálculos do Ipea (órgão ligado ao governo), devido à previsão de baixa reposição dos servidores aposentados, redução dos salários de entrada e progressão mais lenta das carreiras.
“A questão fiscal irá ocupar boa parte da discussão no primeiro trimestre de 2021. Sendo assim, quanto mais rápido esse problema for endereçado, mais rápida será a recuperação da economia brasileira. Importante salientar que a relação dívida/PIB no Brasil está em patamares elevados, mas com a aprovação dessas PECs teremos garantido a consolidação fiscal; o que implica na manutenção de juros baixos, inflação sob controle, e retomada do crescimento econômico”, diz a SPE na nota técnica.
O governo vai tentar aprovar a PEC Emergencial em dezembro deste ano. Ele conta com o apoio do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). O prazo, porém, será curto: serão apenas três semanas de trabalho, antes do recesso de fim de ano. O texto precisa ser aprovado pelas duas Casas do Congresso. A proposta é considerada fundamental para que o relator do Orçamento, senador Márcio Bittar (MBD-AP), consiga acomodar os gastos desejados para o ano que vem.
Teto de gastos
A nota técnica da SPE nem chega a fazer menção ao teto de gastos, considerado o principal pilar macrofiscal da economia brasileira. O teto limita o crescimento das despesas do governo à inflação.
A equipe econômica não trabalha com nenhuma hipótese de flexibilização ou rompimento do teto em 2021. Mas o risco existe, já que parlamentares e membros do próprio governo querem mais dinheiro para obras e programas sociais. Vale lembrar que o Orçamento do ano que vem nem começou a ser discutido oficialmente pelo Congresso.
A manutenção do teto é um dos pontos de maior incógnita para 2021. Um rompimento do teto colocaria em risco todo o trabalho de consolidação fiscal, iniciado ainda no governo Temer, na avaliação da equipe econômica. O mercado também está atento a essa questão, pois acredita que, sem a âncora fiscal em 2021, financiar o governo passa a ser mais arriscado, o que pode afastar investidores do país e a obrigar o Tesouro a pagar taxas mais altas para quem aceitou ficar por aqui.
Produtividade
Se a questão fiscal tem causado uma sombra sobre o futuro da economia no curto prazo, o governo enxerga que a deterioração da produtividade pode ameaçar o desempenho do país em longo prazo. “Sem aumentar nossa produtividade, a economia brasileira seguirá a perseguir ‘voos de galinha’ como tem ocorrido nos últimos 40 anos”, diz a SPE em nota.
Para aumento da produtividade, a secretaria defende a abertura da economia, privatizações e concessões, reforma tributária, uma nova lei de falências e o fortalecimento de marcos legais para atração de investimentos em setores regulados da economia.
“Os PLs com os novos marcos legais do saneamento – já aprovado –, gás e cabotagem são fundamentais para aprimorar os marcos legais, melhorar a segurança jurídica e dar mais previsibilidade aos retornos provenientes do investimento privado”, relata a secretaria.
Os novos marcos legais estão tramitando no Congresso Nacional, assim como a nova lei de falências e a reforma tributária. Há uma expectativa de que esses projetos avancem um pouco em dezembro para entrarem em 2021 mais encaminhados à aprovação final.
A abertura da economia depende de uma série de fatores e vem patinando. Segundo o governo, o processo de abertura é "parte integrante do plano de governo e estava apenas aguardando o momento propício a sua evolução". Ainda segundo o governo, o movimento será gradual e dará toda previsibilidade necessária aos agentes econômicos.
As privatizações também patinam até o momento, com o governo prometendo deslanchar essa agenda a partir de 2021, com a privatização dos Correios. As concessões são, até o momento, a agenda de maior sucesso do governo, com 36 leilões realizados em 2019 e dez em 2020.