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A mudança na política de preços de combustíveis anunciada pela Petrobras no último dia 16 gerou uma série de incertezas para investidores e acionistas, além de riscos para a própria empresa e para o setor, segundo especialistas. Isso porque a medida abre margem para uma ingerência maior do Planalto sobre os preços praticados pela companhia, o que pode sufocar a livre concorrência e eventualmente ameaçar o abastecimento de combustíveis – que hoje também depende do setor privado.
Pelo modelo anterior, conhecido como PPI (de preço de paridade de importação), a empresa alinhava o valor dos derivados que saem de suas refinarias à cotação internacional do petróleo e a custos de logística para importação. A estratégia foi adotada em outubro de 2016, no mandato de Michel Temer (MDB), depois de o governo de Dilma Rousseff (PT) ter utilizado a Petrobras para controlar artificialmente os preços dos combustíveis, o que gerou prejuízos bilionários à companhia.
Além de evitar prejuízos à estatal, o alinhamento aos valores dos derivados provenientes do exterior servia para manter o mercado competitivo para que refinarias privadas e importadores atuassem no mercado brasileiro. Embora seja autossuficiente na produção de petróleo, a Petrobras é incapaz de refinar todo o combustível que os brasileiros demandam.
Como havia prometido o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) desde a campanha eleitoral, a Petrobras abandonou o PPI. Em substituição, passou a adotar um regime que leva em consideração, além da cotação internacional do petróleo, outras variáveis. No comunicado em que anunciou a mudança, a empresa diz que a nova estratégia comercial usa referências de mercado como “o custo alternativo do cliente” e “o valor marginal para a Petrobras”.
Embora a empresa tenha afirmado ter compromisso com a sustentabilidade financeira de longo prazo, as novas referências para a composição de preços não são claras, o que diminuiria a transparência para o mercado.
“Parece-nos que o processo de fixação de preços tornou-se muito mais complexo de definir do que apenas o PPI e, consequentemente, mais difícil de ser auditado pelos órgãos fiscalizadores internos e externos da Petrobras”, comenta a XP Investimentos em relatório assinado por Andre Vidal e Helena Kelm, analistas de Óleo, Gás e Petroquímicos.
“Embora o PPI tenha sido eliminado, a nota divulgada pela empresa não deixa claro qual será a regra que irá balizar os preços a partir de agora, o que dá margem para medidas discricionárias em relação aos preços dos combustíveis para conter artificialmente a inflação”, diz Pedro Raffy Vartanian, professor de Economia da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
“Quando a Petrobras fala que pode fixar os preços de acordo com o ‘custo marginal’, ela está dizendo que pode fazer isso pela paridade internacional. Mas quando diz que também pode fixá-los com base no ‘custo alternativo do cliente’ está deixando a porta aberta para praticar preços abaixo dos praticados lá fora”, resumiu o ex-presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, em entrevista ao "Estadão".
“Se a Petrobras quiser se comportar conforme a paridade, ela poderá, mas provavelmente não vai fazer isso, dado que existe uma forte oposição política do governo a essa política”, acrescentou.
Prova de fogo da política de preços da Petrobras virá em caso de alta do petróleo
No mesmo dia que alterou a política de preços, a Petrobras anunciou reduções no valor da gasolina (-12,6%), do diesel (-12,8%) e do gás de cozinha (-21,3%) em suas refinarias. O corte, no entanto, poderia ter sido executado ainda sob o antigo modelo de precificação, uma vez que os preços que a companhia praticava já estavam bem acima da paridade de importação, segundo relatório da Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom).
“O contexto atual de câmbio, com o fortalecimento do real em relação ao dólar, junto com as quedas no mercado internacional das cotações de petróleo e diesel, são propícios para um reajuste de preços para baixo que não crie grandes distorções com o valor do produto importado”, comenta Amance Boutin, especialista em combustíveis da Argus, empresa especializada na produção de relatórios e análises de preços para o mercado de combustíveis, agricultura, fertilizantes, gás natural e energia elétrica. “A nova política de preços será colocada à prova mesmo em uma situação de subida das cotações lá fora.”
