Não é só educação que conta no mundo dos ricos brasileiros. Mesmo que não tivessem curso superior, 40% dos 629 mil trabalhadores no topo da pirâmide de renda, ou o 1% mais rico, ainda continuariam ricos. Pelo estudo inédito do especialista em pobreza e desigualdade, Marcelo Medeiros, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a educação não é a única explicação para a riqueza dessa população que concentra um quarto da renda do país. Essa elite ganha a partir de R$ 15.200, mas, em média, o rendimento é de R$ 28.500. Nesse grupo, há médicos, engenheiros e advogados, as três carreiras que dão mais chances ao trabalhador de ascender ao padrão de vida dos mais ricos.
O estudo, que foi feito em parceria com Juliana Castro Galvão, comprova o que a experiência já mostra no dia a dia. Especialistas citam redes de relacionamento, empreendedorismo, patrimônio dos pais como outros atributos que explicam os ganhos dos mais ricos.
- É claro que educação é importante. Não se pode negar isso. Porém, mesmo depois de totalmente removido o efeito dos diplomas universitários, 40% dos ricos observados permaneceriam acima da linha de riqueza. Ou seja, mesmo com pouca educação, quase metade dos ricos atuais continuaria rica - afirma Medeiros.
A economista do Instituto de Estudos de Trabalho e Sociedade (Iets), Sonia Rocha diz que há uma questão cultural: a desigualdade estrutural que marca a sociedade brasileira.
- Existe a importância das redes de relacionamento, do patrimônio. A riqueza gerada por quem tem patrimônio é maior.
O estudo mostra que o desafio de reduzir a concentração de renda, no país que é o décimo primeiro mais desigual do mundo, é bem maior do que se imagina.
- Mesmo que você conseguisse massificar cursos de engenharia e medicina, que todo mundo tivesse oportunidades iguais num país com tanta desigualdade, é mais complicado do que pode parecer à primeira vista - diz Medeiros.
Segundo o estudo, que considerou trabalhadores entre 25 e 64 anos, quatro grupos de cursos de graduação concentram a população de ricos: administração, negócios e economia; engenharia, ciências da computação, produção, construção e arquitetura; direito e medicina. Somados aos que cursaram mestrado e doutorado, são 86% dos ricos. Na população em geral, os que carregam esses diplomas representam apenas 8%.
O curso superior voltado para a educação não tem a valorização do mercado que permite ao formado alcançar níveis de renda do 1% mais rico. Segundo o estudo, a chance de os profissionais dessa área chegarem ao topo é semelhante à dos que conseguiram terminar o ensino médio. Ser médico, porém, é mais vantajoso do que ter doutorado quando o objetivo é chegar a este grupo de elite.
É inegável, no entanto, o papel da educação para melhorar de vida. Nos cálculos da economista Sonia Rocha, cada ano a mais de estudo acrescenta 14% na renda do trabalhador. Esse retorno da educação vem diminuindo conforme avança a escolarização da população. Em 1992, apenas 59,7% dos jovens de 15 a 17 anos estavam na escola. Essa parcela subiu para 84,3% em 2013, de acordo com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE:
- Os retornos de educação ainda são elevadíssimos no Brasil, quando comparamos com outros países da América Latina. Aumentou bastante a escolarização nos últimos 20 anos. Tínhamos níveis calamitosos. Houve aumento em todas as faixas de renda, o que não mudou muito a distribuição de renda. Isso começa a mudar a partir de 2002, quando há cada vez mais pessoas com nível superior e secundário. Isso fez o retorno da educação cair.
A economista afirma que sempre se relacionou a concentrada distribuição de renda ao retrato da divisão na educação:
- Segundo o estudo, não é bem assim. Para estar no alto, há a questão da qualidade do ensino, do acesso. No topo, educação não é tão determinante.
Segundo o economista Naercio Menezes Filho, do Centro de Políticas Públicas do Insper e da USP, a educação explica a ascensão econômica da maioria das pessoas, tanto que no 1% mais rico, 62,4% têm curso superior enquanto somente 14,3% possuem a graduação na média dos trabalhadores:
- Mas isso não explica o muito rico. Tem a ver com encontrar um nicho de mercado, inventar um novo produto, talento, empreendedorismo. Educação não te dá isso.
Também usando os dados do Censo Demográfico de 2010, Menezes Filho verificou que a formação de profissionais de educação permite um aumento médio de 80% na renda, enquanto na medicina esse retorno chegou a 400%.
Houve um período, no meio da faculdade de Medicina, que Mariana Nery trancou o curso. O pai adoeceu e depois morreu, o que dificultou o pagamento da faculdade e abalou a estudante. Mas ela conseguiu voltar. Hoje está com 24 anos e próxima de se formar. Não foi o retorno financeiro que a fez escolher o curso, mas, com a morte do pai e a filha Júlia, de 4 anos, para cuidar, o prêmio dado pela carreira disputada a fez voltar para a universidade:
- Escolhi a carreira porque gosto. Quero ser psiquiatra e trabalhar com saúde da família, com saúde mental. Mas ao longo do curso, a questão financeira também me motivou. Tenho uma filha para criar.
Nessas carreiras de elite, até o diferencial racial cai, diante da pouca oferta de mão de obra. Segundo o professor da UFRJ, o economista João Saboia, quando negros conseguem romper a barreira e se formar como médicos, advogados ou engenheiros, a distância salarial entre negros e brancos cai:
- Entre um engenheiro negro e branco, os diferenciais de renda são muito pequenos.
Ele afirma que há fatores que não são medidos para explicar a riqueza:
- Se é filho de rico, há boas chances de ser rico em qualquer coisa que faça na vida. Há as relações de amizade, conhecimento.
Segundo Paulo Amaral, gerente da área de Pesquisa de Mercado da Estácio Participações, onde Mariana estuda, com mais de 500 mil alunos, os alunos da universidade, depois de um ano de formados, conseguiram aumentar a renda em cerca de 30%:
- Entre nossos estudantes, 40% já entram trabalhando na área na qual pretendem se formar. Depois de concluído o curso, em torno de 70% estão trabalhando na área em que se formaram em cargos de analistas, coordenadores. Ouvimos mais de 3 mil ex-estudantes da universidade. Nosso objetivo é acompanhar esses estudantes até cinco anos depois de formados.
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