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Visto como paliativo, pacote fiscal de Lula pode esbarrar no Congresso e ter efeito diluído

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Haddad e Lula: analistas veem o pacote fiscal como "band-aid" e seguem à espera das regras que vão substituir o teto de gastos. (Foto: André Borges/EFE)

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O pacote de ajuste fiscal proposto pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, é visto com cautela pelo mercado financeiro e setores produtivos. Agentes e entidades criticam o caminho tomado pelo governo Lula para tentar reduzir em mais de R$ 200 bilhões o déficit primário projetado para este ano, com foco mais no aumento da arrecadação que em cortes de gastos.

Além disso, de forma geral veem o plano como um "paliativo" e consideram pouco provável que seja implantado na íntegra, pois algumas das medidas devem enfrentar resistência no Congresso.

No anúncio do pacote, na semana passada, Haddad estimou um superávit primário de R$ 11,13 bilhões no cenário mais otimista, ou então um déficit de R$ 104 bilhões caso nem todas as medidas se materializem. O déficit previsto no Orçamento de 2023, aprovado antes da apresentação das medidas, é de R$ 231,6 bilhões.

Especialistas, porém, fazem projeções mais cautelosas. A Instituição Fiscal Independente (IFI), por exemplo, divulgou nesta semana relatório em que estima efeito líquido mais provável de R$ 56,3 bilhões sobre o resultado primário deste ano, e de R$ 60,5 bilhões no próximo. É bem menos que os efeitos líquidos estimado pela Fazenda, de R$ 142,7 bilhões e R$ 131,9 bilhões, respectivamente, conforme o relatório da IFI.

O pacote fiscal envolve, entre outras medidas, a reoneração de alíquotas do PIS/Cofins; a retirada do ICMS da base de cálculo dos créditos tributários do PIS/Cofins, em prejuízo do contribuinte; o retorno do "voto de qualidade" no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf); e o refinanciamento de dívidas com a União.

Embora a projeção mais otimista de Haddad ao apresentar o pacote no dia 12 tenha sido de um pequeno superávit neste ano, no Fórum Econômico Mundial, em Davos (Suíça), ele disse na última terça-feira (17) que sua meta é zerar o déficit em dois anos e retomar a relação entre despesas e receitas ao nível pré-pandemia, de 18,7% do PIB no plano federal.

O mercado financeiro vê o anúncio sob duas óticas bem distintas: uma de otimismo, pelo fato de o governo tentar se mostrar responsável na política fiscal; e outra de mais ceticismo, pelo fato de o pacote focar mais na arrecadação que no corte de despesas e sem sinalizar de forma clara como vai colocar a dívida pública numa trajetória estável, em meio à expectativa de forte crescimento nos gastos.

Relatório da Nova Futura Investimentos observa que, de todo o montante envolvido no plano de recuperação fiscal (R$ 242,7 bilhões, ou 2,26% do PIB, na hipótese otimista), somente R$ 50 bilhões (0,47% do PIB) são de redução de despesas – segundo a Fazenda, seriam R$ 25 bilhões como efeito permanente de revisão de contratos e programas, e R$ 25 bilhões vindos de execução de gastos menor que a projetada no Orçamento de 2023.

“Se as promessas de Haddad são passíveis de serem atingidas, isso é coisa que se verá depois”, diz a análise da Nova Futura.

“É um primeiro passo que o governo deu no sentido de tentar fazer um ajuste fiscal, e isso é positivo. No entanto, cerca de 80% das medidas dizem respeito a uma busca pela arrecadação. E olhando as perspectivas para este ano, de desaceleração global, pode haver alguma dificuldade, em especial olhando para o preço das commodities, que não deve ter o mesmo desempenho do ano passado que favoreceu a arrecadação. Vai ser difícil chegar ao resultado esperado”, explica o economista Fabrício Silvestre, da plataforma de investidores TC.

Para Antonio van Moorsel, estrategista-chefe da Acqua Vero Investimentos, o plano “frustrou ao concentrar as medidas em aumentos de receita e ao sinalizar propostas de cortes de gastos, insuficientes para estabilizar o nível da dívida pública”.

"Voto de qualidade" contra contribuintes é um dos principais alvos de críticas

Dois pontos são os principais alvos de críticas: a reoneração de impostos, que pode resultar em alta de preços ao consumidor, e a volta do voto de qualidade no Carf. Esse mecanismo, extinto em 2020, favorecia o Fisco em caso de empate nos contenciosos com os contribuintes.

