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Arno Augustin, secretário do Tesouro, nega atrasos nos repasses do governo | Fabio Rodrigues Pozzebom /Agência Brasil
Arno Augustin, secretário do Tesouro, nega atrasos nos repasses do governo| Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom /Agência Brasil

PORTA DOS FUNDOS

O governo mantém neste ano uma antiga prática: reter recursos de fundos setoriais. Cinco deles têm R$ 11 bilhões em caixa, mas, segundo a ONG Contas Abertas, R$ 7,2 bilhões estão reservados para alguma emergência. Caso esse valor não seja gasto até o fim do ano, vai para o superávit primário. A maior vítima é o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust), com R$ 6,1 bilhões bloqueados.

Mantega

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, não garante o cumprimento da meta de superávit primário em 2014. Em entrevista concedida à Globonews, ele destacou que o governo tem feito primários há muito tempo, mas que este ano a situação está mais difícil. "Mas faremos um primário, estaremos sempre no positivo, com alguma poupança, mas nós também temos que fazer correção de rota", disse.

"Pedaladas"

Ministério Público investiga uso de "cheque especial"

Da Redação, com agências

O secretário do Tesouro, Arno Augustin, negou em entrevistas recentes que haja atrasos nos repasses do governo. No entanto, a Caixa chegou a consultar a Advocacia-Geral da União (AGU) para saber como agir em relação aos valores que tinha a receber. E o Ministério Público está investigando a questão.

A dúvida da Caixa era se o fato de o governo usar esse "cheque especial" configurava uma operação de crédito – a Lei de Responsabilidade Fiscal proíbe bancos estatais de emprestarem dinheiro aos controladores. A AGU encerrou a questão sem apurar se houve infração, sob o argumento de que o governo teria regularizado os pagamentos.

Enquanto isso, a Procuradoria da República no Distrito Federal decidiu apurar as chamadas "pedaladas" e também a existência de R$ 4 bilhões em uma espécie de conta paralela, usados para engordar o superávit primário de maio.

Em paralelo, o Banco Central avalia incorporar, no cálculo da dívida pública, os valores em atraso. O assunto está sendo estudado com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e também a AGU.

Consequências

Sociedade paga pela "generosidade" das renúncias fiscais

As despesas do governo subiram 10,5% nos sete primeiros meses do ano. Mais que as receitas, que cresceram 6,8%. A timidez da arrecadação federal se deve não só à lentidão da economia brasileira, mas também às bilionárias desonerações de impostos dos últimos anos. Segundo a Receita Federal, a redução ou retirada de tributos fez com que o governo deixasse de arrecadar R$ 58,8 bilhões de janeiro a julho – quase quatro vezes o superávit primário do período.

"O governo foi muito generoso nas renúncias, sendo pressionado por alguns segmentos econômicos, cada um querendo uma fatia do bolo. A meu ver, o correto seria definir metas muito claras em relação ao que se espera dos sacrifícios de arrecadação", defende Roberto Piscitelli, professor de Finanças Públicas da Universidade de Brasília (UnB). "É preciso ter em mente que, quando alguém é beneficiado, o conjunto da sociedade está pagando. Pagando para que aquele setor mantenha seu dinamismo, seu nível de emprego, etc. Mas, se aquele setor não alcança isso, nada acontece com ele."

As despesas do governo federal crescem mais que as receitas pelo terceiro ano seguido, o que agrava a situação das finanças públicas e torna quase impossível o cumprimento das metas fiscais. Tal como um trabalhador que não tem dinheiro para pagar todas as faturas do mês, o Tesouro precisa de muito jogo de cintura para fechar suas contas. Mas a era de ouro dos malabarismos contábeis parece ter ficado para trás.

INFOGRÁFICO: Confira o resultado das contas públicas nos sete primeiros meses de 2014

Neste ano, o artifício mais usado pelo governo é dos mais ordinários: o puro e simples adiamento de despesas, às vezes no curtíssimo prazo, de um mês para o outro. A prática, que ganhou o apelido de "pedalada fiscal", afetou principalmente a Caixa Econômica e o Banco do Brasil, que pagaram do próprio bolso benefícios sociais e subsídios enquanto não recebiam o ressarcimento do Tesouro.

O governo também adiou, de abril para outubro, o pagamento de precatórios da Previdência Social e da administração direta e indireta. E uma fiscalização do Banco Central detectou que cresceram os créditos de bancos públicos e privados contra o INSS, porque as instituições pagaram benefícios previdenciários com recursos do próprio caixa.

Esforço quase em vão

Espantoso é que, apesar de todas as pedaladas, o governo central (Tesouro Nacional, Banco Central e INSS) conseguiu poupar apenas R$ 15,2 bilhões entre janeiro e julho, o equivalente a 0,52% do Produto Interno Bruto (PIB). Foi o menor superávit primário para os sete primeiros meses do ano desde 1998. No mesmo período de 2013, a poupança foi de 1,4% do PIB.

O dinheiro do superávit é usado para pagar os juros da dívida pública. Assim, quanto menos o governo economiza, mais a dívida cresce. "A dívida aumenta desde dezembro de 2013", diz Felipe Salto, economista da Tendências Consultoria. "Não há um quadro de insolvência, mas os riscos aumentaram bastante."

Para especialistas em contas públicas, tão grave quanto não cumprir as metas que o próprio governo estabeleceu é tentar maquiar as estatísticas. "O pior impacto é a perda de transparência e credibilidade, se é que ainda existe alguma, da política fiscal. Os investidores e empresários ficam menos confiantes. O investimento está em queda há quatro trimestres, e a confiança está nos níveis mais baixos desde 2009. Não é só a política fiscal que mexe com isso, mas ela é um fator importante", diz Rafael Bistafa, da consultoria Rosenberg & Associados.

O economista Pedro Fernando Nery, consultor legislativo do Senado, avalia que a dívida pública não cresceu a ponto de provocar medo de calote. Mas ele acredita que as atitudes do governo ameaçam a nota de risco do país. "Se o Brasil perder o grau de investimento, muitos fundos internacionais vão tirar dinheiro daqui. O governo terá mais dificuldades para se financiar, terá de pagar juros mais altos", explica.

Meta não será cumprida, dizem consultorias

O governo federal se propôs a alcançar um superávit primário de 1,55% do PIB neste ano. A meta para o setor público consolidado (que inclui estados, municípios e estatais) é de 1,90%. Economistas que acompanham as contas públicas duvidam que qualquer das metas seja cumprida, mesmo com "pedaladas" e receitas extraordinárias como as do leilão do 4G, da venda de blocos de petróleo para a Petrobras e do refinanciamento de dívidas tributárias (Refis).

A Rosenberg & Associados prevê que o governo central vai economizar 0,85% do PIB neste ano. Para o setor público todo, a estimativa é de 1%. Se descontadas as receitas extraordinárias, a projeção cai para apenas 0,5% do PIB.

A consultoria Tendências estima que o superávit "oficial" do setor público será de 1,5%. Para o chamado "resultado recorrente", sem receitas extraordinárias, a previsão é de 0,5% do PIB. "Deve haver 1 ponto porcentual de receitas atípicas, incluindo R$ 8 bilhões do leilão do 4G, R$ 18 bilhões do Refis e cerca de R$ 27 bilhões em dividendos de estatais", diz Felipe Salto, economista da Tendências.

Para ele, a economia que o governo tem feito não garante uma trajetória de estabilidade da dívida pública. "O nível adequado de superávit depende dos juros reais, do crescimento econômico e do patamar de endividamento. Em nossa avaliação, o primário deveria estar em 2,3% do PIB para garantir essa estabilidade."

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