As despesas que a PEC fura-teto pretende excluir do teto de gastos superam, apenas no primeiro ano de vigência, toda a economia gerada até agora pela reforma da Previdência, promulgada em 2019 e que entrou em vigor em 2020.
Chamada de "PEC da Transição" pela equipe de transição, a proposta de emenda à Constituição busca abrir espaço fiscal para o cumprimento de promessas de campanha do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva.
Conforme mostrou reportagem da Gazeta do Povo, o conjunto de mudanças nas regras do sistema previdenciário deve garantir uma contenção de despesas de R$ 156,13 bilhões até o fim de 2022, segundo cálculos de Leonardo Rolim, ex-secretário de Previdência e ex-presidente do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
O valor inclui o impacto da Emenda Constitucional 103/2019 e das leis 13.846/2019 (combate a fraudes previdenciárias) e 13.876/2019 (racionalização dos processos judiciais envolvendo temas previdenciários).
Somente os recursos necessários para custear o programa Auxílio Brasil, que deve voltar a se chamar Bolsa Família, estão estimados em R$ 175 bilhões – valor que, conforme a minuta da PEC apresentada pela equipe de transição do novo governo, não deve estar submetido à regra que limita o aumento anual de despesas à inflação.
Além disso, 6,5% de receitas extraordinárias, o equivalente a cerca de R$ 23 bilhões, também devem ser retirados do alcance do teto para serem destinados a investimentos públicos, segundo o texto, somando R$ 198 bilhões em despesas para além da cobertura fiscal – R$ 41,87 bilhões a mais do que a economia que deve ser gerada pela reforma da Previdência até o fim de 2022.
A proposta de emenda não estabelece prazo para a duração dessa excepcionalidade, mas analistas ouvidos pela Gazeta do Povo avaliam que durante a tramitação da PEC no Congresso deverá ser negociado um limite, possivelmente de quatro anos, para o “waiver”.
Caso a licença para a despesa com o Bolsa Família, estimada em R$ 175 bilhões, seja mantida ao longo de todo o mandato de Lula, serão consumidos R$ 700 bilhões em valores nominais até 2026.
A cifra corresponde a 81,8% da economia que a Emenda Constitucional 103/2019, da reforma da Previdência, deveria gerar em dez anos, ou seja, até 2029, que foi calculada em R$ 855,7 bilhões à época de sua promulgação. Cálculos feitos recentemente por Rolim, ressalte-se, mostram que a economia de recursos tem sido superior à estimada originalmente.
Ausência de fonte de financiamento na PEC preocupa o mercado
À Gazeta do Povo, a economista Juliana Damasceno, analista sênior da Tendências Consultoria, ressaltou a preocupação do mercado com a ausência da indicação de uma fonte de financiamento para as despesas extrateto previstas na minuta da PEC.
“A gente espera uma certa dificuldade do governo, no ano que vem, de manter esses recordes arrecadatórios que a gente viu ao longo deste ano. Então o esforço para achar fontes de receita vai ter que ser ainda maior”, disse.
No acumulado de 12 meses até setembro, segundo a Secretaria do Tesouro Nacional, o governo central acumula superávit de R$ 10,94 bilhões. A Secretaria de Política Econômica do Ministério da Economia projeta ao fim de 2022 um superávit primário de R$ 59,3 bilhões, que equivaleria a 0,62% do PIB, também segundo estimativa da pasta.
A XP Investimentos calcula que, com a aprovação da proposta, o resultado primário em 2023 pode chegar a um déficit de 2,6% do Produto Interno Bruto (PIB), elevando a dívida pública de 76% do PIB em 2022 para 87,6% ao fim do mandato do novo governo, em 2026, considerando que as despesas adicionais sejam corrigidas somente pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
Em um cenário de crescimento real de 2% nos gastos, o indicador pode chegar a 92,9%. Já se o Banco Central mantiver inalterada a taxa básica de juros, atualmente em 13,75%, o impacto será ainda maior, podendo elevar a dívida a 108,4% do PIB em quatro anos.
Na última quinta-feira (17), o coordenador dos grupos técnicos da equipe de transição, ex-ministro Aloizio Mercadante, afirmou que a equipe estuda a possibilidade de rever isenções fiscais concedidas atualmente no país com o objetivo de aumentar a arrecadação federal sem elevar a carga tributária.
“Aumento de receita não significa aumento de carga tributária. Ontem [quarta-feira, 16], por exemplo, vocês viram aqui o TCU [Tribunal de Contas da União]: R$ 400 bilhões de subsídios, de incentivo fiscal. Uma revisão nisso dá um ganho importante e há outras propostas bem interessantes que serão apresentadas no momento oportuno. Teremos belas surpresas nessa área”, afirmou Mercadante, durante entrevista coletiva.
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