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A tentativa de mudanças, pelo governo, no atual modelo de desoneração da folha de pagamento busca aliviar o “rombo” nas contas públicas, que chegou a 1,08 % do PIB nos 12 meses encerrados em outubro, segundo dados do Banco Central. A atual sistemática, que prevê redução de encargos de alguns setores da economia, custa R$ 12 bilhões ao ano para os cofres estatais e o proposto, R$ 6 bilhões.
A mudança faz parte de um conjunto de medidas anunciadas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na manhã desta quinta-feira (28) e representa um esforço para tentar cumprir a promessa de déficit zero para o ano que vem – uma tese que agentes econômicos acreditam que dificilmente será cumprida. Eles apontam que um déficit de até 1% do PIB é aceitável.
Um entrave ao cumprimento da meta está no PT, partido de Haddad. Tanto o presidente Luiz Inácio Lula da Silva quanto a líder da legenda, Gleisi Hoffmann, defendem mais gastos públicos, mirando as eleições de 2024.
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O que Haddad defende
Além da reoneração gradual (volta dos tributos) da folha de pagamento para 17 segmentos, outros dois pontos foram contemplados por Haddad:
- Revogação do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), criado na pandemia e prorrogado pelo Congresso, em maio, até 2026. Parte dos abatimentos dos tributos nesse programa será revogada gradualmente.
- Imposição de um limite de compensação tributária para empresas que venceram decisões judiciais por pagamentos indevidos em anos anteriores.
As medidas serão encaminhadas por meio de medida provisória ao Congresso ainda neste ano. Os detalhes finais estão sendo definidos pela Casa Civil.
Haddad disse que vai renegociar uma “reoneração gradual, analisada setor a setor” com deputados e senadores. No dia 14, o Congresso derrubou o veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao projeto de lei que prorrogou a desoneração da folha de pagamento até dezembro de 2027 para 17 segmentos da indústria e serviços. O de comunicação, no qual a Gazeta do Povo está inserido, é um dos beneficiados.
A ideia de Haddad não é necessariamente o retorno à alíquota de 20% cobrada sobre a folha de pagamento. “Há um ingrediente novo que queremos testar, que é a ideia de isentar de pagamento o primeiro salário-mínimo que o trabalhador receber”, disse o ministro. É um esquema parecido com a cobrança do imposto de renda que ocorre por faixas.
As empresas também seriam classificadas em duas categorias, com a primeira tendo redução de 20% para 10% do faturamento e a segunda para 15%. As categorias a serem incluídas ainda serão definidas pelo governo.
Esses recursos viriam com a revogação do Perse, que concedeu isenção de PIS/Cofins, IRPJ e CSLL por cinco anos. Segundo a XP Investimentos, o impacto da volta da tributação, que será parcial (PIS/Cofins e CSLL em 2024 e IRPJ em 2025) está estimado em R$ 6 bilhões, suficientes para compensar o novo programa de desoneração da folha.
Outra medida que o governo pretende implantar é a revogação da redução da alíquota de 20% para 8% para os pequenos municípios. “Essa é uma mudança importante já que, em nossas estimativas, haveria uma perda de R$ 11 bilhões decorrente dessa medida”, destaca a corretora.
Paralelamente, o governo anunciou que implementará um programa para analisar e discutir os problemas da previdência dos municípios.
Além dessas medidas, o governo anunciou ainda que limitará o volume do crédito tributário passível de ser utilizado para pagamento de tributos a 30% ao ano, mas apenas para as empresas que possuam estoques superiores a R$ 10 milhões. A mudança pode trazer um ganho de R$ 20 bilhões, segundo as estimativas oficiais.
A avaliação do mercado
A XP avalia que a proposta apresentada pelo governo é positiva do ponto de vista fiscal. Segundo a corretora, a mudança na sistemática da desoneração da folha, além de diminuir o impacto para apenas R$ 6 bilhões, reduz distorções e aumenta a equidade do sistema tributário.
“O Perse, por sua vez, já cumpriu sua função, dado que o setor de eventos já opera em níveis próximos ou acima do pré-pandemia, e não faz sentido mantê-lo. Por fim, a limitação de uso de créditos tributários deve ter um efeito direto na receita líquida, melhorando o resultado primário no já no curto prazo, mas há elevada probabilidade de judicialização”, destaca a instituição.
Segundo Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos, as medidas anunciadas devem ajudar a equilibrar a desoneração da folha, inclusive com a mudança pretendida para esse programa.
“Do ponto de vista de efeito na arrecadação, a limitação das compensações tributárias a 30% é bastante positiva, a meu ver, pois esse instrumento vem sendo utilizado de maneira crescente, em prejuízo do Erário”, destaca o economista.
Por outro lado, o Movimento Desonera Brasil, formado por 17 setores da economia, criticou a medida anunciada pelo ministro da Fazenda. Esses setores empregam mais de 9 milhões de pessoas e serão diretamente afetados pela decisão do governo. Em nota, o movimento apontou que mudar a atual forma de desoneração “não é razoável” e trará “insegurança jurídica”.