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A decisão recente do Ministério da Economia que autoriza servidores que acumulam duas fontes de renda a receber remuneração total acima do teto constitucional pode acabar gerando um maior fluxo de aposentadorias e aumento de gasto com pessoal no serviço público. O alerta é de Josué Alfredo Pellegrini, diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI), ligada ao Senado Federal.
"Muitos servidores já poderiam ter se aposentado, mas optaram por permanecer na atividade, com o abono permanência. Para quem 'está no teto', o desconto da contribuição previdenciária pode ser muito elevado, e isso incentiva muitos servidores a permanecerem na atividade", avalia Pellegrini.
Ao continuar na ativa mesmo podendo se aposentar, o servidor recebe o abono permanência, que tem valor igual à contribuição que ele faz ao regime de Previdência. Assim, o abono compensa a contribuição, que é elevada para quem tem remuneração mais alta.
Enquanto isso, servidores públicos aposentados que ganhem acima do teto do INSS (hoje em R$ 6.433,57) pagam contribuição previdenciária. E, naturalmente, não recebem o abono permanência. Isso explica porque é vantajoso, em termos de renda, continuar trabalhando mesmo tendo direito a se aposentar.
Mas agora, com a possibilidade de acumular duas rendas sem sofrer o "abate-teto", pedir a aposentadoria pode ser mais vantajoso para os servidores que ocupam cargo de comissão. "Essa é uma possibilidade bastante concreta para as pessoas que já podem se aposentar ou que estão próximas disso e têm um cargo de comissão", diz Pellegrini.
A medida da Economia foi publicada em portaria, autorizando que o chamado "abate-teto" seja aplicado isoladamente sobre cada remuneração de um servidor público que acumule duas fontes de renda, e não mais sobre a soma dos dois salários. Na prática, isso faz com que alguns servidores passem a receber acima do limite.
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O gasto estimado pelo governo com a mudança é de pelo menos R$ 66 milhões ao ano, mas pode variar em razão da quantidade de servidores enquadrados em tais situações de acumulação a cada período. "Não creio que, individualmente, a portaria tenha impacto muito significativo, mas é preciso considerar o efeito em cadeia para outros níveis de governo", diz o diretor da IFI.
Ele se refere ao fato de que, ainda que a portaria seja restrita ao Poder Executivo Federal, é possível que um movimento semelhante ocorra nos outros níveis de governo – estados e municípios. "São sinalizações negativas, que desmoralizam esse tipo de proposta, preocupação. Essa é a consequência mais negativa da portaria, mais do que impacto direto que ela possa ter em termos de aumento de despesa de pessoal", afirma.