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Executivos da Globoaves em reunião com representantes do governo cubano: transferência de tecnologia e base de exportação | Divulgação
Executivos da Globoaves em reunião com representantes do governo cubano: transferência de tecnologia e base de exportação| Foto: Divulgação

Depoimento

Alexandre Costa Nascimento, repórter de Economia

Enviado especial à Ilha da Burocracia

O propósito desta pauta era abrir a discussão sobre o futuro de Cuba. O tema seria abordado em uma série de reportagens, resultantes de uma viagem que eu faria para conhecer de perto os desafios econômicos e oportunidades de negócios que o país oferece.

Mas, em um país ilhado pela burocracia, a viagem de um repórter estrangeiro exige um complicado processo de autorização, que inclui o preenchimento de diversos formulários de requisição explicando os motivos da viagem, currículo, carta de solicitação do jornal, descrição detalhada do equipamento técnico a ser usado e, é claro, uma taxa consular. Também é parte das exigências cubanas uma relação de matérias já publicadas pelo repórter, que provavelmente serão esmiuçadas em busca de frases ou palavras que revelem indícios de um perfil capitalista-imperialista – o que não é o meu caso.

Todo esse processo de requisição é encaminhado pelo consulado cubano para a capital, Havana, onde o Centro Internacional de Prensa, órgão do governo, avalia o caso e decide se concede ou não "la visa de periodista", o visto de jornalista.

Segundo o próprio cônsul de Cuba em São Paulo, Señor Modesto, essa análise demora no mínimo duas semanas e no máximo... bem, no meu caso já se passaram seis meses desde o pedido de visto e ainda não recebi nenhuma resposta. Não que o visto tenha sido negado, ele simplesmente ainda está em alguma pilha de papéis, perdido no buraco negro da burocracia cubana.

Se conceder o visto de viagem a um repórter é tão complicado, imagine o desafio enfrentado por quem decide exportar algum produto ou serviço ao país caribenho.

Não que Cuba deva enveredar para o capitalismo selvagem ou abrir mão dos incontestáveis benefícios trazidos pela Revolução nas áreas de educação, saúde e ciência. Mas a primeira tarefa para tirar a economia cubana do colapso é eliminar, de forma urgente, o excesso de burocracia que engessa o país.

Mas isso parece estar longe de acontecer. Há duas semanas, o presidente cubano Raul Castro reconheceu haver dificuldades no processo de demissão de 500 mil funcionários públicos, o que deveria ter sido feito no início de janeiro. Ou seja, até na hora de desburocratizar, a burocracia prevalece. Pelo visto, muita coisa ainda precisa mudar para que Cuba se torne, de fato, uma ilha de oportunidades.

Em um país que necessita de praticamente todo o tipo de insumos e bens manufaturados, as oportunidades estão por todos os lados, em setores como os de alimentos, eletroeletrônicos, implementos agrícolas, telecomunicações, produtos farmacêuticos, máquinas e equipamentos, móveis, bebidas, construção civil e serviços.

Essas oportunidades, entretanto, vão além do potencial mercado consumidor cubano, que, apesar de inexplorado, ainda é considerado limitado em função do baixo poder de compra da população. A localização geográfica do país o coloca na condição estratégica de base exportadora para países da América Central e Caribe ou até mesmo para os Estados Unidos, diante de uma eventual revogação do embargo econômico.

Foi pensando nisso que a paranaense Globoaves, empresa do setor de avicultura com sede em Cascavel (Oeste do estado), resolveu aportar na ilha. Há um ano e meio a companhia fechou acordo para exportação de carne e subprodutos de frango e agora trabalha na implantação de uma joint-venture com o governo local para transferência de tecnologia de toda a cadeia produtiva da avicultura.

O acordo prevê a construção, em Cuba, de uma unidade industrial completa com capacidade para processar 40 mil frangos por dia. O projeto também envolve a instalação de uma fábrica de ração e de uma incubadora para chocar os ovos exportados a partir do Brasil, além da implantação de granjas para criação de frango caipira e de um frigorífico de aves.

"O que nos interessou em Cuba foi a possibilidade de exportar todo o processo industrial, com a cadeia produtiva capaz de gerar valor agregado completo", explica o gerente de negócios internacionais da Globoaves, Marcos Bertoli. O projeto deve gerar cerca de 3 mil empregos diretos em Cuba. O valor total do investimento não é revelado pelo executivo, mas deve ultrapassar os R$ 100 milhões, tendo como base um projeto semelhante do grupo no estado do Piauí.

Cerca de 30% da produção cubana da Globoaves deverá ser exportada para países do Caribe e América Central ou mesmo para a Venezuela, com quem Cuba mantém acordos comerciais no âmbito da Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba). "Cuba precisa de investimentos para criar uma cadeia produtiva que lhe permita exportar e criar receitas para bancar o seu sistema. Ou eles abrem [a economia] e começam a fazer joint-ventures com empresas es­­tran­­geiras, ou o sistema está fadado à morte", avalia Bertoli.

O diretor, no entanto, acredita que o processo de abertura será lento e que a economia deverá permanecer sob rígido controle estatal, em um modelo semelhante ao sistema econômico chinês. Segundo ele, o fato de a economia ainda ter grande controle estatal não impede a realização de negócios com o país. "Estamos lidando com um departamento chamado Uecan [Unión de Empresas del Combinado Avícola Nacional], ligado ao Ministério da Agricultura. São empresas ligadas ao governo, mas que funcionam com certa autonomia e independência de negociação", explica.

Borges, da Apex, também relativiza a burocracia cubana. "Há regras como em qualquer outro país: existem barreiras fitossanitárias e restrições para produtos ligados à saúde e alimentação, mas os cubanos não chegam a ser tão exigentes quanto os EUA, a União Europeia ou o Japão", considera.

De acordo com a Apex, atualmente cerca de 40 empresas brasileiras de diversos setores buscam negociar com Cuba. Dentre estas, duas empresas paranaenses estão prospectando este mercado, mas preferem não revelar detalhes do negócio. Uma delas trabalha com exportação de equipamentos médico-hospitalares e outra, com equipamentos para redes elétricas e de telefonia.

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