As despesas do governo federal crescem mais que as receitas pelo terceiro ano seguido, o que agrava a situação das finanças públicas e torna quase impossível o cumprimento das metas fiscais. Tal como um trabalhador que não tem dinheiro para pagar todas as faturas do mês, o Tesouro precisa de muito jogo de cintura para fechar suas contas. Mas a era de ouro dos malabarismos contábeis parece ter ficado para trás.
Neste ano, o artifício mais usado pelo governo é dos mais ordinários: o puro e simples adiamento de despesas, às vezes no curtíssimo prazo, de um mês para o outro. A prática, que ganhou o apelido de "pedalada fiscal", afetou principalmente a Caixa Econômica e o Banco do Brasil, que pagaram do próprio bolso benefícios sociais e subsídios enquanto não recebiam o ressarcimento do Tesouro.
O governo também adiou, de abril para outubro, o pagamento de precatórios da Previdência Social e da administração direta e indireta. E uma fiscalização do Banco Central detectou que cresceram os créditos de bancos públicos e privados contra o INSS, porque as instituições pagaram benefícios previdenciários com recursos do próprio caixa.
Esforço quase em vão
Espantoso é que, apesar de todas as pedaladas, o governo central (Tesouro Nacional, Banco Central e INSS) conseguiu poupar apenas R$ 15,2 bilhões entre janeiro e julho, o equivalente a 0,52% do Produto Interno Bruto (PIB). Foi o menor superávit primário para os sete primeiros meses do ano desde 1998. No mesmo período de 2013, a poupança foi de 1,4% do PIB.
O dinheiro do superávit é usado para pagar os juros da dívida pública. Assim, quanto menos o governo economiza, mais a dívida cresce. "A dívida aumenta desde dezembro de 2013", diz Felipe Salto, economista da Tendências Consultoria. "Não há um quadro de insolvência, mas os riscos aumentaram bastante."
Para especialistas em contas públicas, tão grave quanto não cumprir as metas que o próprio governo estabeleceu é tentar maquiar as estatísticas. "O pior impacto é a perda de transparência e credibilidade, se é que ainda existe alguma, da política fiscal. Os investidores e empresários ficam menos confiantes. O investimento está em queda há quatro trimestres, e a confiança está nos níveis mais baixos desde 2009. Não é só a política fiscal que mexe com isso, mas ela é um fator importante", diz Rafael Bistafa, da consultoria Rosenberg & Associados.
O economista Pedro Fernando Nery, consultor legislativo do Senado, avalia que a dívida pública não cresceu a ponto de provocar medo de calote. Mas ele acredita que as atitudes do governo ameaçam a nota de risco do país. "Se o Brasil perder o grau de investimento, muitos fundos internacionais vão tirar dinheiro daqui. O governo terá mais dificuldades para se financiar, terá de pagar juros mais altos", explica.
Meta não será cumprida, dizem consultorias
O governo federal se propôs a alcançar um superávit primário de 1,55% do PIB neste ano. A meta para o setor público consolidado (que inclui estados, municípios e estatais) é de 1,90%. Economistas que acompanham as contas públicas duvidam que qualquer das metas seja cumprida, mesmo com "pedaladas" e receitas extraordinárias como as do leilão do 4G, da venda de blocos de petróleo para a Petrobras e do refinanciamento de dívidas tributárias (Refis).
A Rosenberg & Associados prevê que o governo central vai economizar 0,85% do PIB neste ano. Para o setor público todo, a estimativa é de 1%. Se descontadas as receitas extraordinárias, a projeção cai para apenas 0,5% do PIB.
A consultoria Tendências estima que o superávit "oficial" do setor público será de 1,5%. Para o chamado "resultado recorrente", sem receitas extraordinárias, a previsão é de 0,5% do PIB. "Deve haver 1 ponto porcentual de receitas atípicas, incluindo R$ 8 bilhões do leilão do 4G, R$ 18 bilhões do Refis e cerca de R$ 27 bilhões em dividendos de estatais", diz Felipe Salto, economista da Tendências.
Para ele, a economia que o governo tem feito não garante uma trajetória de estabilidade da dívida pública. "O nível adequado de superávit depende dos juros reais, do crescimento econômico e do patamar de endividamento. Em nossa avaliação, o primário deveria estar em 2,3% do PIB para garantir essa estabilidade."