As projeções do mercado para o crescimento da economia brasileira em 2021 vão da estagnação ao otimismo. De acordo com a última edição do Boletim Focus, do Banco Central, há economistas prevendo aumento de apenas 0,63% para o Produto Interno Bruto (PIB) no ano que vem, enquanto outros estimam crescimento de 5,29%. A mediana está em 3,50%. Mas, se as previsões têm números para todos os gostos, uma percepção parece ser consenso entre representantes do mercado: o ano que vem será marcado pela incerteza.
O principal motor da imprevisibilidade está em Brasília. Economistas condicionam um desempenho positivo da economia brasileira à manutenção de pilares fiscais, como o teto de gastos. Alguns analistas, inclusive, salientam a necessidade de realização de reformas para que o Brasil tenha crescimento em 2021.
Não é preciso ir muito longe para entender o cenário. Em 2020, por conta da pandemia do novo coronavírus, o governo abriu os cofres para conceder incentivos à economia – decisão acertada diante da calamidade provocada pela doença, na opinião de especialistas.
Os mecanismos de ajuda, no entanto, provocaram uma explosão da dívida pública, que já vinha em trajetória de alta. A dívida bruta do setor público, que terminou 2019 pouco abaixo de 76% do PIB, atingiu 90,75% do PIB em outubro, segundo o BC. A projeção do Ministério da Economia é de que, em 2025, a dívida ultrapasse 100% do PIB.
Nesse contexto, a solvência do governo brasileiro preocupa os investidores. Na visão dos economistas, mesmo que a atividade internacional colabore – com o aumento do preço das commodities agrícolas e a demanda forte em países importadores, como a China –, 2021 precisa ser um ano de ajustes.
“O cenário é binário. Se o governo mantiver o teto de gastos, avançar com reformas, diminuir a incerteza e o risco da dívida, teremos uma retomada mais forte da economia. Mas, se houver sinalizações ruins do ponto de vista fiscal e pressão por aumento de gastos, a dívida entrará em uma trajetória preocupante, os investimentos vão cair e teremos fuga de capital. Aí o desempenho da economia vai para baixo”, avalia Marcos Mendes, professor associado do Insper.
Espaço estreito para gastos discricionários contrasta com necessidade de amparo na pandemia
Fechar a torneira dos gastos, entretanto, não será tarefa fácil para o governo federal. Em primeiro lugar, a pandemia está longe de ter acabado. Neste fim de 2020 o país vive uma escalada de casos e mortes, o que provocou a retomada de medidas de restrição de circulação em alguns estados. Com isso, a expectativa é de que, após a alta de 7,7% no terceiro trimestre, o PIB apresente desempenho mais modesto no último trimestre do ano.
Além disso, o governo terá, por exemplo, que arcar com os custos para a vacinação da população – gastos que ficarão para 2021 visto que, em dezembro, o Executivo não havia nem iniciado a compra de insumos, como seringas, para o processo de imunização.
A gestão de Jair Bolsonaro (sem partido) também terá de resolver o nó criado pela concessão do auxílio emergencial. O benefício, que estimulou o consumo das famílias e segurou as pontas da economia durante a pandemia, acaba em dezembro. Após ter ensaiado – e abandonado – um novo programa social, o Renda Brasil, o governo ainda não tem uma solução para os brasileiros que ficarão desassistidos com o fim do auxílio.
A perspectiva é de que a recuperação do mercado de trabalho seja lenta, isto é, sem compensar imediatamente os efeitos da retirada do benefício. Há quem diga que o aumento da poupança, registrado em 2020, pode compensar ao menos parte do fim do auxílio no ano que vem. A lógica é de que, com a normalização da questão de saúde pública, as pessoas voltariam a gastar o dinheiro que pouparam. Mas não são todos os economistas que concordam com a tese.
De qualquer forma, a questão é que, com a volta da vigência das metas fiscais – deixadas em stand by por conta do estado de calamidade pública –, o Executivo federal também está, de novo, no cenário de aperto financeiro. Agora, no entanto, a situação é ainda mais grave que antes da Covid-19.
Mais endividado e com gastos extras, o país terá menos espaço para gastos discricionários, isto é, de livre escolha pelo governo. O Ministério da Economia precisará acomodar, ainda, o aumento das despesas obrigatórias indexadas pela inflação, que acelerou no segundo semestre de 2020 e deve permanecer mais alta durante 2021.
“No nosso cenário base, haverá um efeito importante dessa retirada dos estímulos. O auxílio emergencial foi bastante relevante durante 2020 e, na nossa avaliação, a sua retirada também vai pesar para o outro lado. Na nossa previsão, consideramos que o governo mantém o pilar fiscal e, além disso, que consegue lidar com a pandemia de maneira satisfatória, com a imunização em massa a partir do segundo trimestre”, detalha Alessandra Ribeiro, sócia-diretora da área de macroeconomia e análise setorial da Tendências Consultoria.
