A disseminação do coronavírus além das fronteiras da China levou pânico aos mercados financeiros nos últimos dias e trouxe mais preocupações sobre os rumos da economia. Desde o início do ano, o otimismo já vinha cedendo lugar a previsões mais tímidas. Agora, com os riscos de uma pandemia, as incertezas são maiores. Em meio a muitas dúvidas, pelo menos uma coisa nesse cenário já é dada como certa: a economia do país em 2020 vai crescer menos que o previsto meses atrás.
O governo ainda não tem nova previsão de crescimento do PIB, estimada anteriormente em 2,4%, mas o secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, disse na quinta-feira (27) que a Secretaria de Política Econômica (SPE) deverá rodar em breve uma nova projeção para a economia em 2020. “O que está em dúvida é qual vai ser o impacto do coronavírus no crescimento mundial. Se a gente tiver uma queda muito forte, afeta todo o mundo, e o Brasil também”, afirmou.
O boletim Focus divulgado na quarta-feira (26) pelo Banco Central (BC), que reúne levantamento feito com mais de 100 instituições financeiras, baixou a previsão de crescimento de 2,23% para 2,20%. Foi a segunda queda consecutiva do indicador, redução essa feita antes dos novos focos de coronavírus, especialmente na Itália, com grande impacto em toda a Europa.
Cortes nas projeções de crescimento da economia brasileira em 2020 vêm sendo feitos seguidamente por instituições financeiras. Na semana passada, os bancos Barclays, Citibank, BNP Paribas, ABC Brasil e MUFG Brasil revisaram para baixo as suas estimativas, engrossando um time que já contava com Santander, UBS e JP Morgan. O mais pessimista nesse grupo é o BNP Paribas, que reduziu de 2% para 1,5% a projeção de crescimento do PIB brasileiro. O JPMorgan, depois de ter cortado a estimativa de 2% para 1,9% no início de fevereiro, reduziu mais ainda, para 1,8% nesta semana.
As previsões menos otimistas vêm na esteira de um "mau humor" global. Em nota dirigida aos ministros de Finanças e gestores de bancos centrais de países do G20, na quarta-feira (26), o Fundo Monetário Internacional (FMI) alertou que a disseminação do coronavírus para outros países pode inviabilizar uma recuperação projetada “altamente frágil” para a economia global em 2020.
Exportações para a China
O economista-chefe do Banco ABC Brasil, Luis Otavio de Souza Leal, diz que um dos principais motivos que levaram a instituição a cortar as projeções de crescimento da economia do país de 2,5% para 2% é “o efeito direto da redução da atividade econômica na China nas exportações brasileiras, principalmente soja e minério”. O economista observa, entretanto, que para avaliar o impacto do coronavírus na atividade econômica do Brasil é preciso monitorar as cadeias produtivas e a confiança dos agentes econômicos daqui para a frente.
“Por enquanto, não houve uma piora expressiva na confiança dos empresários e dos consumidores. Já no caso das cadeias produtivas, o impacto pode não ter o efeito como ocorreu na greve dos caminhoneiros, que parou o país totalmente por uma semana, mas depois tudo voltou a funcionar logo em seguida. O grande risco agora é faltar matéria prima para a indústria, com bloqueio nas cadeias de suprimento”, alerta.
Fabricantes de eletrônicos já reportam falta de peças vindas da China. O presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), Humberto Barbato, disse ao "Estado de S. Paulo" que até 30 mil funcionários do setor – principalmente de fabricantes de celulares – devem ter a rotina alterada no curto prazo por redução de jornada ou férias coletivas. Segundo ele, pesquisa com 50 empresas revelou que a produção no primeiro trimestre deve ficar 22% abaixo da estimada anteriormente.
Queda na demanda global
Para o secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida, a crise mundial pode afetar o mercado brasileiro de três formas: queda na demanda global, menor oferta de insumos e redução dos preços de commodities. Em entrevista publicada pelo jornal "O Globo" na quinta-feira (27), Sachsida disse que os técnicos acompanham com cautela o cenário nessas três frentes.
“Se o resto do mundo cresce menos, o Brasil acaba crescendo menos também”, declarou o secretário diante de dados pessimistas sobre e economia global.
Em relatório, a Guide Investimentos, prevê que “as medidas de restrição à mobilidade impostas pelo governo chinês, na tentativa de conter a disseminação do vírus, reduzem a demanda no país asiático, e, em menor grau, a mundial, criando uma pressão negativa sobre as exportações brasileiras”. Segundo a consultoria, as mesmas medidas interrompem o fluxo de bens de capital para a economia brasileira, configurando uma redução na quantidade de insumos disponíveis para produzir.
Na avaliação de Guto Ferreira, analista político-econômico da consultoria Solomon’s Brain, não é só o coronavírus que pode atrapalhar os negócios no Brasil. Para ele, a decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de tirar o Brasil da lista de países em desenvolvimento, pode afetar alguns setores da economia por aqui.
“Com a retirada, diversos setores da nossa economia não estarão mais protegidos e serão prejudicados. Tudo isso alinhado forma um cenário de crescimento bem abaixo das previsões”, conclui, apesar de ainda apostar em expansão de 2,1% do PIB nacional.
Medidas do governo
Mesmo antes do pânico decorrente do coronavírus, setores da economia nacional já manifestavam preocupação os rumos da economia. Às vésperas do carnaval vieram a público informações de que o presidente Jair Bolsonaro pediu ao ministro da Economia, Paulo Guedes, medidas para garantir crescimento de pelo menos 2% do PIB.
Entre as "cartas na manga" que Guedes teria para tentar entregar o que Bolsonaro está cobrando estão mudanças no sistema tributário (reforma tributária), as alterações de regras no serviço público (reforma administrativa), privatizações e abertura do mercado de saneamento.
Além dessas medidas, três propostas de emenda constitucional (PECs) em tramitação no Congresso são classificadas como prioritárias. Uma delas, a PEC dos Fundos Públicos, possibilita o uso de recurso de mais de 200 fundos, os quais recebem R$ 32 bilhões por ano, para abatimento da dívida pública. A outra medida é a chamada PEC Emergencial, que estabelece regras para conter o aumento de despesas públicas, como a redução de salários e da jornada de servidores públicos em até 25%. E está na lista ainda a PEC do Pacto Federativo, que descentraliza repasse de recursos da União para estados e municípios e cria mecanismos para controle de gastos em caso de crise financeira.
Mas para levar em frente essas propostas o governo precisa dos deputados e senadores. Com os atritos recente de Bolsonaro com o Congresso, surgiram dúvidas sobre as possibilidades de o governo conseguir o apoio necessário para aprovação das matérias. E há quem aposte num maior protagonismo do Congresso, com os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre, à frente.
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