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PIB

Para ex-diretor do BC, crise entrou em 'fase crônica'

Ex-diretor do Banco Central e sócio-diretor da MCM Consultores, José Júlio Senna acredita que o resultado do PIB do terceiro trimestre (crescimento só de 0,6%, frente os três meses anteriores), divulgado na última sexta-feira, confirma que a economia brasileira está numa fase crônica de crise e que enfrenta não apenas a demanda fraca, mas restrições de oferta. "Há muita areia nas engrenagens produtivas do país", diz. Estímulos como redução de impostos em determinados setores são parte, segundo Senna, de "uma administração por sustos" e não estão mais trazendo os efeitos desejados.

Precisamos é de choque de desburocratização, choque de desoneração fiscal para todos, sem discriminação, o que pressupõe corte de gastos do governo, e choque de estabilidade e uniformidade das regras do jogo - diz.

A seguir, os principais trechos da entrevista do economista ao GLOBO:

"O resultado de hoje (sexta-feira) contribui para deixar mais bem caracterizado o significativo processo de desaceleração pelo qual passa a economia brasileira desde que saiu da fase aguda da crise. É possível suspeitar que por trás desse processo estejam insuficiências de oferta e de demanda. No Brasil, não é exagero dizer que existe muita areia nas engrenagens produtivas porque, na verdade, existem desincentivos para produzir, como a burocracia asfixiante, a carga tributária super excessiva, a complexidade da legislação trabalhista e o baixo estoque de capital humano. O governo, lamentavelmente, de modo geral, tem um diagnóstico incorreto da situação porque parte do pressuposto de que o problema todo se trata da demanda. O que a gente está vendo é que a sociedade está demorando a reagir. Coloca o juro para baixo, oferece crédito, dá estímulo de redução de IPI, o governo aumenta seus gastos. Tem sido dado um belíssimo estímulo pelo lado da demanda e a gente está vendo que não está funcionando".Estímulos à economia

"Esse é um truque que funciona apenas momentaneamente. Quando você muda o sistema de incentivos, abaixa o imposto, dá um crédito, tem uma resposta. Mas, de modo geral, esses estímulos, largamente usados em 2009, apenas deslocam a demanda no tempo. Há uma antecipação, mas depois ela encolhe. É um truque que funciona, anima empresários e a economia sai do quadro recessivo. Só que agora estamos numa fase crônica da crise, que existe lá fora e aqui dentro. Para a fase crônica, esses estímulos de demanda não estão funcionando mais. Antigamente, esse tipo de política era chamada de administração por sustos. Tira Imposto sobre Produtos Industriais (IPI), bota IPI, faz mudanças em energia, no Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), ameaças. Isso cria uma instabilidade da regra do jogo que é altamente prejudicial ao investimento. Você toma um baita susto antes, aí o governo alivia. Depois, volta atrás".

"Já está demonstrado que mexer em alíquota de tributos e baixar juros não vai dar conta, não vai resolver o problema. A estratégia deve ser alterada e o foco deve ser na oferta. Por que a insistência em algo que não está funcionando? Precisamos é de um choque de desburocratização, um choque de desoneração fiscal para todos, sem discriminação, o que pressupõe corte de gastos do governo, e de um choque de estabilidade e uniformidade das regras do jogo. As intervenções governamentais devem ser uniformes e gerais para todos e que não haja idas e vindas. Isso estimularia os empresários a investir".

Intervenção do governo

"O ambiente internacional certamente desestimula. Mas há também obstáculos domésticos. Temos presenciado excesso de intervenção governamental. Há uma política de escolha de campeões. E muita manipulação de alíquotas tributárias, ora contendo, ora estimulando setores específicos. A curto prazo, até parece dar certo, mas não há sustentação. Alguns segmentos gostam. E agradecem. Mas, para o investimento de modo geral, o resultado final é frustrante. Dificulta-se o cálculo econômico. Nas bolsas de valores, vários papéis sofreram com decisões e pressões do governo. O mercado de capitais é fonte de recursos".

Investimento público

"O investimento do governo não andam. Em infraestrutura, corresponde a 2% do PIB, é ridículo, tinha que ser no mínimo 5%, 6%. Dado que o governo não consegue investir esse montante, por que não abrir espaço para investimentos privados? O discurso é de que o governo está atento a isso e quer estimular o setor privado, mas ao mesmo tempo quer tarifas módicas, a modicidade tarifária. É preciso escolher. Tem que oferecer ao empresário doméstico e internacional a oportunidade de ter retorno compatível com o risco dos empreendimentos. Agora, se quer ter os investidores, mas dá prioridade à modicidade tarifária, o retorno é baixo e talvez para o empresário não compense o risco dos empreendimentos".

Taxa de juros

"Se o governo reduzir o juro mais uma vez para estimular o investimento, vai continuar inócuo, não é estímulo de juro que está faltando para investir. Está faltando é confiança no futuro da economia brasileira. Diante do desempenho do PIB no terceiro trimestre, no entanto, provavelmente será retomada daqui a um tempo a discussão se o juro tem que ir mais para baixo ainda. Não que isso estivesse totalmente correto, já que a inflação está alta. Não parece a coisa adequada, mas as pessoas olham para a maneira de pensar do governo e do Banco Central e imaginam que talvez o juro fique mais baixo ainda".

"Tentando estimular a economia, abre-se mão de perseguir o centro da meta de inflação. Isto não é bom. Num regime de metas, o número em si exerce um papel importante. Serve de âncora para as expectativas. Mas, para isso, é preciso que o centro da banda seja entendido como a inflação média projetada. Isto significa colher números acima e abaixo do centro da meta. Em quatro dos últimos cinco anos, deixando de fora o excepcional ano de 2009, a média da inflação brasileira será de quase 6% ao ano. Bem distante dos previstos 4,5% (que é o centro da meta)".

Economia mundial"Na zona do euro, a desaceleração econômica chegou ao núcleo da região. A Alemanha começa a sofrer. Suas exportações perderam dinamismo. Os países da periferia experimentam o chamado 'cansaço da austeridade'. Nos Estados Unidos, antes da fase aguda da crise, a demanda doméstica crescia num ritmo médio de 3,5% ao ano. Essa taxa caiu para 2% nos últimos trimestres. Um ajuste fiscal importante terá de ser feito, no tranco, ou aos poucos. Haverá prejuízo para o crescimento econômico, de qualquer forma. Na China, o modelo atual, calcado em elevadas taxas de investimento, perdeu vigor. E a economia cresce agora em ritmo menor. É preciso alterar o modelo, para estimular o consumo. Preocupações com o aquecimento global existem há bastante tempo. Vemos, agora, que temos de nos preocupar também com o desaquecimento da economia mundial".

Comércio externo

"Diante de tantas economias com problemas econômicos sérios, o comércio mundial tem perdido força. Antes da crise, esse comércio crescia entre 5% e 10% ao ano. Hoje não passa de 2%. E isso ocorre porque o grau de sincronismo da desaceleração econômica mundial é muito grande. Não há, portanto, uma mão externa, capaz de ajudar o Brasil, ou qualquer outro país. O que faz? É preciso mudar a estratégia. Mas este cenário aumenta muito a responsabilidade dos formuladores de política econômica".

Sem mudanças à vista"Não vejo muitos sinais de mudança atualmente. Política econômica tem muita inércia e há casos de dirigentes indo em direção a uma parede sem mudar de rota. Os formuladores têm dificuldade para alterar o rumo de suas políticas".

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