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O ministro da Economia, Paulo Guedes, sempre foi otimista quanto ao desempenho do Brasil em relação à crise do novo coronavírus. Antes da disseminação da Covid-19 começar de forma mais intensa no país, chegou a dizer que com até R$ 5 bilhões o governo resolveria o problema do vírus.
Depois que a situação se agravou, a equipe econômica começou a lançar iniciativas para mitigar os efeitos da pandemia sobre a atividade econômica. Guedes segue otimista, agora com relação à retomada do crescimento. Segundo ele, após a recessão causada pela crise, a economia deve voltar a crescer em ritmo acelerado, o que se traduziria em um gráfico com linha em forma de "V". "Vamos surpreender o mundo", declarou recentemente.
Entre especialistas e analistas do mercado financeiro, porém, não há consenso do quanto a economia brasileira deve regredir neste ano (ou seja, o quão profundo será o "V"), muito menos do quão veloz será a retomada (isto é, a inclinação da curva do crescimento).
Cálculos mais pessimistas estimam retração de até 7% em 2020, mas há quem espere que o PIB não caia muito abaixo de 1%. Para 2021, por outro lado, os otimistas enxergam possibilidade de aumento de até 6,5% no PIB, a julgar pelas projeções das mais de 80 instituições consultadas pelo boletim Focus, do Banco Central. A maioria das previsões para o próximo ano, porém, é mais tímida.
A mediana das previsões do Focus aponta para queda de 3,76% na economia brasileira neste ano, seguida de alta de 3,2% em 2021 e 2,5% em 2022. Se a geração de riquezas tiver mesmo esse comportamento, o país só vai superar daqui a dois anos o PIB (em reais) que alcançou no ano passado.
A maioria das estimativas acima foi feita antes da saída do então ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, do governo Bolsonaro. A demissão de Moro provocou mudanças na base de apoio do presidente, inclusive entre empresários, e pode resultar em uma deterioração das expectativas econômicas.
Outro fator de instabilidade que pode derrubar ainda mais a previsão do PIB para este ano são as dúvidas sobre o protagonismo do ministro da Economia, Paulo Guedes.
Considerado um dos "superministros" de Bolsonaro, Guedes segue com a simpatia do mercado, mas passou a disputar espaço com o núcleo militar do governo nas decisões tomadas durante a crise do novo coronavírus.
Um exemplo foi o lançamento do programa Pró-Brasil, que visa a recuperação do país depois da pandemia. O plano tem como um de seus pilares o investimento público – na contramão, portanto, da agenda liberal do ministro.
Na semana passada, no entanto, o presidente Jair Bolsonaro buscou prestigiar o titular da Economia e disse que quem manda nessa área é Guedes.
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Para além dos números: economistas veem retomada veloz como improvável
As projeções para o PIB não têm sido precisas nos últimos anos. De fato, muitos fatores podem atrapalhar – ou ajudar – o crescimento de um país. O cenário pós-coronavírus parece ser ainda mais desafiador, já que não se sabe como o combate à epidemia vai evoluir e quais sequelas econômicas e sociais restarão depois que a fase mais aguda da crise passar.
Independentemente das projeções, porém, especialistas que analisam a conjuntura de forma mais ampla tendem, no geral, a considerar pouco provável uma recuperação tão rápida da economia brasileira após o coronavírus.
Joelson Sampaio, professor da Fundação Getulio Vargas em São Paulo, afirma que uma recuperação em "V" pode até acontecer, mas que a retomada tende mesmo a ser paulatina. "Provavelmente teremos um efeito mais longo da crise no Brasil", analisa.
Outros economistas têm a mesma avaliação. Zeina Latif e Armínio Fraga, por exemplo, já falavam no início de abril que a possibilidade de uma recuperação rápida é baixa. "Acho que vamos ter uma recuperação lenta, gradual", afirmou Fraga, que já foi presidente do Banco Central.
"Entendemos que a piora do mercado de trabalho, o aumento da incerteza e a recessão global possam afetar a velocidade de retomada, mas tais vetores devem ser, em alguma medida, transitórios, além de suavizados pelas expansões fiscais e monetárias no Brasil e no mundo, favorecendo também uma retomada mais intensa em 2021", afirmou o departamento econômico do Bradesco em relatório publicado nesta quarta (6).
Apesar desse otimismo, o banco projeta que a queda do PIB neste ano, estimada em 4%, não será totalmente compensada no ano que vem, para quando a instituição prevê alta de 3,5%. Ou seja, confirmadas essas projeções, apenas em 2022 a geração de riquezas do país conseguiria superar os níveis de 2019.
A trajetória de recuperação esperada para outros países reforça essa visão. No caso dos EUA, por exemplo, a expectativa é de que a retomada ocorra em forma de "U" – isto é, com um período de estagnação, seguido só mais tarde por crescimento mais robusto. A própria retomada rápida da economia na China, com o formato esperado por Guedes para o Brasil, também não é certeza entre os economistas.
Em 2019, com cenário favorável, país cresceu menos que nos anos anteriores
Um possível ponto de referência para a capacidade de crescimento da economia brasileira é o ano de 2019, quando o caminho estava livre de obstáculos, com um cenário aparentemente ideal para um crescimento mais significativo:
- o país vivia o primeiro ano do governo Bolsonaro, candidato preferido do mercado financeiro e do setor produtivo, o que ao menos por um tempo elevou o nível de confiança empresarial;
- não havia pandemia e o governo, apesar dos tumultos internos, não enfrentava uma crise política como a atual;
- o Ministério da Economia conseguiu aprovar a reforma da Previdência, considerada fundamental para a solvência do país;
- a equipe de Paulo Guedes vendia (aliás, ainda vende) um amplo pacote de privatizações e concessões como a receita de uma retomada puxada por dinheiro privado, outro fator que animava o empresariado;
- o desemprego, embora ainda elevado, estava em queda, com efeitos positivos sobre o consumo; e
- a taxa básica de juros, que já estava nos menores níveis da história no início de 2019, voltou a cair a partir de julho.
Apesar de todo esse contexto favorável, o PIB cresceu apenas 1,1%, menos que nos dois anos anteriores e a metade do que a equipe econômica esperava inicialmente. Ou seja, muito embora o ministro tenha declarado recentemente que o país "estava decolando" antes da Covid-19, os números não indicavam exatamente isso.
Portanto, para se recuperar em "V", a economia brasileira terá de encontrar – quando estiver convalescendo – uma energia que não conseguiu demonstrar antes de ser contaminada pelo vírus.