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O fantasma de mais uma consolidação no setor aéreo brasileiro está no ar diante da recuperação judicial da Gol nos Estados Unidos. A empresa é a segunda maior da aviação comercial brasileira, com participação de 30,7% no mercado de transporte doméstico de passageiros, segundo a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).
A eventual compra da Gol ou de seus ativos por uma concorrente – Latam e Azul fazem movimentos nesse sentido – tende a se refletir no preço das passagens aéreas, a exemplo do que ocorreu em outras ocasiões.
E isso num cenário que já é de preços mais altos. Em um ano, as passagens áreas ficaram 19,1% mais caras – mais de quatro vezes a inflação geral medida pelo último IPCA-15, divulgado em março pelo IBGE.
Um estudo do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), órgão regulador da concorrência no Brasil, mostra que a incorporação da Webjet pela Gol, em outubro de 2011, resultou em um aumento de até 16,42% nos preços das passagens.
Segundo Fernando Franke e Guilherme Rezende, autores do estudo, este ato de concentração representou a aquisição, por parte da segunda maior empresa brasileira, de um importante player que estava ganhando mercado e que representava uma ameaça às empresas existentes.
Mais concentração no setor aéreo, passagem mais cara
“[A consolidação do setor] seria ruim para o consumidor, porque uma menor concorrência é sempre negativa”, diz Bruno Corano, gestor de fundos nos Estados Unidos.
A concentração no transporte aéreo doméstico de passageiros avançou nos últimos 20 anos. Em fevereiro de 2004, a participação das três maiores empresas (Varig, TAM e Gol) era de 84,8%. Vinte anos depois, as três líderes (Latam, Gol e Azul) dominavam 99,5% do mercado.
A consolidação não é um processo simples. Ela precisaria ser aprovada pelo Cade. Ricardo Jacomassi, sócio e economista-chefe da TCP Partners, vê outras barreiras: “Existem muitos desafios para uma transação entre as empresas, devido ao endividamento delas”.
De olho na concorrente, Latam e Azul fazem seus movimentos
A Gol, pressionada por dívidas elevadas decorrentes da pandemia, entrou em recuperação judicial nos Estados Unidos em janeiro, despertando a atenção das concorrentes.
A Latam manifestou interesse em aeronaves atualmente operadas pela Gol, apesar das diferenças nos tipos de avião utilizados pelas duas empresas em rotas curtas. A Latam opera predominantemente com a Airbus, enquanto a Gol opera exclusivamente com a Boeing.
De acordo com o jornal “Valor”, as primeiras investidas da Latam teriam ocorrido antes mesmo da entrada da Gol no Chapter 11, como é conhecida a recuperação judicial nos Estados Unidos. O assunto foi objeto de questionamento judicial na corte de Nova York.
A Azul, a terceira maior companhia aérea do Brasil, também manifestou interesse nos ativos da Gol. É uma estratégia semelhante à adotada pela Azul durante a recuperação judicial da Latam, entre 2020 e 2022, quando demonstrou interesse nas operações brasileiras da empresa.
Segundo Corano, a empresa tem interesse nas licenças de rotas da Gol, onde há pouca sobreposição entre as duas empresas, e em espaços em galpões e aeroportos, muitos deles herdados da antiga Varig, que parou de voar em junho de 2006. O motivo da Latam é diferente, avalia o especialista: seria uma tentativa de conter a concorrência.
O especialista em direito aeronáutico da Demarest Advogados e ex-presidente da Anac, Marcelo Guaranys, aponta que o pior cenário para o setor é a saída de uma empresa do mercado, sem alternativas para substituí-la.
Gol busca mostrar que é viável, dizem especialistas
Especialistas consultados pela Gazeta do Povo indicam que a Gol está empenhada em demonstrar que seu valor é maior em operação do que paralisada. A expectativa predominante é de que não haja grandes mudanças durante o processo.
“Tivemos a recente recuperação judicial da Latam, que operou normalmente e não impactou o setor. Esperamos o mesmo no caso da Gol”, afirma Jacomassi.
Corano avalia que, se a Gol conseguir cumprir os acordos e obrigações determinantes durante uma recuperação judicial, a situação permanecerá estável. “Eventualmente, eles vão repensar o tamanho da operação e redimensioná-la. Isso pode significar a diminuição de rotas e a venda de alguns aviões. No entanto, em linhas gerais, não se deve esperar mudanças significativas nas rotas que permanecerem”, conclui.
Setor aéreo vive rotina de prejuízos, mesmo com forte alta no preço da passagem
O setor aéreo brasileiro tem enfrentado uma série de desafios nos últimos anos, resultando em perdas significativas.
Segundo levantamento realizado por José Ricardo Botelho, presidente da Associação Latino-americana e do Caribe de Transporte Aéreo (Alta), as empresas do setor acumularam um prejuízo de R$ 54 bilhões entre 2010 e 2022. Em seu conjunto, elas conseguiram fechar no azul em apenas três anos desse intervalo (2010, 2017 e 2019).
Um dos principais complicadores para o setor foi a pandemia de Covid-19. “A aviação sofreu um grande impacto na primeira onda, em 2020, começou a se recuperar e foi novamente afetada pela segunda onda”, afirma Guaranys.
O mercado doméstico ainda não se recuperou totalmente dos efeitos da pandemia. A demanda acumulada em 12 meses até fevereiro estava 1,1% abaixo da registrada quatro anos atrás. A situação é ainda pior no segmento internacional, com uma diferença de 5%.
Outro problema foi o forte aumento do preço do petróleo, motivado, em parte, pela guerra na Ucrânia, que começou em fevereiro de 2022. O querosene de aviação (QAV) corresponde a 36% do preço da passagem, segundo a Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear).
Desde então, houve repiques de alta nos preços. Em junho de 2022, a alta acumulada do combustível em 12 meses foi de 123,26%. Em janeiro de 2023, foi de 51,29%, e em dezembro, de 48,11%.