Plataforma de exploração de petróleo da Petrobras: semana passada mesmo, a empresa deu os primeiros passos para sua retirada do setor elétrico| Foto: ABR/Petrobras

A crise provocada pela queda livre ocorrida nos preços do petróleo desde outubro de 2014 é mais severa no Brasil do que aquela que força empresas produtoras do mundo todo a se adequarem ao cenário adverso, vendendo ativos e cortando custos.

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Altamente endividada e com pouco dinheiro para investir, a “nova Petrobras”, que começou a surgir sob a gestão de Aldemir Bendine, ainda enfrenta o descrédito do mercado financeiro e de parceiros desde que a Operação Lava Jato, da Polícia Federal, revelou a existência de um esquema de corrupção envolvendo a empresa e fornecedores.

Para conseguir retomar o crescimento, a Petrobras decidiu encolher de tamanho e abandonar várias áreas de negócio. Na semana passada mesmo, a empresa deu os primeiros passos para sua retirada do setor elétrico e colocou à venda 21 usinas térmicas e gasodutos por onde circula o gás que as abastece. O foco, agora, é a produção de petróleo, principalmente nas áreas do pré-sal – embora, ao mesmo tempo, haja uma movimentação do governo no sentido de permitir maior flexibilização na operação dessas áreas.

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Sem fôlego para investimentos de porte, a Petrobras já não quer dominar todo o elo da cadeia e, na medida em que se retira de projetos, demite e provoca falência de fornecedoras, principalmente no setor naval. Para Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), falta estratégia de longo prazo à nova Petrobras, ao contrário do que ocorre com outras empresas.

“A Shell, por exemplo, já produz mais gás natural do que petróleo, porque é mais barato e menos poluente. Ele será o combustível da transição, mas a Petrobras está diminuindo a importância da área, vendendo ativos. Está se tornando uma outsider”, pondera o consultor.

O diretor da consultoria MaxiQuim, Otávio Carvalho, diz ainda que “as grandes petroleiras globais possuem um braço petroquímico para que, em momentos como o atual, quando margens de exploração e produção são menores, elas se beneficiem nessa outra ponta”.

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Flexibilização

Na Petrobras, depois da substituição de toda a diretoria, em fevereiro de 2015, o caminho foi abrir espaço para que outras petroleiras atuem no Brasil e resgatem a indústria fornecedora, que vem minguando. A presidente Dilma, que por anos se negou a atender aos pedidos das estrangeiras para que mais leilões de concessão de reservatórios fossem feitos e para que a operação no pré-sal fosse flexibilizada, já dá sinais de que está disposta a negociar.

A Lei da Partilha (12.351/2010), que trata do pré-sal, define que a Petrobras deve liderar todo o investimento na área, com ao menos 30% de participação nos desembolsos. Mas Dilma, diante da falta de capacidade de investimento da companhia, tem se reunido com presidentes de multinacionais e com o ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, para elaborar um pacote de medidas que, na prática, servirá para acabar com o predomínio da Petrobras no pré-sal e a dependência que os fornecedores têm da estatal.

A flexibilização do setor vai começar pela venda de áreas de pré-sal contínuas a outras, já em fase de exploração e produção. O processo é conhecido tecnicamente como unitização. Porém, há um impasse sobre quem deve operá-las, se o concessionário do bloco original, se a Petrobras – por ser área de pré-sal – ou uma empresa nova. A dúvida ocorre porque as concessões originais foram feitas antes do marco regulatório do pré-sal, que exige a participação de 30% da Petrobras.

Como solução, o governo planeja realizar um leilão dos blocos de unitização no pré-sal. As companhias vencedoras terão o direito de negociar diretamente com a operadora dos blocos originais um arranjo societário capaz de solucionar o impasse. Como a Petrobras é a dona da maior parte dessas áreas, caberá a ela escolher em quais dessas áreas de pré-sal quer continuar e quais quer vender, dentro do seu plano de desinvestimento.

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“O pré-sal é um dos grandes diferenciais da Petrobras, pelo seu custo de produção de US$ 8”, afirmou Bendine, ao anunciar os ajustes no plano de investimentos dos próximos quatro anos, em janeiro.

Tamanho

Ao todo, a Petrobras abriu três frentes de atuação para reduzir de tamanho. A estatal planeja vender US$ 57 bilhões do seu patrimônio até 2019, investirá menos e ainda cortará custos operacionais. A companhia já anunciou o repasse de 49% da subsidiária de distribuição de gás natural, a Gaspetro, para a japonesa Mitsui. Também elaborou um cardápio de ativos dos quais quer se desfazer, incluindo parte da BR Distribuidora.

Em linha com a proposta de focar o investimento na produção de petróleo, já em 2015 começou a priorizar o gasto com obras, em projetos onde está disposta a crescer, na diretoria de exploração e produção. Dos R$ 51 bilhões despendidos em novas construções, 69% foram para essa diretoria, principalmente para o pré-sal.

Segundo análise de Eric Barret, professor do Insper e diretor da consultoria M2M, a área de abastecimento – produção e comercialização de combustíveis –, a segunda a receber mais dinheiro, ficou com apenas 16% do total. A subsidiária de biocombustíveis, a Pbio, responsável pela geração de energia alternativa, ficou sem verba para crescer.

