A descoberta do pré-sal em 2006 tinha tudo para ser o início da ascensão da Petrobras para o grupo das maiores companhias do mundo. Mas o potencial da empresa, que além de novas reservas tinha a capacidade técnica de transformá-las em lucro, foi engolido pela política que a cerca. Passados oito anos, a companhia vive a pior crise da sua história, coroada com uma CPI que investigará um contrato que pode ter custado de forma indevida mais de US$ 1 bilhão à companhia.
INFOGRÁFICO: Veja os efeitos das intervenções econômicas do governo na Petrobras
Nos últimos anos, a intenção do governo foi transformar a Petrobras em mais do que uma petroleira. Ela seria o motor de um projeto de crescimento econômico baseado no desenvolvimento de tecnologia e fornecedores nacionais e, como tem se confirmado nas últimas semanas, se tornaria parte importante do jogo político.
A face mais notável desse segundo papel está na defasagem dos preços de derivados de petróleo no país. A empresa assumiu o prejuízo de importar diesel e gasolina por um valor e vender por menos no Brasil, com o objetivo claro de segurar artificialmente a inflação. Nos últimos três anos, esse desequilíbrio resultou em um prejuízo R$ 12,3 bilhões ao caixa da companhia (perda que beira os R$ 50 bilhões quando se calcula o lucro que ela teria sem a intervenção) e fez o valor de mercado da empresa cair pela metade, para R$ 198 bilhões.
"O problema da política de preços dos combustíveis é a forma como ela é aplicada, sem qualquer regra definida e com um distanciamento crescente em relação aos preços do mercado internacional, comprometendo o lucro da companhia", afirma Marcelo Colomer Ferraro, economista do Grupo de Economia da Energia (GEE) do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Segundo o Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), no dia 24 de março a defasagem de preços era de 17% para a gasolina e 12,3% para o diesel. Mantida por anos, essa política minou o caixa da empresa, que precisou aumentar suas dívidas. Esse prejuízo agora começa a ser somado a outras perdas, como a da transação em que a Petrobras comprou a refinaria de Pasadena nos Estados Unidos, e o aumento exorbitante no custo de alguns projetos, como a refinaria Abreu de Lima, em Pernambuco, dois negócios que passam por investigação.
"O governo tratou a Petrobras como se fosse 100% estatal, loteou a empresa para partidos políticos e usou a companhia para controlar a inflação", resume o consultor Adriano Pires, do CBIE. "Não bastasse isso, apostou em projetos sem que houvesse o cuidado da viabilidade econômica dos investimentos, principalmente na área de refino."
Refinarias
Enquanto a produção nacional de petróleo avança a passos lentos, as refinarias batem recordes de refino do óleo cru importado. No ano passado foram 404 mil barris de petróleo por dia, 17% a mais do que em 2012. Com o parque de refino operando no limite, a Petrobras depende de novas plantas para dar fôlego à produção, mas esbarra em obras atrasadas e superfaturadas.
A refinaria de Pernambuco é um exemplo claro da mão do governo na gestão da companhia. Anunciada pelos ex-presidentes Lula e Hugo Chávez em 2005, a refinaria seria construída em uma parceria com a estatal de petróleo da Venezuela (PDVSA), mas nunca recebeu um centavo dos venezuelanos. Além do atraso na obra, cuja operação deveria ter começado em 2011, o custo saltou de US$ 2 bilhões para US$ 18 bilhões. Outra obra atrasada é o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro, anunciado em 2006 e que deveria ter iniciado a produção em 2011. Ainda em obras, só deve entrar em operação em 2016 com um custo de R$ 31 bilhões, R$ 12 bilhões a mais do que o orçamento inicial.
Pré-sal marca virada na visão sobre a empresa
Materializada no controle artificial do preço dos combustíveis, a intervenção do governo na Petrobras tem raízes bem mais profundas. Desde a descoberta do pré-sal, o papel da empresa na economia foi redesenhado. O novo marco regulatório a elegeu como operadora de todos os campos de petróleo do pré-sal para garantir que o governo brasileiro controlaria todo o processo de exploração de petróleo. O objetivo era aproveitar a chance de desenvolvimento tecnológico e a possibilidade de mais empresas nacionais participarem da cadeia de produção tese que até agora não mostrou ser correta.
Com a crise econômica de 2008, o uso da estatal como ferramenta de gestão econômica ficou ainda mais forte. "A partir dali, o governo mudou todo o setor e onerou ainda mais a Petrobras. Passou a controlar o preço de venda do combustível para incentivar a compra de automóveis e enfrentar os efeitos da crise", explica o consultor Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE).
A conta acabou ficando cara demais para a companhia. Operar no pré-sal é caro, exige arcar com pesados investimentos em pesquisas, testes e equipamentos. Como operadora, a Petrobras também é obrigada a cumprir a regra do conteúdo local, que estabelece um índice mínimo de aquisição de equipamentos nacionais para as empresas do setor de petróleo e gás que varia entre 50% e 60%. Essa política faz com que a Petrobras pague mais caro por equipamentos e sofra com atrasos e problemas de qualidade de fornecedores novos.
Nem mesmo a capitalização da empresa, em 2010, funcionou para dar mais força à companhia. O governo permitiu que ela captasse recursos no mercado vendendo ações, mas com a condição de que ele aumentaria sua participação acionária dando em troca reservas de petróleo inexploradas. O governo ganhou mais espaço na Petrobras, sem dar em troca a gestão que todo o conhecimento técnico e capital humano acumulado dentro da empresa merecia, como comprova a prisão do ex-diretor de abastecimento, Paulo Roberto Costa.