Com a volta deste instrumento, a chance de a Receita vencer as disputas será muito maior. A Fazenda estima que a arrecadação pode crescer R$ 59 bilhões ao ano, tendo como base o que teria sido perdido desde que o mecanismo deixou de vigorar.

André Félix Ricotta de Oliveira, professor doutor em Direito Tributário e presidente da Comissão de Direito Tributário da OAB/SP Seção Pinheiros, vê a medida como um retrocesso do que estava pacificado entre o governo e a sociedade.

“Trata os conselheiros e os representantes do contribuinte como se fossem defensores de sonegadores, o que não é verdade. É dizer que todos os autos de infração lavrados por autoridades devem ser mantidos como se fossem direitos da União, o que também não é verdade. O controle da legalidade deve ser feito da forma mais clara e transparente, com todos os votos apresentados com fundamento jurídico. Todas as vitórias do contribuinte com voto de empate tiveram fundamento jurídico, acompanharam as melhores doutrinas”, diz Oliveira.

Ele afirma que a derrubada do voto de qualidade teve amplo debate no Legislativo, com a participação da sociedade e de juristas, e que o governo está se precipitando ao tomar essa iniciativa “sem a mínima discussão”.

Artur Muxfeldt, professor e advogado especialista em Direito Tributário do BVZ Advogados, avalia que o resultado prático dessa medida pode frustrar as expectativas da equipe econômica do governo, uma vez que contribuintes que perderem as disputas no Carf tendem a recorrer à já sobrecarregada Justiça.

“Esses R$ 59 bilhões que o ministro mencionou podem acabar repassados à Justiça. Não vai acabar ali [no Carf]. E isso pode durar anos, movimenta toda a máquina pública, Poder Judiciário e procuradores para defender aquele processo, gerando ainda mais gastos públicos”, diz.

A análise de Muxfeldt é compartilhada por Alfredo Cotait Neto, presidente da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), que vê a medida como um “risco para os contribuintes” e que levará “a mais questionamentos na Justiça, na direção inversa da redução de contenciosos”.

Para ele, os resultados do pacote são incertos porque dependem muito de variáveis como o crescimento da economia, inflação e, principalmente, das condições financeiras dos contribuintes. "Certeza mesmo, somente o aumento de impostos, embora parte depende ainda da decisão do presidente sobre quando será onerado o preço dos combustíveis", diz.

A crítica também é feita pelo Instituto Esfera Brasil, que reúne juristas e empresários de grandes indústrias e varejistas brasileiras. Os dirigentes consideraram "um retrocesso" a volta do voto de qualidade no Carf.

Alcance do pacote fiscal vai depender do Congresso

A medida provisória que estabelece a volta do voto de qualidade (MP 1160/23) já está em vigor, mas dependerá de aprovação do Congresso – que retoma os trabalhos em 2 de fevereiro – para se tornar permanente. A partir dali, o governo tem até seis meses para formar maioria e transformar a MP em lei.

Fabrício Silvestre, do TC, acredita que o governo pode ter dificuldades com o novo Legislativo que vai assumir a partir de fevereiro, com grande parte dos deputados e senadores mais orientada a políticas de centro-direita, mais liberais e com menor atuação do Estado como indutor da economia.

“Estes políticos tendem a ter um comportamento um pouco mais ‘fluido’, em que vão apoiar o governo em alguns momentos e ser oposição em outros. É difícil fazer uma avaliação da capacidade de avançar hoje. Vamos precisar entender ao longo deste ano a probabilidade desse pacote avançar”, comenta.

Oliveira, da OAB/SP, vê uma “cobrança da sociedade para que os deputados e senadores mantenham seus votos que derrubaram o voto de qualidade”. Por outro lado, ele acredita que os auditores fiscais da Receita Federal devem fazer um “lobby” para que o projeto siga adiante.

Isac Falcão, presidente do Sindifisco Nacional (sindicato que reúne os auditores fiscais da Receita Federal), contesta as críticas e diz que o fim do voto de qualidade, no governo de Jair Bolsonaro (PL), provocou um rombo nos cofres públicos. Atualmente, o Carf aguarda julgamento de R$ 1,05 trilhão em contenciosos.

“É notório que, quanto maior o montante envolvido, maiores eram as chances de empate e, portanto, do não pagamento dos tributos. A medida que restaura o voto de qualidade é correta, mas é necessário que se avance no aperfeiçoamento de nosso sistema de contencioso administrativo, de forma a alinhá-lo com as boas práticas internacionais”, afirma Falcão.

O Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Estadual de São Paulo (Sinafresp) diz considerar o modelo atual injusto por dar às grandes empresas uma vitória que “nem sempre reflete o interesse da sociedade, e sim de setores específicos". "E o Estado não pode recorrer à Justiça quando vencido no âmbito administrativo, ao contrário das empresas, que podem ir ao Judiciário caso tenham suas teses derrotadas”, disse a entidade em nota enviada à Gazeta do Povo.

Para o Sinafresp, a medida do governo Lula “reverte um grande retrocesso institucional, tendo reflexo ainda na discussão do Projeto de Lei 17/2022, que está em discussão no Congresso, que pretende eliminar o voto de qualidade também nos tribunais administrativos dos estados e municípios, dando sempre ganho de causa a empresas em caso de empate nas disputas”.

O presidente Lula (PT) apoiou a volta do voto de qualidade em entrevista à GloboNews na última quarta (18). “O Carf, que julga a dívida das pessoas com a União, tiraram o voto que decide [...] Se der empate, é tudo para o empresário [...] Nós temos que ter um voto de minerva, um voto qualificado para decidir aonde vai esse dinheiro [cerca de R$ 1 trilhão que aguarda julgamento no Carf]. O Estado não pode abrir mão disso”, disse Lula.

Se os impostos vão subir, consumidor vai pagar a conta

Outras medidas que devem enfrentar resistência no Congresso é a reoneração do PIS/Cofins sobre alguns produtos, como a gasolina e o etanol, e sobre receitas financeiras de grandes empresas, além da mudança no aproveitamento do ICMS no cálculo dos créditos para o pagamento de PIS/Cofins.

“Excluir o ICMS do PIS/Cofins onera ainda mais as empresas e o setor produtivo como um todo. Era uma questão que estava pacificada já, com um parecer da Procuradoria-Geral da Fazenda reconhecendo o direito de o contribuinte manter o ICMS no crédito do PIS/Cofins. Agora, o governo vem com uma medida autoritária sem discussão que também vai ter que passar pelo Congresso”, diz Oliveira, da OAB/SP.

Para Luís Carlos dos Santos, advogado contabilista e diretor de Tax de Mazars Consultoria, essa reoneração vai pesar sobre o consumidor. “Isso fica claro quando o governo diminui a base de cálculo do crédito de PIS/Cofins [com a exclusão do ICMS], ou seja, aumenta o valor do tributo a ser recolhido. Consequentemente esse incremento será revertido para ao preço final dos produtos”, diz.

“Se você está retributando os bens, obviamente esses preços começam a subir e acabam reduzindo a demanda. Não está claro se aumentar esses tributos vai, de fato, se refletir em um aumento na arrecadação”, diz Fabrício Silvestre, do TC. Para ele, a reforma tributária que o governo tentará aprovar ainda neste primeiro semestre deve apenas organizar e redistribuir os impostos, sem efetivamente diminuir a carga tributária.

A XP Investimentos acredita que a reoneração vai resultar em um ganho de R$ 57,4 bilhões na arrecadação federal, embora a volta das alíquotas de PIS/Cofins sobre a gasolina e o etanol a partir de março ainda seja incerta “dada sua sensibilidade política”. O combustível fóssil, em especial, é alvo de intensas discussões entre estados e União desde meados do ano passado, quando o governo conseguiu aprovar no Congresso uma lei para estabelecer um teto de cobrança de ICMS.

Outra medida que vai depender do Congresso Nacional é o programa Litígio Zero, em que o governo pode abrir mão de tributos, juros e multa de pessoas físicas, micro e pequenas empresas com dívidas de até 60 salários mínimos. Segundo a legislação atual, a Receita deve recorrer até a última instância para arrecadar o tributo devido, o que precisará ser alterado para permitir à União fazer acordos com contribuintes quando a disputa não for vantajosa.

Para Oliveira, esse ponto tende a ser aprovado com mais facilidade pelo Congresso, pois programas semelhantes de refinanciamento já foram aprovados no passado – e os próprios parlamentares costumam propor leis nesse sentido. Porém, a IFI vê como incerta a viabilidade desta medida por conta do “risco moral associado”, “situação em que os agentes acabam deixando de recolher os tributos, em certo momento, esperando que o governo edite um novo programa de parcelamento”.

