Antes mesmo de toda a controvérsia e descrença geradas pelo anúncio do pacote de cortes de gastos do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), os deputados Kim Kataguiri (União-SP), Júlio Lopes (PP-RJ) e Pedro Paulo (PSD-RJ) apresentaram uma alternativa que promete ser mais robusta. Reunidas em uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), as medidas têm como objetivo economizar R$ 1,1 trilhão em seis anos.
Batizada de PEC da Soberania e do Equilíbrio, a proposta foi elaborada com base em um estudo realizado por consultores legislativos da Câmara dos Deputados, ancorado no Orçamento da União. O objetivo é implementar reformas estruturais e assegurar o equilíbrio fiscal do país. O lançamento oficial ocorreu na quarta-feira, 27 de novembro, poucas horas antes do pronunciamento do ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Por outro lado, o pacote do governo petista visa a uma redução de R$ 327 bilhões nos gastos públicos ao longo de seis anos, com início em 2025. A proposta, porém, foi mal recebida pelo mercado, sobretudo devido ao anúncio de uma reforma tributária que isenta do imposto de renda pessoas com rendimentos de até R$ 5.000. Economistas avaliam que as medidas são insuficientes para reverter os déficits primários e, assim, melhorar a situação fiscal do país.
"O governo assumiu com a dívida pública equivalente a 72% do PIB e, segundo as projeções, deve encerrar 2026 com 84% de dívida sobre o PIB. Isso significa um custo enorme para a sociedade brasileira e para o futuro do país. Por isso, apresentamos a PEC do Equilíbrio Fiscal, que busca equilibrar as contas públicas e garantir soberania ao Brasil", afirmou Lopes.
Apesar de ambas as propostas tratarem de temas similares, como reajustes do salário mínimo, benefícios sociais e isenções tributárias, elas divergem nas abordagens e nos resultados projetados. A proposta da PEC dos deputados estima uma economia quase três vezes maior do que o plano do governo.
Segundo o estudo O Caminho do Equilíbrio: É Preciso Cortar Gastos?, de autoria do consultor de orçamento Paulo Roberto Simão Bijos, é essencial limitar o crescimento das despesas públicas para conter a expansão desenfreada dos gastos obrigatórios.
Ele afirma que a solução não é apenas cortar, mas moderar o ritmo de crescimento dos gastos para garantir resultados fiscais sustentáveis. "O que se busca é um avanço mais frugal, por exemplo, de '100 para 105', em vez de '100 para 120'", destaca o estudo.
Proposta prevê desatrelar benefícios sociais do salário mínimo
A principal proposta da PEC dos deputados é a desindexação dos benefícios sociais em relação ao salário mínimo, permitindo que sejam reajustados apenas pela inflação do ano anterior. Entre os benefícios impactados estão os do INSS e o Benefício de Prestação Continuada (BPC).
Segundo Lopes, o Brasil lidera mundialmente os gastos com previdência e enfrenta o risco iminente de perder o bônus demográfico, período em que a maioria da população ativa sustenta um grupo relativamente pequeno de aposentados.
"Precisamos agir, e acreditamos que a desindexação, com reajustes limitados à inflação, seja a medida menos dolorosa e mais eficaz", argumentou Lopes.
As projeções da PEC indicam que, ao vincular os reajustes à inflação, o governo economizaria R$ 31,6 bilhões em 2026 e R$ 48,5 bilhões em 2027, totalizando R$ 485,9 bilhões entre 2026 e 2031.
Em contrapartida, o pacote de contenção de gastos do governo mantém os benefícios sociais atrelados ao reajuste do salário mínimo, agora limitado ao crescimento de 0,6% a 2,5% do PIB, conforme as diretrizes do arcabouço fiscal. Nessa configuração, a economia prevista é de R$ 2,2 bilhões em 2025 e R$ 9,7 bilhões em 2026, acumulando R$ 109,8 bilhões entre 2025 e 2030.
PEC sugere alterar repasses para educação e saúde
Outro ponto central da PEC dos parlamentares é a proposta de desvinculação dos pisos constitucionais destinados à educação e à saúde das receitas da União. Atualmente, a Constituição Federal exige que 15% da receita corrente líquida da União sejam aplicados na saúde.