Um cenário em que o governo controlasse artificialmente de preços, gerando prejuízos à Petrobras, provocaria um efeito em cascata, com queda no valor dos dividendos distribuídos, inclusive para a própria União, e desvalorização das ações da companhia.
Sem a possibilidade de competir com os preços controlados, refinarias privadas e importadores poderiam ter dificuldade de atuar no mercado brasileiro, o que reduziria investimentos no setor e poderia ocasionar até mesmo risco de desabastecimento. Em um país com mais de 70% da frota com tecnologia flex, a gasolina subsidiada também impactaria diretamente o mercado de etanol, como ocorreu durante o governo de Dilma Rousseff (PT).
“O grande teste (e consequente risco) será em um cenário de choque dos preços. Somente então poderemos presenciar qual rumo a empresa irá tomar na precificação dos combustíveis: menor repasse para os consumidores, em detrimento das margens e rentabilidade da própria empresa; ou repasse suavizado dos preços, ponderando entre uma certa diminuição de suas margens, mas com aumento dos preços para o consumidor final”, comenta Pedro Canto, analista da CM Capital.
O presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, nega haver intervenção do governo na gestão da empresa. “Não há intervenção absolutamente nenhuma. O presidente Lula, quando fez a campanha, ele disse isso que eu estou dizendo aqui. Não faz sentido um país lutar pela autossuficiência, não faz sentido Getúlio Vargas e todos os outros lutarem para ter parque de refino e, depois, a gente praticar o preço importado, como se a gente importasse tudo”, declarou, em entrevista coletiva, logo após o anúncio da mudança no modelo de precificação.
“Não há intervenção nesse sentido de dizer assim: ‘bote o preço assim’. Não, os instrumentos competitivos da Petrobras, os instrumentos de rentabilidade, de garantia de financiabilidade da companhia estão integralmente garantidos”, afirmou.
Nesta sexta-feira (2), Prates tentou novamente afastar desconfianças, afirmando que os preços de gasolina e diesel permanecerão "próximos das referências internacionais" e só vão "oscilar menos". "Abrasileirar os preços, como temos dito, não é nacionalizar os preços, não é transformar em preço tabelado, nem isolar a Petrobras e o Brasil do mundo”, afirmou ao jornal "Valor".
Ainda no dia 16, senadores da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado Federal aprovaram um convite para que Prates explique as alterações na política de preços, em data ainda a ser definida.
“Nenhuma empresa pode funcionar à base de preços excessivos, que arrocham o consumidor, muito menos com preços subdimensionados que destroem a empresa. Então, queremos confirmar que a intenção da Petrobras é funcionar como uma empresa eficiente e qualificada”, disse Alessandro Vieira (PSDB-CE), autor do requerimento.
Logo após o anúncio do fim do PPI, as ações preferenciais da Petrobras dispararam, chegando a valorizar 5,58% durante o pregão. Analistas do mercado financeiro consideram que a variação refletiu principalmente um “alívio” em relação à possibilidade de uma mudança mais drástica na política de preços da companhia. “Havia muita desconfiança pairando sobre esse anúncio”, diz Frederico Nobre, líder da área de análise da Warren.
A manutenção de uma ancoragem dos preços no mercado internacional pode ser explicada pelo Estatuto Social da empresa, que prevê responsabilização de conselheiros por prejuízos, e por sua diretriz de formação de preços, diz que “a Diretoria Executiva deverá preservar e priorizar o resultado da Companhia, buscando maximizar sua geração de valor”.
“Uma das principais questões (e riscos) para o caso de investimento é o que o governo fará se os preços internacionais dos combustíveis dispararem. O governo vai tentar mudar o Estatuto da Petrobras? Achamos que o governo ainda não tentou essa via de ação porque não é rápida nem fácil: muito provavelmente, os minoritários lutarão contra essa mudança na CVM com base no abuso de poder de controle previsto na Lei das Sociedades por Ações (6.404/1976)”, escrevem os analistas da XP.
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