Em tecnologia, o termo hackear é usado para modificações de aspectos internos de dispositivos e programas. Em linhas gerais, um indivíduo externo, o hacker, consegue encontrar soluções que não foram imaginadas por quem desenhou determinado sistema. Aplicando esta lógica para as relações de trabalho, a Escola Elas se propõe a ensinar mulheres a descobrirem seus talentos e conquistar autoridade no ambiente corporativo.
O ambiente corporativo pode reservar dificuldades específicas para as mulheres. Ao exercer posições de liderança, elas podem ser vistas com desconfiança; são consideradas arrogantes quando demonstram seriedade. Números e pesquisas sobre o assunto não faltam. Era preciso por em prática um plano que ajudasse a desmontar essas percepções. Nasceu assim o programa da Escola Elas.
O Elas propõe ensinar às mulheres a descobrir seus talentos, tomar decisões com mais clareza, conquistar autoridade num ambiente dominado ainda por homens, entre outras coisas. O curso, que custa R$3,3 mil, é o carro-chefe de um programa que também inclui workshops e aulas para o ambiente específico de empresas que contratam o serviço.
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A ideia surgiu a partir de encontros informais que Carine Roos, uma das sócias-fundadoras, promovia com outras mulheres para ajudá-las a pensar a carreira. Formada em Sociologia e Comunicação Social, ela dividia parte da experiência acumulada de trabalho em instituições voltadas à tecnologia, comunicação e Direitos Humanos.
Ela própria conta que sentia dificuldade em se impor, no início da carreira, principalmente trabalhando na área de tecnologia, mais masculina. “Comecei a duvidar da minha capacidade”, diz. Para que isso não acontecesse com outras pessoas, veio a ideia da mentoria. Primeiro, de forma voluntária, depois como consultora, até que, em 2016, conheceu Amanda Gomes.
Hackeando o sistema
Formada em Administração, Amanda Gomes fez carreira na área executiva por 20 anos. Com o tempo, percebeu que sempre tinha que provar que era capaz mais do que seus colegas homens. “As relações de poder me chamavam muito a atenção. Foi isso que eu precisei entender, para me articular e conseguir ‘hackear o sistema’”, diz.
Com isso em mente, Gomes e Roos passaram a promover encontros gratuitos no Cubo — espaço de empreendedorismo mantido pelo Itaú e pelo fundo Redpoint eVentures. Com o tempo, passaram a oferecer também o curso pago.
Em três meses reuniram gente o suficiente para uma turma. Arranjaram uma sala no Mulheres do Brasil, espaço com causas parecidas localizado em São Paulo, e daí não pararam mais. Desde então, contam que mais de 200 pessoas passaram pelo treinamento completo — no workshop, agora pago, foram mais de 3 mil. O curso dura 54 horas e é dividido em três módulos.
Diferentes estágios da carreira
A paranaense Christina Sato, 52, fundou há duas décadas uma empresa de engenharia voltada para a indústria, mantida até hoje. Ela conheceu a Escola Elas numa visita ao Cubo, quando assistiu a uma palestra.
“Em geral, a gente faz as coisas por ‘instinto’. Mas, no curso, a gente vê que alguns processos podem ser mais fáceis, tendo um pouco mais de técnica, inclusive para lidar com as pessoas“, relata. Para ela, resiliência e boas relações ajudaram nessa trajetória.
Experiência diferente teve Franciele Krasnhak, 22, que trabalha na área de comércio eletrônico na empresa da própria família, também no Paraná. Ela diz que não sabia como exatamente lidar com os colegas da organização, que a viram crescer, o que criava um desafio na hora de se impor como profissional. “O que despertou minha curiosidade e vontade de fazer o curso foi o fato de ser só para mulheres”, conta.
Mais desemprego e menos participação na liderança
De acordo com relatório da OIT (Organização Internacional do Trabalho) de 2018, mulheres enfrentam demandas enormemente desiguais em relação a cuidado e responsabilidades da casa e isso reflete em desigualdades no mercado de trabalho.
O documento diz que 48,5% das mulheres com mais de 15 anos participam do mercado de trabalho, enquanto a taxa é de 75% para homens. A taxa de desemprego entre elas é de 0,8 ponto percentual maior do que a taxa das pessoas do gênero masculino. No Brasil, esse índice no ano passado ficou em 13,2% para mulheres, e 9,8% para homens.
A escola Elas recorre, entre outras coisas, a uma pesquisa do Instituto Ethos de 2016 para justificar a sua existência. Dados de 2016 apontavam uma taxa de 11% para a participação das mulheres em posições de alto comando nas 500 maiores empresas do Brasil — mulheres negras são 0,4%.
O curso do Elas também é vendido diretamente para empresas. Daí um outro estudo importante, este da consultoria americana Mc Kinsey & Company: se houvesse equidade de gênero no mundo, em 10 anos o PIB global teria um aumento de aproximadamente US$ 28 trilhões de dólares. Outro relatório, do Fórum Econômico Mundial (FEM), diz que a igualdade de gênero em locais de trabalho em todo o mundo levará 200 anos para ser alcançada.