O pacote de corte de gastos apresentado nesta semana pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, evidenciou um divórcio definitivo entre o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o mercado financeiro. Analistas já não veem sinais de compromisso do Executivo com o equilíbrio das contas públicas, algo considerado essencial para a estabilidade econômica.
Descrito como “insuficiente” e “tímido” pelos mais otimistas e como “decepcionante” e “inflacionário” pelos mais críticos, o conjunto de medidas, que visa economizar R$ 70 bilhões em dois anos, não convenceu o mercado. A Warren Investimentos, por exemplo, estima que os cortes realmente efetivos ficarão em torno de R$ 45 bilhões.
“O pacote falhou em demonstrar um comprometimento robusto com o ajuste fiscal como pilar para o crescimento econômico e a redução sustentável dos juros”, afirma Felipe Vasconcellos, sócio da Equus Capital.
Mercado vê estratégia eleitoreira e falta de compensações
O governo optou por anunciar os cortes juntamente com a isenção de Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil, o que, segundo especialistas, evidencia uma estratégia com viés “eleitoreiro”. A medida busca amenizar o impacto negativo das ações fiscais e criar espaço para novos gastos discricionários próximos às eleições presidenciais, em 2026. “Foi uma manchete para preservar a imagem do governo”, avalia Vasconcellos, sócio da Equus Capital.
Paula Zogbi, gerente de research e head de conteúdo da Nomad, concorda: “A inclusão da pauta do imposto de renda no mesmo anúncio reforça a percepção de que o governo teme perda de popularidade.”
A sustentabilidade da proposta também foi questionada. “O que mais temíamos aconteceu: aumento criativo de receitas, incremento de impostos e a benesse da isenção de IR para salários de até R$ 5 mil. A conta simplesmente não fecha”, alerta Jefferson Laatus, chefe-estrategista do Grupo Laatus.
Analistas temem que a compensação para a isenção de IR, avaliada pela Fazenda em R$ 35 bilhões, não seja aprovada pelo Congresso. A proposta prevê a tributação de quem recebe acima de R$ 50 mil mensais ou R$ 600 mil anuais. No entanto, economistas estimam que o impacto total da isenção pode chegar a R$ 100 bilhões, tornando a viabilidade da compensação ainda mais incerta.
“O pacote surpreendeu ao incluir a isenção de IR e a taxação de super-ricos, mas faltou detalhamento sobre como essas medidas se equilibram e quais as consequências para a economia como um todo”, pontua Vasconcellos. Ele ainda ressalta: “Muitos dos anúncios dependem de aprovação no Congresso, e o histórico do governo mostra um otimismo exagerado nessa área.”
Pacote de Haddad é oportunidade perdida para o governo Lula
Economistas lamentam a perda de oportunidade do governo em adotar medidas para equilibrar as contas no longo prazo. As iniciativas anunciadas passam longe de promover uma redução da trajetória “explosiva” da dívida, que cresceu 7 p.p. desde o início do governo Lula e hoje está em 78,6% do Produto Interno Bruto, segundo dados do Banco Central.
Fernando Ulrich, sócio da Liberta Investimentos, destaca que o déficit nominal do governo (que inclui os juros da dívida), de acordo com o Tesouro, soma R$ 1,128 trilhão nos últimos 12 meses, até julho de 2024.
“Uma economia de 30 bilhões [prevista para 2025] neste contexto é irrisória, não faz cócegas”, disse em entrevista ao Market Makers. “A gente vai seguir com déficit alto, vai seguir emitindo mais dívida [por meio de títulos públicos ou empréstimos].”
O problema, segundo ele, é que os próprios investidores parecem estar jogando a toalha. No leilão de títulos públicos federais realizado na quinta-feira (28), o governo não conseguiu compradores para o NTN-F Jan31 e NTN-F Jan35, títulos diretamente ligados ao financiamento da dívida pública.