A previsão da Tendências, de crescimento do PIB em 2,9% em 2021, é mais conservadora do que a mediana do mercado, de 3,5%, segundo o último boletim Focus (veja mais previsões ao fim do texto).
Mercado vê juros baixos como um dos motores do crescimento, mas BC sinaliza mudança
Se do ponto de vista fiscal o governo está de mãos atadas, a política monetária é um dos trunfos para estímulo à atividade considerados nos cenários dos economistas. A taxa básica de juros, a Selic, já está em seu menor patamar histórico, de 2%. Como a inflação é mais alta que isso, os chamados juros reais estão negativos.
"Os juros baixos estão estimulando setores sensíveis ao crédito. As projeções do BC e do mercado para a inflação continuam ou perto da meta ou abaixo da meta. Por isso, no nosso cenário, os juros ficam em 2% até o final do ano que vem, começando a subir nos últimos meses do ano", diz Luka Barbosa, economista do Itaú Unibanco.
A última reunião do ano do Comitê de Política Monetária (Copom), porém, criou incerteza em relação aos juros. Em seu comunicado ao mercado, o Copom manteve a taxa em 2%, mas afirmou que o forward guidance – espécie de indicação de intenção da autoridade monetária para o médio prazo – será alterado "em breve".
"O Copom avalia que, desde a adoção do forward guidance, observou-se uma reversão da tendência de queda das expectativas de inflação em relação às metas para o horizonte relevante. Além disso, ao longo dos próximos meses, o ano-calendário de 2021 perderá relevância em detrimento ao de 2022, que está com projeções e expectativas de inflação em torno da meta. A manutenção desse cenário de convergência da inflação sugere que, em breve, as condições para a manutenção do forward guidance podem não mais ser satisfeitas, o que não implica mecanicamente uma elevação da taxa de juros pois a conjuntura econômica continua a prescrever estímulo extraordinariamente elevado frente às incertezas quanto à evolução da atividade", diz o comunicado do BC.
Na opinião de Gustavo Arruda, economista-chefe do BNP Paribas no Brasil, a sinalização de alteração do forward guidance já constitui, na realidade, uma mudança de orientação. "Na minha avaliação, o compromisso do BC já foi desfeito. Quando ele vai tirar acaba sendo menos relevante, porque ele já sinalizou como está pensando", afirmou Arruda em coletiva de imprensa.
Crescimento do PIB em 2021 não significa, necessariamente, retomada vigorosa da economia
Mesmo supondo que tudo dê certo e o país chegue às projeções mais otimistas do mercado, isso não significa que o crescimento registrado em 2021 possa ser considerado, de fato, sinal de uma recuperação vigorosa da economia.
O motivo está no chamado carry over, ou carregamento estatístico. Para entender do que se trata, veja o gráfico abaixo: se observarmos o desempenho do PIB ao longo de 2020, veremos uma grande queda no segundo trimestre do ano (-9,6% frente ao trimestre anterior, de acordo com dados do IBGE). Com isso, o PIB do ano como um todo será negativo – a previsão do mercado é de -4,4%, segundo a mediana do Boletim Focus.
Porém, depois do segundo trimestre, a economia passou a crescer rapidamente, revertendo parte das perdas. Com isso, mesmo se o país apenas mantiver o desempenho registrado no quarto trimestre de 2020, que deve ser positivo, o PIB de 2021 já será superior ao de 2020. Dito de outra forma, a base de comparação (o resultado total de 2020) será tão fraca que basta a economia permanecer igual ao nível do último trimestre do ano para apresentar índices melhores em 2021.
“A recuperação deve ser suave, tendo como principal fator a base de comparação muito baixa”, concorda Pedro Paulo Silveira, economista-chefe da Nova Futura Investimentos. No cenário projetado por ele – em que não há renovação do auxílio emergencial e Congresso e governo encaminha ao menos alguma reforma estruturante –, o país deve cresce entre 3% e 3,5% em 2021.
PIB do Brasil em 2021: confira algumas projeções
Instituição | Projeção de crescimento PIB em 2021 |
OCDE | 2,6% |
Tendências Consultoria | 2,9% |
BNP Paribas | 3% |
Governo federal (boletim macrofiscal) | 3,2% |
XP Investimentos | 3,4% |
Boletim Focus (mediana) | 3,5% |
FGV/Ibre | 3,5% |
Bradesco | 3,9% |
Itaú | 4% |
Banco Safra | 4,5% |
Banco Fibra | 5% |
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