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Puxada pelo crescimento da indústria e dos serviços, a economia brasileira cresceu 7,7% no terceiro trimestre de 2020, na comparação com os três meses anteriores. Os números do Produto Interno Bruto (PIB) foram revelados nesta quinta-feira (3) pelo IBGE.
Ainda que recorde, o crescimento trimestral não foi suficiente para compensar as perdas da primeira metade do ano, provocadas pela pandemia de coronavírus. Segundo o IBGE, o PIB encolheu 1,5% no primeiro trimestre e 9,6% no segundo, na maior queda trimestral da história.
Indicadores de prazo mais longo evidenciam que a economia brasileira ainda está abaixo dos níveis de um ano atrás – na verdade, encontra-se em patamares semelhantes aos de 2017, de acordo com o IBGE.
Na comparação com o resultado do terceiro trimestre de 2019, o PIB encolheu 3,9%. No acumulado dos nove primeiros meses do ano, a geração de riquezas ficou 5% abaixo da registrada no mesmo período do ano passado. E, no acumulado de 12 meses, a retração foi de 3,4%.
Alta de 7,7% ficou abaixo da esperada pelo governo e perto das projeções mais pessimistas
O avanço de 7,7% no terceiro trimestre ficou abaixo do esperado pelo governo – o Ministério da Economia previa alta de 8,3% no terceiro trimestre sobre o segundo.
O resultado divulgado pelo IBGE era esperado por parte dos economistas – os mais pessimistas, no caso. Ficou abaixo da média das projeções do mercado, e muito aquém das mais otimistas.
Consultorias e instituições financeiras consultadas pela agência Bloomberg projetavam crescimento entre 7,4% e 11,2% no PIB, com mediana de 8,7%. Em levantamento do jornal "Valor", as previsões de bancos e consultorias variavam de 7,4% a 9,5%, com mediana de 8,8%.
Indicadores sugerem desaceleração no quarto trimestre e começo de 2021
Além de o avanço do terceiro trimestre não ter sido suficiente para compensar a retração da primeira metade do ano, há alguns sinais de enfraquecimento da atividade econômica no atual trimestre, o último do ano.
Indicadores antecedentes de atividade, elaborados por diferentes instituições para acompanhar a economia em "tempo real", sugerem que a recuperação exibida nos meses anteriores pode ter perdido força em outubro. Entre as possíveis causas estão a redução do auxílio emergencial, de R$ 600 para R$ 300, e o avanço da inflação.
O efeito negativo da retirada do auxílio tende a se estender para 2021. Após meses de discussões, o governo não definiu um substituto para esse benefício no ano que vem.
O objetivo inicial era incluir mais famílias e ampliar o valor médio do Bolsa Família, que passaria a se chamar Renda Brasil ou Renda Cidadã. Porém, Ministério da Economia, Planalto e Congresso não chegaram a um consenso sobre como financiar essa expansão sem violar o teto de gastos. Com isso, milhões de brasileiros que vinham recebendo o auxílio devem começar 2021 sem qualquer fonte de renda.
Relatório divulgado na quarta-feira (2) pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) afirma que o fim do benefício emergencial e a nova disseminação da Covid-19 devem reduzir o consumo das famílias e limitar a recuperação econômica do país.
O Fundo espera queda de 5,8% do PIB em 2020 e alta de 2,8% em 2021. São projeções mais pessimistas que as de boa parte das instituições brasileiras. Segundo o boletim Focus, do Banco Central, a mediana das projeções de consultorias e bancos aponta para queda de 4,5% em 2020 e alta de 3,45% em 2021.
Governo diz que recuperação econômica dispensa novos auxílios
O governo federal, porém, discorda da necessidade de esticar os auxílios. Essa avaliação foi destacada em negrito em nota técnica publicada pela Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Economia após a divulgação do PIB.
"A forte recuperação da atividade, do emprego formal e do crédito neste semestre pavimentam o caminho para que a economia brasileira continue avançando no primeiro semestre de 2021 sem a necessidade de auxílios governamentais", disse a SPE.
O documento não comenta o fato de o resultado do terceiro trimestre ter vindo abaixo do esperado pelo governo. Na avaliação da SPE, o dado publicado nesta quinta é "robusto" e confirma a recuperação em "V" da atividade econômica.
O resultado do PIB por setores: indústria, serviços e agropecuária
Sob a ótica da produção (ou oferta), o avanço do PIB na passagem do segundo para o terceiro trimestre foi liderado pela indústria, que cresceu 14,8%, e pelo setor de serviços, que subiu 6,3%. A agropecuária, por sua vez, encolheu 0,5%.
"Entre as atividades industriais, destaca-se o crescimento de 23,7% das Indústrias de transformação. Também houve aumento para eletricidade e gás, água, esgoto, atividades de gestão de resíduos (8,5%), construção (5,6%) e indústrias extrativas (2,5%)", informou o IBGE.
Segundo o instituto, todos os segmentos de serviços cresceram. A alta mais forte foi a do comércio, que aumentou 15,9% em relação ao segundo trimestre, seguido por transporte, armazenagem e correio (12,5%); outras atividades de serviços (7,8%); informação e comunicação (3,1%); administração, defesa, saúde e educação públicas e seguridade social (2,5%); atividades financeiras, de seguros e serviços relacionados (1,5%); e atividades imobiliárias (1,1%).
Na comparação dos terceiros trimestres de 2019 e 2020, a agropecuária cresceu 0,4%, a indústria encolheu 0,9% e os serviços apresentaram retração de 4,8%.
O PIB sob a ótica da demanda: investimentos, consumo, governo e comércio exterior
Sob a ótica da demanda, o maior crescimento veio do investimento produtivo, medido pela Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), que cresceu 11% sobre o segundo trimestre.
O consumo das famílias, impulsionado pelo pagamento do auxílio emergencial, avançou 7,6%, ao passo que as despesas de consumo do governo cresceram 3,5%. No comércio exterior, as exportações de bens e serviços recuaram 2,1% no terceiro trimestre e as importações, 9,6%.
Na comparação do terceiro trimestre de 2020 com igual período de 2019, as quedas foram generalizadas. Caíram o consumo das famílias (-6%), o investimento (-7,8%), a despesa de consumo do governo (-5,3%), as exportações (-1,1%) e as importações (-25%).
Taxa de investimento e taxa de poupança
A chamada taxa de investimento, que mede a relação entre a FBCF e o PIB, foi de 16,2% no terceiro trimestre do ano, ligeiramente abaixo da verificada no mesmo período de 2019 (16,3%).
A taxa de poupança, que indica a proporção das riquezas que não foi consumida, aumentou significativamente. Passou de 13,7% do PIB no terceiro trimestre de 2019 para 17,3% no mesmo período de 2020.
Alguns economistas veem nesse aumento da poupança um possível motor de crescimento da economia no começo do ano que vem, caso as famílias decidam consumir ao menos parte do dinheiro que – por precaução ou impossibilidade de gastar – guardaram na pandemia.
Mas a avaliação é cautelosa: ainda que parte da poupança realmente se converta em consumo, é pouco provável que ela seja suficiente, por exemplo, para compensar o fim do auxílio emergencial, que acaba no fim deste mês.
IBGE revisa crescimento do PIB de 2019 de 1,1% para 1,4%
Como costuma fazer a cada terceiro trimestre, o IBGE revisou as taxas de variação do PIB do ano anterior. Com isso, o crescimento da economia brasileira em 2019, antes estimado em 1,1%, foi elevado para 1,4%.
Essa variação mais forte foi resultado, principalmente, de reajustes no PIB do setor de serviços, no consumo das famílias e nos investimentos.