A regra vigente estabelece que o crescimento da arrecadação implica um aumento proporcional nos investimentos em saúde. No entanto, a PEC propõe desvincular os repasses ao setor do crescimento das receitas, estabelecendo que os novos critérios sejam definidos por lei complementar.
No caso da educação, a Constituição determina a aplicação mínima de 18% da receita proveniente de impostos pela União e 25% pelos estados, municípios e Distrito Federal. A proposta de emenda constitucional sugere alterar o percentual mínimo federal para 20%, permitindo que os critérios adicionais também sejam regulamentados por lei complementar.
Lopes justificou as alterações pela necessidade de maior flexibilidade na alocação de recursos. “A população educacional está diminuindo. É lógico que precisamos direcionar esses recursos para áreas mais demandadas, como o envelhecimento da população, atendendo aos idosos e septuagenários, por exemplo”, explicou.
Segundo estimativas, as mudanças propostas na PEC têm potencial para gerar uma economia de R$ 17,6 bilhões já em 2026 e R$ 29,5 bilhões em 2027, totalizando R$ 323 bilhões entre 2026 e 2031.
No pacote de contenção de gastos apresentado pelo governo, uma medida relacionada à educação propõe destinar até 20% da complementação da União ao Fundeb para ações de educação em tempo integral. A iniciativa visa economizar R$ 4,8 bilhões em 2025 e R$ 5,5 bilhões em 2026.
PEC propõe abono salarial mais restrito que o governo
A proposta dos parlamentares propõe restringir o abono salarial, benefício similar a um 14º salário para trabalhadores do setor privado regidos pela CLT, aos empregados que ganham até um salário mínimo. Atualmente, o auxílio é pago a quem recebe até dois salários mínimos. Parte da economia obtida com a medida, cerca de 20%, será destinada ao SUS para fortalecer o atendimento prioritário a pessoas com 65 anos ou mais. Projeções indicam uma economia de R$ 122,3 bilhões entre 2026 e 2031.
Já o pacote de contenção de despesas do governo sugere reduzir gradualmente os beneficiários do abono, limitando-o, até 2035, a trabalhadores com rendimentos de até 1,5 salário mínimo. A mudança pode gerar economias menores, de R$ 100 milhões em 2025 e R$ 600 milhões em 2026.
PEC dos deputados limita emendas parlamentares e supersalários
As propostas também divergem significativamente no que diz respeito às emendas parlamentares e aos supersalários.
No caso das emendas, a PEC dos parlamentares desvincula os recursos destinados a elas da receita corrente líquida do exercício anterior, como ocorre atualmente. Dessa forma, assim como proposto para os pisos da saúde e da educação, o montante destinado às emendas parlamentares não aumentaria automaticamente com a elevação da receita. A PEC estabelece que o valor total para as emendas seja calculado como um percentual das despesas primárias discricionárias do Poder Executivo, a ser definido por Lei Complementar.
Por outro lado, o pacote do governo também busca limitar o crescimento das emendas, vinculando-o às despesas definidas pelo arcabouço fiscal.
Em relação aos supersalários, a proposta apresentada pelos congressistas propõe limitar as indenizações e benefícios extras — conhecidos como penduricalhos — a 30% do teto constitucional de subsídios do STF,l. Na prática, isso permitiria que servidores públicos recebessem até R$ 13,2 mil em adicionais além do salário.
A proposta do governo, por sua vez, aposta na aprovação de um Projeto de Lei Complementar (PLC), ainda não especificado, para conter os supersalários. Inicialmente, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, havia sugerido apoiar o Projeto de Lei 2.721/2021, atualmente em tramitação no Senado. No entanto, como o projeto mantém 32 tipos de penduricalhos, as estimativas de economia ainda são consideradas incertas.
Outros pontos da PEC dos deputados
Em relação aos militares, a PEC proposta pelos deputados propõe a idade mínima de 55 anos para aposentadoria, após 35 anos de serviço. Contudo, a proposta não aborda questões como a transferência de pensões ou a chamada "morte ficta", temas contemplados no pacote de corte de gastos do governo.
