A Grow, principal empresa de serviço de compartilhamento de patinetes elétricos no Brasil, anunciou no final de janeiro a retirada da Grin e da Yellow de 14 cidades, passando a operar somente em Curitiba, Rio de Janeiro e São Paulo. Um prenúncio do fim após a expansão de 2019, quando despejou veículos por nove estados do país, com direito a parcerias de peso – como a feita com o Rappi, serviço on-line de entrega em domicílio. Mas se o negócio por enquanto não se mostrou sustentável para os aplicativos, em razão dos altos custos de operação e manutenção, por outro lado, ajudou a popularizar e alavancar a produção e a venda de patinetes elétricos para uso pessoal.
Ao invés de terem de encontrar o patinete mais próximo pelo aplicativo e pagar pela liberação e deslocamento, o usuário percebeu que ele pode ter o próprio veículo, com mais liberdade e até mesmo a um custo mais baixo no médio prazo. Para quem usa muito, trocar o valor de seguidos aluguéis por um equipamento novo soa mais atrativo. Além disso, dos modelos disponíveis no mercado, alguns são dobráveis. Ou seja, ao chegar no trabalho, basta dobrá-lo e guardá-lo embaixo da mesa.
De acordo com dados da Netshoes repassados à Gazeta do Povo, foi registrado um aumento de 183% na venda de patinetes elétricos do primeiro para o segundo semestre de 2019 na plataforma de vendas on-line. Com isso, os modelos elétricos respondem por 21% do total do departamento de “Patins e Patinetes” da loja.
Preços dos patinetes variam de R$ 700 a R$ 5 mil
No Brasil, a vitrine de patinetes elétricos para uso pessoal e destinados ao deslocamento nas cidades, aumenta conforme a demanda cresce. Há os mais simples, para curtas distâncias, e aqueles mais robustos, que aguentam terrenos ruins e sobem até as ladeiras mais desafiadoras. Consequentemente, os preços também variam — partem dos R$ 700 e chegam a bater os R$ 5 mil.
“Os patinetes e as bicicletas já fazem parte do dia a dia de muitas pessoas; é difícil imaginar uma realidade sem eles. Isso porque os aplicativos de compartilhamento criaram esses hábitos nas cidades. No começo pode somente alugar. Mas, se gostar e verificar que é viável, pode acabar adquirindo o próprio veículo”, diz o especialista em mobilidade urbana do WRI Brasil, Guillermo Petzhold.
E as pessoas realmente estão apostando nesses veículos. As fabricantes que o digam. A Drop está nesse mercado há mais de dez anos e nunca tinha visto um crescimento tão expressivo como o que registrou no ano passado. “Depois que os aplicativos entraram no Brasil, nós mais que dobramos as vendas”, diz o diretor de marketing da empresa, Ricardo Ducco.
Para responder à demanda, a companhia investiu pouco mais de R$ 4 milhões para abrir, em dezembro de 2019, uma unidade de montagem em Manaus (AM). “A Drop comercializava cerca de 2 mil patinetes por ano. Com a produção em Manaus, que vai ficar 25% mais barata, e tornar nosso produto mais acessível, nos permitirá ampliar a base de distribuição. Com isso, projetamos vender 13 mil patinetes no ano”, afirma Ducco.
A Multilaser, que comercializa patinetes elétricos da marca Atrio, também planeja aumentar as vendas em 2020, inclusive com o lançamento de uma nova linha de produtos específicos para mobilidade urbana.
“O buzz [dos aplicativos] foi positivo para nós. Crescemos 400% na linha de veículos elétricos em 2019. Falamos de cerca de 15 mil equipamentos, incluindo as bicicletas elétricas”, conta o gerente de produtos da Multilaser, Caio Dias.
O plano original da Multilaser era vender mais de 25 mil veículos desse segmento em 2020. Isso antes da redução da operação da Grow e de outros aplicativos no país. “Esse planejamento foi feito antes do recente anúncio da saída dos aplicativos de sharing. Com isso, esperamos um crescimento ainda maior, com os usuários migrando para o serviço próprio”, afirma o executivo da empresa.
Mudança de hábitos: patinetes eram brinquedo de criança
O mercado de patinetes elétricos para uso pessoal não é novidade no Brasil. Eles estão no país há pelo menos dez anos. Mas normalmente eram associados a atividades de lazer e para crianças. A utilização para locomoção nas cidades é que é algo novo e que forçou as fabricantes a se adaptarem, e rapidamente. Não há como colocar um patinete para uso recreativo nas ruas para ser usado como meio de transporte, vencendo distâncias maiores em terrenos irregulares e com buracos.
“Metade dos nossos usuários utilizava os patinetes para mobilidade e a outra metade para lazer. Com a entrada dos players de compartilhamento, observamos que houve uma migração muito grande para a fatia uso de mobilidade. Hoje comercializamos 90% de nossos produtos para essa utilidade”, explica Ducco, da Drop.
Para atender essa mudança no público, a empresa priorizou veículos mais robustos, para suportar mais peso sem perder potência. Esse aspecto, aliás, o diretor da empresa aponta como um dos responsáveis pela redução nos aplicativos de compartilhamento. “O problema das empresas de sharing não é só custo, mas o uso intenso dos patinetes. No caso da Yellow e da Grin, o patinete é do mesmo modelo do usuário que usa esporadicamente.”
Já a Multilaser prevê para o segundo semestre de 2020 o lançamento de novos produtos, mais robustos e que atendam exclusivamente às necessidades do público de mobilidade urbana. Mesmo que a empresa já ofereça veículos com essas características, o portfólio pendeu para o uso pesado.
“Entre 2017 e 2018 começamos com a linha de patinetes elétricos. Eram produtos mais para entretenimento e deslocamentos curtíssimos. E fomos entendendo que o produto estava sendo usado para a ida e vinda do trabalho. Por isso vimos que era hora de trazer soluções para essa demanda”, explica o gerente de produtos da Multilaser, Caio Dias.
Mercado depende de políticas públicas de mobilidade
O crescimento dos últimos meses e a projeção de mais avanço em 2020 ainda não fornecem aos fabricantes indícios claros do que será desse mercado nos próximos anos. Apesar de acreditarem que há muito público ainda para ser explorado, faltam condições estruturais nas cidades para que os patinetes elétricos não sejam apenas uma moda e se tornem, de fato, um meio de transporte. Além de regulamentações mais transparentes, as cidades precisam se preparar e compreender que esses novos veículos podem contribuir com a dinâmica do trânsito, inclusive funcionando em conjunto.
“Todas as inovações em mobilidade não serão a solução por si só. Precisamos ter claro que essas inovações não vão conseguir endereçar todos os problemas de mobilidade que enfrentamos nas cidades. O que vai resolver é integrar essas inovações com o transporte coletivo”, diz Guillermo Petzhold, da WRI Brasil.
Para que isso aconteça, na opinião de Caio Dias, é preciso que o poder público se envolva mais na questão, não apenas discutindo regulamentação. Dois pontos são importantes, segundo ele: tributos e integração.
“Hoje não há benefício algum por parte do governo", diz Caio Dias. "Só para internalizar [importar] o produto, são 70% de impostos. Sem contar toda a regulamentação. O Estado não está preparado para receber diferentes modais, no que tange desde questões monetárias para tornar acessível para o consumidor, até fazer com que os modais convivam nas cidades.”
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