O primeiro-ministro francês, Jean-Marc Ayrault, pediu ontem que seus compatriotas se mobilizem pelo direcionamento positivo do país, debilitado por uma dívida "esmagadora", mas rejeitou a austeridade orçamentária devido à queda do crescimento da economia. Ayrault abordou durante um discurso de mais de uma hora e meia a crise e outros temas, antes de submeter aos deputados um voto de confiança ao governo uma formalidade, dado que o Partido Socialista e seus aliados têm a maioria absoluta na Câmara Baixa do Parlamento.
O primeiro-ministro pediu a mobilização de todos os franceses para que o país "debilitado economicamente, degradado socialmente, dividido politicamente e ferido moralmente" recupere a confiança em seu porvir. Em um contexto de crescimento revisado para baixo (0,3% para 2012 e 1,2% para 2013, contra 0,7% e 1,7% respectivamente), a luta contra a dívida, que alcança cerca de 1,8 trilhão de euros, é prioritária, assim como o emprego. "Uma França endividada é uma França dependente; dependente com relação às agências de classificação, dependente com relação aos mercados financeiros", argumentou Ayrault.
Em um discurso que enfocou o patriotismo, o primeiro-ministro descartou reiteradamente qualquer ideia de austeridade orçamentária, optando pela expressão "endereçamento com justiça". "Não haverá giro na política do governo", afirmou. A França deve apresentar nos próximos dias um reajuste orçamentário para 2012, que integra um esforço adicional para economizar entre 7 e 10 bilhões de euros.
OpiniãoPara salvar o euro, deixe-o
Kenneth C. Griffin e Anil K. Kashyap
À medida que a crise econômica continua a se intensificar na Europa, os decisores políticos precisam encarar a necessidade de tomar medidas ainda mais extremas para evitar um desastre econômico.
A melhor e mais ousada solução, até o momento, mas que ainda é praticamente inconcebível, é que a Alemanha reintroduza o marco, o que faria com que o euro se desvalorizasse imediatamente. Tal desvalorização daria às economias em crise, especialmente às da Grécia, Itália e Espanha, a flexibilidade financeira de que precisam para se estabilizar.
Ainda que uma sequência de desvalorizações monetárias não seja o melhor caminho para a prosperidade, um euro mais fraco aumentaria significativamente a competitividade de todos os membros da união cambial, incluindo a França e a Holanda, o que provavelmente os levaria a optar por continuar com o euro, caso a Alemanha decidisse reintroduzir o marco. O ressurgimento da indústria também possibilitaria que o grande número de desempregados finalmente começasse a diminuir na Espanha, em Portugal, na Grécia e em outros países. A gigantesca perda de capital humano e de dignidade que estamos presenciando neste momento iria diminuir.
A volta do marco não iria resolver o problema da dívida nos países do sul da Europa, mas daria a eles o espaço necessário para que eles reestruturassem suas economias, renovassem os mercados de trabalho, recolhessem mais impostos e deixassem os investidores mais seguros. A capacidade dos países do sul da Europa de cumprirem com os compromissos de sua dívida pública iria melhorar imediatamente, ajudando a acabar com o efeito dos juros e com a crise bancária que toma conta do continente desde 2008.
O euro mais fraco também encorajaria um maior investimento estrangeiro. Por exemplo, o desesperado mercado imobiliário espanhol se tornaria muito mais atraente. Além disso, o aumento do fluxo de capitais também iria acalmar os investidores que estão preocupados com as perdas desconhecidas, causadas pelos empréstimos imobiliários dados pelos bancos espanhóis.
Diferentemente da Grécia cuja saída exigiria a conversão ou o cancelamento das dívidas em euro (com consequências financeiras potencialmente catastróficas) a Alemanha seria capaz de reintroduzir o marco sem alterar a forma de suas atuais responsabilidades, ativos e contratos. Por exemplo, os euros depositados nos bancos alemães continuariam a ser euros. O mesmo aconteceria com as excepcionais dívidas públicas e corporativas da Alemanha, que atualmente estão em euros.
A saída alemã do euro poderia acontecer gradativamente, iniciando-se pela emissão de títulos da dívida em marcos, seguida dos títulos corporativos. A Alemanha poderia estabelecer um período de transição antes que o marco pudesse ser utilizado no dia a dia.
A base industrial alemã certamente passaria por períodos difíceis durante a transição para uma moeda mais forte. Nos primeiros anos, a Alemanha poderia utilizar uma série de medidas para lidar com a taxa de apreciação do marco, assim como a China e a Suíça fazem atualmente. Com o tempo, a base da indústria alemã iria se adaptar e voltar a crescer.
Os críticos dirão que nossos planos são um convite ao caos financeiro. Muito pelo contrário: o capital sairia dos ativos "seguros" em direção a investimentos mais produtivos, aumentado as perspectivas de crescimento global. Os recursos que atualmente estão alocados para a sopa de letrinhas dos programas de socorro e para as garantias financeiras poderiam ser redirecionados. Além disso, a atual situação não pode ser considerada um modelo de estabilidade.
Ainda que a maior parte dos observadores, incluindo os tomadores de decisão alemães, acreditem que a Alemanha fará o que for necessário para salvar o euro, salvar a União Europeia é mais importante, uma vez que ela é mais velha, maior e mais importante que a zona do euro. A atual situação provavelmente levaria a mais pacotes de ajuda internacional, mais garantias e, finalmente, a mais calotes da dívida pública e a enormes transferências fiscais. Isso significaria uma contínua perda de capital humano e de dignidade para o sul da Europa, e o pesadelo do comprometimento de trilhões de euros por parte da Alemanha.
A histórica responsabilidade alemã não condiz com a realidade atual. A única forma de fazer com que o euro sobreviva é que a Alemanha coloque toda a sua força financeira a serviço do euro algo que seria profundamente injusto com os alemães comuns e, ainda assim, não é possível saber se a zona do euro poderia ser salva em sua forma atual. Em vista do que aconteceu na Grécia, é impensável que os líderes alemães possam fornecer mais garantias financeiras para os países periféricos.
Como a Inglaterra, a Alemanha pode fazer parte da União Europeia, sem fazer parte do euro. O mais importante é a preservação da maior conquista da União Europeia: o livre trânsito de trabalhadores, bens e serviços. Apenas a Alemanha tem a capacidade de acabar com uma união cambial problemática e trazer de volta a prosperidade à Europa.
Kenneth C. Griffin é fundador e executivo-chefe da empresa de investimentos Citadel. Anil K. Kashyap é professor de economia e finanças na Faculdade de Administração da Universidade de Chicago.