O corte de investimento é bilionário. Até outubro do ano passado, o plano era gastar US$ 23 bilhões de 2015 a 2019. No mês passado, a empresa ajustou o número para US$ 20 bilhões e um valor ainda menor deve ser divulgado até março, já com as projeções para 2020. Os gastos operacionais ainda estão em estudo.

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A projeção inicial era de US$ 29 bilhões, mas a Petrobras colocou o orçamento em revisão, sem indicar a que valor vai chegar. A maior parte da economia virá das demissões e reestruturação interna, que está em processo.

Para Adriano Pires, o comando da estatal “abandonou a obsessão ideológica para adotar uma obsessão financista”, em referência ao foco em disciplina de capital para diminuir o comprometimento do caixa com o pagamento de dívidas.

“Isso é necessário, mas só faz sentido se estiver incorporado a uma estratégia de longo prazo, para a empresa voltar a ser relevante daqui a cinco anos”, reafirma Pires. “Não adianta capitalizar se não houver definição de futuro. Hoje, os investidores não sabem qual é essa estratégia porque ela não existe”, completa.

Química ‘verde’ pode perder força

O preço do petróleo em um patamar próximo a US$ 30 por barril – ou abaixo disso – tem influência nos próximos anos não apenas nas estratégias de negócios das petroleiras, mas também em setores intensivos no uso da commodity e seus derivados, bem como em fornecedores da cadeia. O impacto é direto na área de pesquisa e desenvolvimento de energias alternativas, a despeito de o mundo mirar avanços rumo à sustentabilidade propostos na 21.ª Conferência do Clima (COP 21) no ano passado.

Beneficiada pelo petróleo desvalorizado, a indústria petroquímica pode ser obrigada a repensar o avanço em direção à produção a partir de fontes renováveis. “A química verde não compete com o petróleo a US$ 30 o barril”, diz o diretor da consultoria MaxiQuim, Otávio Carvalho. Embora a produção renovável tenha apelo em nichos de mercado, o especialista destaca que, de maneira geral, “ninguém paga uma passagem mais cara porque o combustível da aeronave é verde”.

Por isso, a percepção de Carvalho é de que o fim da era do petróleo só ocorrerá quando a química verde ou outra fonte renovável for mais econômica que o petróleo. Mais do que isso, o especialista avalia que, se for vislumbrado um cenário em que petróleo permaneça baixo por muito tempo, “dentro de dois ou três anos, voltará a haver análises sobre investimentos em nafta, o que não ocorria desde o início dos anos 2000, na Arábia Saudita, quando esse derivado de petróleo era subsidiado”, relembra Carvalho.

Competitividade

Desde então, os principais projetos do mundo foram idealizados a partir da exploração do gás natural. “Havia uma grande diferença de custo entre quem utilizava o gás natural e quem usava a nafta, e a margem do gás foi muito favorável durante algum tempo. Na medida em que o preço do petróleo cai, a diferença de preço relativo muda e as margens entre nafta e gás hoje são mais próximas”, comenta Carvalho. Como a química nacional tem a nafta como principal insumo, a nova relação de preços entre o petróleo e o gás torna a indústria nacional mais competitiva.

Os balanços da Braskem, única grande petroquímica brasileira, são mostra disso. A receita líquida da companhia entre janeiro e setembro de 2015 cresceu apenas 2%, para R$ 34,9 bilhões, porém o lucro saltou 265% em igual período, para R$ 2,7 bilhões. O número supera o lucro de R$ 2,1 bilhões acumulado pela Petrobras, uma das controladoras da Braskem, no mesmo período.

Mesmo assim, a Braskem confronta a avaliação de que o desenvolvimento de tecnologia e processos para uma economia sustentável será interrompido. A empresa afirma que a estratégia de apostar na química verde “está mantida”.

O esperado avanço na produção de resinas termoplásticas a partir da cana de açúcar, contudo, pouco se assemelhou ao que se vislumbrava no início desta década, após o início da produção de “polietileno verde”. A expectativa da Braskem de viabilizar novas linhas de produção “verde” não saiu do papel, assim como projetos idealizados pela norte-americana Dow Chemical e pela belga Solvay, todos com base na utilização da cana de açúcar.

Carros

Na indústria automobilística, a disposição também é de manter os investimentos no desenvolvimento de energias renováveis no mesmo ritmo, segundo o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores, Luiz Moan. Há anos o setor empenha esforços para colocar no mercado carros elétricos, que possam competir com os modelos movidos a combustão. Mas o fato é que, hoje, a maioria das empresas não se arrisca mais a fazer previsões de quando esse objetivo será alcançado.

“Havia, entre as montadoras, uma onda de inovação que pode perder força, não só pela queda do preço do petróleo, mas também por causa da demanda por veículos enfraquecida no Brasil”, analisa o economista-chefe do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Rafael Cagnin. Ele concorda, no entanto, que o movimento em direção às energias alternativas permanecerá, ainda que em ritmo mais lento.

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