Ao emitir as NTN-Js, o governo consegue rolar as dívidas antigas, pagando mais juros. Apesar das altas taxas pagas, na casa dos 7% real (descontada a inflação), não houve nenhuma ordem fechada no pregão. “O problema agora é mais de confiança [dos investidores] e falta de perspectiva no fiscal”, afirma Ulrich.
Cenário aponta para aumento no endividamento público
Marcos Mendes, economista do Insper, destaca que a trajetória da dívida pública deveria estar em queda, considerando o crescimento do PIB, mas o cenário atual aponta o contrário. “A tendência seria a relação dívida/PIB cair, mas, mesmo assim, ela continua subindo”, afirmou em entrevista à CNN. Para ele, o governo perdeu uma oportunidade importante de demonstrar um compromisso sério com uma política fiscal mais rigorosa.
Com o fim do teto de gastos, regra fiscal implementada no governo Michel Temer, ficou evidente, segundo Mendes, que o atual arcabouço fiscal não seria suficiente para conter o crescimento da dívida. “O governo conseguiu manejar as expectativas e, de alguma forma, convencer as pessoas de que, mantendo o arcabouço por algum tempo, isso seria suficiente”, explicou.
Ele critica a postura da equipe econômica, que prometeu medidas de ajuste fiscal por mais de um mês, mas apresentou um pacote considerado aquém das expectativas. “Fizeram várias declarações públicas sobre ajustes e, no final, o resultado foi decepcionante.”
Segundo Mendes, a principal barreira está na falta de “convicção interna” do governo em implementar um ajuste fiscal real. Ele acrescenta que, mesmo com determinação, seria desafiador aprovar medidas restritivas no Congresso, que, “por características institucionais, demonstra pouca preocupação com a estabilidade macroeconômica.”
O economista também aponta um esgotamento do modelo fiscal vigente, baseado em aumento de gastos financiados por maior carga tributária e emissão de dívida, praticado desde a Constituição de 1988. “Hoje não há mais espaço para aumentar impostos, a dívida já atingiu o limite, e o modelo político segue operando na lógica de ampliar benefícios e despesas. Esse ciclo não muda da noite para o dia. Estamos em um corner, e o governo precisaria ter assumido essa responsabilidade”, conclui.
Pacote de Haddad pressiona dólar e pode aumentar inflação
O impacto das incertezas econômicas refletiu-se diretamente na cotação do dólar, que iniciou uma escalada na quarta-feira (27), atingindo máximas históricas. Nesta sexta-feira (29), a moeda americana abriu novamente em alta, alcançando R$ 6,11 às 10h26, superando o recorde anterior de R$ 5,98 registrado no dia anterior.
“A demora no anúncio de medidas concretas de contenção de despesas já vinha gerando volatilidade, o que aumentou a busca por posições defensivas, contra o real e a favor do dólar”, avalia Paula Zogbi, da Nomad.
Economistas alertam que a contínua desvalorização do real pode acelerar os reajustes de preços internos. Caso esse cenário persista, o risco é o surgimento de uma inflação inercial — processo em que a inflação se perpetua automaticamente, tornando-se mais difícil de combater.
Para conter o avanço dos preços, o Banco Central precisará elevar ainda mais a taxa básica de juros, a Selic, atualmente fixada em 11,25%. Desde setembro, a autoridade monetária já vinha subindo os juros, e analistas não descartam um aumento adicional de 0,75 ponto percentual na próxima reunião do Copom. O JP Morgan, por exemplo, revisou sua projeção para a Selic em 2025, estimando agora uma taxa de 14,25%.
“Elevar juros acarreta sérios danos ao crescimento econômico”, adverte o economista Marcos Mendes. Ele destaca que, sem um ajuste fiscal significativo, o país corre o risco de enfrentar uma inflação persistente de dois dígitos. “Estamos caminhando para sepultar o Plano Real. Esse é o grau de risco que estamos enfrentando. Não é pouca coisa”, alerta.
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