"Térmica não é a única solução, nem a melhor." É com essa afirmação que o presidente da associação que representa as usinas hidrelétricas de pequeno porte (AbraPCH), Paulo Arbex, defende que o país freie sua aposta na geração que apoiou o sistema elétrico brasileiro em meio à crise hídrica de 2021 e volte os olhos para o já conhecido potencial das águas.
Amplamente acionadas para evitar racionamentos e desabastecimento diante da desidratação dos reservatórios no ano passado, as usinas termelétricas têm seu papel e foram necessárias, admite Arbex. Mas ele avalia que fontes mais limpas e baratas podem garantir a segurança do abastecimento brasileiro.
"Se eu preciso de 100 megawatts [em reserva de capacidade], posso contratar 130 megawatts de PCH, eólica, solar", com margem de manobra para contornar momentos em que a geração não seja viável (no caso das fontes não despacháveis). "É melhor do que você contratar térmica para ficar parada e rezando para não ter que ligá-la a custo proibitivo", completa.
A despeito dos riscos da geração hídrica observados em 2021, o presidente da AbraPCH defende que o país "criou uma falta de hidrelétricas" após crise anterior, vivenciada em 2001. Naquele ano, também de escassez, os brasileiros experimentaram racionamento de energia e apagão. Pela lógica apontada por Paulo Arbex, o Brasil deveria inverter a marcha e retomar o crescimento da geração hidrelétrica.
A sugestão vai na contramão do que se tem observado desde o início dos 2000. Nos 20 anos que se seguiram, a fatia ocupada pelas usinas hídricas na matriz elétrica encolheu, abrindo espaço para outras fontes. Elas deixaram de representar cerca de 90% da geração nacional para os 65% atuais, numa diversificação apontada como importante para combater a insegurança energética causada pela dependência de uma fonte tão predominante.
Arbex pondera que, embora tenha perdido espaço, a geração hídrica ainda é protagonista no país e segue "carregando nas costas o piano do setor elétrico". Num comparativo, o representante da PCHs destaca que no ano de 2018 as usinas térmicas entregaram 14,5% da energia consumida no país, mas concentraram 47,8% do faturamento do setor. As hidrelétricas, por sua vez, geraram 73,8% da energia consumida e ficaram com 32% do dinheiro. "Ou seja, as hidrelétricas estão subsidiando. Graças às hidrelétricas o custo bilionário das fósseis não está doendo muito mais e quebrando o consumidor", afirma.
Setor vê freio puxado para a geração hídrica
A AbraPCH reúne centrais geradoras hidrelétricas (CGHs) e pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), usinas com potência instalada de até 30 MW e reservatórios de até três quilômetros quadrados. Hoje, essas unidades somam 6.800 megawatts em potência instalada.
Segundo fala do próprio ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, gravada para a 5ª Conferência Nacional de PCHs e CGHs, o Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE 2031) prevê que a capacidade instalada dessa modalidade cresça até a marca de 10 gigawatts na próxima década. O avanço, tratado como "expansão importante" pelo ministro, é classificado como irrisório por Arbex.
"Não é bom sinal. O Brasil precisa de uns 4 ou 5 mil 'megas' ao ano de nova geração; aumentar hidrelétrica em apenas 300 [megawatts neste intervalo] é muito pouco, é 7% do total", calcula. O presidente da entidade acrescenta ainda que não há previsão para a construção de nenhuma hidrelétrica de grande porte no período, o que seria, segundo ele, "mais um motivo para aumentar a contratação de PCHs".
Somente nos próximos três anos a AbraPCH projeta um adicional de 1,8 MW em hidrelétricas de pequeno porte, o que representaria aumento de 30% sobre a capacidade atual.
Além da previsão tímida apontada para o setor no PDE 2031, o número apontado para a potência instalada até lá fica aquém, inclusive, do que já seria possível colocar em operação no país. Segundo Arbex, já existem quase 15 mil megawatts de projetos de PCHs e CGHs aprovados na Aneel, com potencial para movimentar R$ 120 bilhões e gerar pouco mais de um milhão de empregos.
Associação fala em desvaforecimento das PCHs
Outro ponto que poderia ser visto como avanço para a geração hidrelétrica de pequeno porte mas é motivo de desconfiança para o segmento é a lei de privatização da Eletrobras.
No texto, foi embutida uma espécie de reserva de mercado para a contratação de 2.000 megawatts de energia gerada pelas pequenas centrais hidrelétricas em leilões realizados entre 2021 e 2026. Desde a publicação da lei, em julho passado, entretanto, nada ocorreu na prática, afirma Arbex.
"A gente estava contando com esses 2 mil megas, esperamos que eles ainda sejam contratados. Se forem contratados está perfeito e a gente ganha tempo para continuar trabalhando com o governo", completa, em referência a cobranças sobre suposto favorecimento a outras fontes em detrimento das hidrelétricas.
Na avaliação de Arbex, as CGHs já encontraram seu lugar no mercado brasileiro na geração distribuída – mesmo que ela tenha predominância da solar. Falta viabilizar as PCHs.
Os empreendimentos de geração de pequeno porte (caso das CGHs, que tem até 5 megawatts de potência instalada) muitas vezes não necessitam da construção de linhas de transmissão robustas, tendo sua energia escoada por estruturas semelhantes aos sistemas de distribuição.
Reforma tributária promete simplificar impostos, mas Congresso tem nós a desatar
Índia cresce mais que a China: será a nova locomotiva do mundo?
Lula quer resgatar velha Petrobras para tocar projetos de interesse do governo
O que esperar do futuro da Petrobras nas mãos da nova presidente; ouça o podcast