Uma boa pesquisa não se faz mais só com prancheta e caneta. Entender o comportamento do consumidor agora inclui bolo de fubá e gasosa e um bom "dedo de prosa" no sofá da sala de estar, ou enquanto ele prepara o almoço. A idéia é conhecer de perto o cliente e seus hábitos no lugar onde ele está mais à vontade: a sua própria casa. As chamadas pesquisas etnográficas nome emprestado da antropologia entraram de vez nos estudos das grandes empresas, seja na hora de lançar novos produtos, seja para facilitar a comunicação com seus clientes.
"Não queremos saber que marca de sabão em pó a dona-de-casa prefere, mas como ela usa o produto, ou se usa a tampa para medir a quantidade de amaciante", diz a coordenadora de projetos da área qualitativa da Market Analysis, Aline Linhares. O interesse por este tipo de estudo, diz Aline, cresce de forma bastante expressiva porque as empresas buscam, cada vez mais, estar presentes na vida das pessoas não basta mais apenas serem as mais lembradas. "Para isso, elas precisam saber como entrar na vida destas pessoas."
Para fazer o estudo, os pesquisadores visitam, em geral, de oito a quinze famílias, em conversas que duram até oito horas. "É o tempo suficiente para a pessoa se desarmar e entrarmos realmente na intimidade, na rotina dela."
Para o diretor da unidade de negócios da Kraft Foods em Recife, Márcio Salvadego, este tipo de estudo é importante para complementar as informações vindas de outros tipos de pesquisa tradicionais. A própria estrutura da Kraft Foods no Nordeste nasceu da necessidade que a empresa tinha de conviver mais de perto com a realidade de uma região na qual via um crescente potencial de consumo. "A cabeça pensa onde os pés pisam. É diferente de fazer marketing sentado em um escritório em Curitiba", diz o diretor. "Posso comprar muitas informações ou pesquisas, mas a imersão é diferente. Quando você conhece o dia-a-dia das pessoas, sabe a música que as pessoas ouvem e como elas se comportam em casa e nas lojas. A comunicação é mais eficiente."
Além de usar as pesquisas etnográficas, Salvadego conta que dedica pelo menos 20% da sua semana longe do escritório seja em visita a clientes, em supermercados ou mesmo em contato direto com os consumidores. "É parte do meu caminho criativo."
Foi destas experiências que nasceram, por exemplo, os sabores regionais de Tang, como cajá e graviola. Foi assim também que surgiu a idéia de patrocinar a festa de São João e, principalmente, como fazer isso. "Eu tive que estar presente no evento, circular, interagir com as pessoas, para entender como poderíamos participar da festa e deixá-la ainda mais bonita."
Classe C
Não só a Kraft, mas muitas outras empresas do país têm utilizado os estudos "in loco" para entender, em especial, o comportamento dos consumidores da classe C uma parcela da população cujo potencial de consumo vem crescendo de forma expressiva.
A gerente do projeto Nordeste da Sadia, Daniela Zucchini, diz que a etnografia, aliada a pesquisas tradicionais, tem sido uma ferramenta importante para a empresa entender melhor o consumidor de baixa renda. "A gente já tinha muita literatura, ouvia falar muito destes consumidores. Mas é muito distante. Mesmo os números eram muito frios", diz. "Este tipo de pesquisa ajuda a entender os valores, os sonhos e as aspirações destas pessoas. Conhecer a rotina, os hábitos de compra e a relação delas com as marcas tem dado subsídio para as nossas ações."
A Sadia fez uma série de pesquisas deste tipo ao longo de três meses. Profissionais das áreas de marketing, pesquisa de mercado e desenvolvimento de produtos visitaram uma série de famílias, sempre acompanhados de uma antropóloga. Os resultados, diz a gerente, começam a aparecer na forma de comunicação e logo devem chegar ao mercado em forma de produtos. "Elas estão servindo de base para os estudos", diz Daniela, sem revelar mais detalhes do que deve ser lançado.