Pacote é "band-aid" e mercado aguarda regras que vão substituir o teto de gastos

O mercado financeiro avalia que as medidas de ajuste não eliminam a questão mais importante para as contas públicas: o novo arcabouço fiscal que vai substituir a regra do teto de gastos. Mais do que em qualquer pacote, o foco dos investidores está mesmo na nova legislação que será proposta, capaz de indicar a trajetória futura das finanças do governo.

A própria ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, faz essa avaliação. Para ela, o plano de ajustes é "insuficiente" e tem de fazer parte de um "combo". "Ele é insuficiente e o ministro da Economia [Fazenda] sabe disso. Ele tem de vir com a reforma tributária e nova regra fiscal. É isso que eu espero para esse ano. É nisso que vamos trabalhar e é nisso que temos convergência", disse Tebet ao jornal O Estado de S. Paulo.

Sempre criticado por Lula e pelo PT, o mecanismo foi "furado" ao menos seis vezes nos últimos quatro anos (sendo cinco vezes sob gestão direta de Bolsonaro). O último drible veio com a PEC fura-teto de R$ 170 bilhões, aprovada no fim de 2022 em articulação do Congresso com o governo recém-eleito.

A emenda constitucional estabeleceu prazo até 31 de agosto de 2023 para a apresentação de um novo regime fiscal. Em Davos, Haddad afirmou que pretende encaminhar a proposta ao Congresso bem antes, em abril.

“A despeito da sinalização de redução do déficit primário ser positiva, a ausência de delineados acerca do novo regime fiscal, em substituição ao teto de gastos, mantém os agentes financeiros no escuro. O pacote é, de certa forma, um ‘band-aid fiscal’ que pode se tornar ineficaz a depender do arcabouço a ser instaurado”, analisa Antonio van Moorsel, da Acqua Vero Investimentos.

Artur Muxfeldt vai além e vê as medidas apresentadas como um “paliativo” para se tentar diminuir o rombo nas contas públicas, mas que careceu de uma discussão mais ampla com a sociedade e com o Legislativo. Para ele, muito do resultado prático vai depender do que vier mais para frente de reformas estruturais, como a tributária.

É a mesma visão do economista tributarista e ex-deputado federal Luiz Carlos Hauly, fundador do Movimento Destrava Brasil, que considera o pacote “bem intencionado”. No entanto, ele alerta para a “necessidade imperiosa e urgentíssima de fazermos a reforma tributária ampla, como está prevista na PEC 110, no tripé simplificação do sistema tributário, cobrança eletrônica 5.0 e redistribuição da carga tributária para as famílias de baixa renda”.

Para os economistas do TC, a expectativa é de que o déficit primário feche o ano de 2023 entre R$ 100 bilhões e R$ 130 bilhões, com poucas chances de o ajuste fiscal dar todo o retorno esperado pela equipe econômica.

“No nosso cenário base, a trajetória de despesas vai se deteriorar neste ano, o que não surpreende. Ao olharmos as medidas anunciadas pelo ministro Haddad, entendemos que será um pouco pior. A questão central é discutirmos a regra fiscal para o próximo ano e a dificuldade de se cumprir a expectativa do governo de zerar o déficit em dois anos”, completa o economista Fabrício Silvestre.

O relatório da Instituição Fiscal Independente (IFI) segue a mesma linha e prevê um déficit de R$ 120,5 bilhões neste ano e de R$ 83,6 bilhões em 2024, por conta da desaceleração da economia doméstica e externa e do aumento das despesas públicas.

“O contexto é de muitas pressões por aumento de despesas, ao mesmo tempo em que a arrecadação tende a cair no próximo ano em razão da desaceleração da atividade econômica, da acomodação da inflação em níveis mais baixos e da possibilidade de redução nos preços de commodities. Assim, a forma como a questão da sustentabilidade das contas públicas do país será endereçada no curto prazo representará um importante elemento de dispersão das incertezas e de reconquista da credibilidade da política fiscal”, diz o relatório.

A XP Investimentos considera ser difícil estabilizar a dívida pública em dois anos, como pretende Haddad. Para a corretora, isso não deve acontecer pelo menos até o fim desta década. No entanto, a expectativa dos economistas é de que o rombo nas contas públicas seja menor do que o previsto por parte do mercado, com uma previsão de R$ 84 bilhões para 2023 e de R$ 55,7 bilhões para 2024.

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