A PEC também institui o Programa de Equilíbrio Fiscal Estrutural (PEFE). Entre 2026 e 2031, o programa estabelece que benefícios e pisos sejam corrigidos pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), mantendo o abono salarial apenas para quem recebe até um salário mínimo. Além disso, prevê a revisão de 10% dos gastos tributários durante o período.
A partir de 2032, o PEFE define que, até o dia 15 de abril do primeiro ano de mandato, o presidente eleito poderá propor revisões dos critérios por meio de Lei Complementar.
Deputado diz que medidas precisam ser dialogadas com a sociedade
Apesar da avaliação de que o pacote de contenção de gastos apresentado pelo governo é insuficiente para equilibrar as contas públicas, o deputado Kim Kataguiri acredita que as propostas podem ser aprovadas, em razão da habilidade do governo em negociar pela liberação de emendas parlamentares junto ao Congresso.
O parlamentar, no entanto, critica a condução do debate, considerando que as medidas podem ser aprovadas "goela abaixo da população", sem um amplo e consistente diálogo sobre seu impacto.
“O governo está falando em R$ 70 bilhões, mas a assessoria do nosso partido calcula cerca de R$ 28 bilhões, menos do que a metade daquilo que está sendo anunciado. Ou seja, o governo vai continuar se endividando, o dólar vai continuar alto, os juros vão continuar altos”, afirmou.
Como contraponto às propostas do Executivo, Kataguiri defende a PEC da Soberania como uma solução estrutural que poderia gerar uma economia de R$ 1,1 trilhão em seis anos e que pode chegar a R$ 3 trilhões em uma década. “As perspectivas que a gente tem para a economia levando em conta a timidez desse corte de gastos [do governo], elas são muito ruins”, concluiu.
Entretanto, a tramitação da PEC dos parlamentares enfrenta obstáculos. Para ser formalmente protocolada, ainda precisa da assinatura de, no mínimo, um terço dos deputados, ou seja, 171 dos 513 parlamentares. Caso essa etapa seja superada, a proposta deverá ser analisada por comissões da Câmara e, em seguida, submetida a votação no plenário. Para ser aprovada, precisará do apoio de três quintos dos deputados e senadores, em dois turnos de votação em cada Casa legislativa.
Até o momento, a PEC conta com a adesão de 42 parlamentares, sem contar com os três proponentes - os dados foram atualizados na sexta-feira (6) pela manhã. Confira a lista dos apoiadores:
- Zucco (PL-RS)
- Mauricio Marcon (Pode-RS)
- Delegado Bruno Lima (PP-SP)
- Ricardo Ayres (Republicanos-TO)
- Bibo Nunes (PL-RS)
- Célio Studart (PSD-CE)
- Da Vitória (PP-ES)
- Rodrigo Estacho (PSD-PR)
- Jorge Goetten (Republicanos-SC)
- Saullo Vianna (União-AM)
- Daniela Reinehr (PL-SC)
- Coronel Ulysses (União-AC)
- Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP)
- Rosangela Moro (União-SP)
- Adriana Ventura (Novo-SP)
- Gustavo Gayer (PL-GO)
- Diego Garcia (Republicanos-PR)
- Marcel van Hattem (Novo-RS)
- Gilson Marques (Novo-SC)
- Coronel Chrisóstomo (PL-RO)
- Vitor Lippi (PSDB-SP)
- Ricardo Salles (NOVO-SP)
- General Pazuello (PL-RJ)
- Hugo Leal (PSD-RJ)
- Marangoni (União – SP)
- General Girão (PL-RN)
- AJ Albuquerque (PP-CE)
- Zé Haroldo Cathedral (PSD-RR)
- Thiago de Joaldo (PP-SE)
- Silvia Waiãpi (PL-AP)
- Joaquim Passarinho (PL-PA)
- Otto Alencar Filho (PSD-BA)
- Pedro Westphalen (PP-RS)
- Alex Manente (Cidadania -SP)
- Claudio Cajado (PP-BA)
- Robinson Faria (PL-RN)
- Capitão Alberto Neto (PL-AM)
- Lula da Fonte (PP-PE)
- Arnaldo Jardim (Cidadania-SP)
- Cabo Gilberto Silva (PL-PB)
- Alceu Moreira (MDB-RS)
- Paulo Alexandre Barbosa (PSDB-SP)
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