O esgotamento dos efeitos da reabertura na economia, as restrições nas cadeias globais de suprimento, a reversão dos estímulos monetários e as pressões no cenário fiscal complicaram o cenário para a economia brasileira em 2022.
Após um crescimento próximo de 5% em 2021, o maior em 11 anos, o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro deve avançar no máximo 2% no ano que vem, segundo as projeções mais otimistas de bancos, consultorias e corretoras coletadas pelo Banco Central. A equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, espera um pouco mais e prevê crescimento de 2,1%.
Na outra ponta, os mais pessimistas preveem queda do PIB de até 1%. Entre um extremo e outro, o ponto médio das expectativas aponta para um crescimento econômico de apenas 0,58% no ano que vem.
Ainda que tenha sido causada em grande parte pela forte queda da agropecuária, a retração de 0,1% do PIB no terceiro trimestre – revelada na quinta-feira (2) pelo IBGE – ampliou as incertezas. O número veio abaixo do esperado pelo mercado e pelo próprio governo, e deu sequência a um recuo de 0,4% nos três meses anteriores, configurando o que economistas chamam de "recessão técnica".
“É um cenário bastante complicado”, diz a economista-chefe do banco Ourinvest, Fernanda Consorte. “Parece que vencemos a pandemia, mas as sequelas ainda continuam sendo sentidas.”
Uma sequência de choques piorou as condições econômicas, aponta Samuel Pessôa, sócio e diretor do Julius Baer Family Office (JBFO) no Brasil: a alta no preço das commodities; os problemas nas cadeias produtivas, a desorganização no setor de serviços, a crise hídrica interna; e os problemas fiscais, que impediram que a valorização das matérias-primas se traduzisse em uma valorização do real.
As expectativas no início do ano eram de que a inflação em 2021 fosse de 3,3%. Mas agora ela passa de 10% ao ano, segundo o IPCA acumulado em 12 meses até outubro (10,67%). O ponto médio (mediana) das projeções para o IPCA ao fim de 2021 feitas pelo mercado financeiro chegou a 10,15%, segundo o relatório Focus, do Banco Central.
O que explica as diferentes projeções do governo e do mercado para o PIB de 2022
As diferenças nas projeções do mercado e do governo se devem basicamente aos fatores a que cada um se apega ao fazer seus cálculos.
O governo busca destacar a expansão do mercado de trabalho, onde as estatísticas mostram queda do desemprego – que chegou a 12,6%, segundo o dado mais recente do IBGE – aliada a uma expansão consistente no emprego com carteira assinada. Ainda que a criação de postos de trabalho tenha desacelerado nos últimos dois meses, o país acumula mais de 2,6 milhões de novas vagas desde o início do ano.
A equipe econômica também ressalta os "investimentos contratados" para o ano que vem, decorrentes das dezenas de ativos de infraestrutura leiloados nos últimos tempos. Em nota sobre a atividade econômica publicada nesta quinta, a Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Economia citou como exemplos o leilão de frequências da tecnologia 5G, que prevê quase R$ 40 bilhões em investimentos, e os desembolsos de mais de R$ 28 bilhões – dos quais R$ 12 bilhões nos próximos cinco anos – que serão exigidos da compradora da empresa de saneamento Cedae, do Rio de Janeiro.
"Os dados de confiança indicam que o setor industrial continuará crescendo no final de 2021 e ao longo de 2022. Nesse sentido, os indicadores da CNI [Confederação Nacional da Indústria] mostram aumento das expectativas para investimento. Ademais, o índice da intenção de elevação do investimento para os próximos seis meses está próximo aos maiores valores desde 2014", disse a SPE.
Por outro lado, bancos, consultorias e corretoras atribuem suas expectativas à deterioração do quadro fiscal provocada por mudanças de regras promovidas pelo governo – caso da PEC dos precatórios – e à combinação de inflação e juros elevados, além das incertezas típicas de ano eleitoral.
Teto de gastos e precatórios preocupam
Uma das ameaças à economia vem da mudança no teto dos gastos e na regra dos precatórios. Economistas do Bradesco consideram que as mudanças – aprovadas pelo Senado nesta quinta-feira e que agora voltam para a Câmara dos Deputados – ameaçam a principal âncora fiscal do país.
“A proposta de mudança no indexador do teto, ainda que o preserve formalmente, enfraquece o poder de sinalização dado pela constitucionalização da regra. Ou seja, como havia alternativas superiores à mudança do indexador – capazes de proteger os mais vulneráveis e as regras fiscais – o anteparo constitucional da regra do teto perde força, elevando, naturalmente, os prêmios de risco”, apontam.
O professor de finanças e controle gerencial Rodrigo Leite, do Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração (Coppead) da UFRJ, aponta que a PEC dos precatórios cria um clima de insegurança jurídica, porque há um posicionamento do governo federal falando que não vai pagar no prazo habitual ações que já foram julgadas e que ele tem o dever de pagar. "Se essa ação é feita com precatórios, porque o governo não faria com a própria dívida pública?”, questiona.
A medida também cria um clima de temor de que esse pode ser o começo de um estouro do teto. “E estabelece uma visão de gastos do governo acima do que o orçamento suporta, o que acaba levando à desvalorização do real em frente ao dólar", afirma.
Para o banco MUFG Brasil, a decisão de mudar o teto de gastos para acomodar um nível maior de gastos públicos corroeu a credibilidade governamental em manter a austeridade fiscal. Além disso, "deixou a porta aberta para novos aumentos nos gastos".
Situação fiscal piora expectativas para a dívida pública
A mudança nas regras reacende a preocupação em relação às contas do governo. A XP considera que a mudança fiscal influencia a dinâmica da dívida pública nos próximos anos. As simulações feitas pela corretora sugerem que, diante das novas regras para o teto de gastos, a relação entre a dívida pública e o PIB não se estabiliza antes de 2030.
Ao fim de outubro, a dívida bruta do governo geral equivale a 82,9% do PIB. A XP prevê que ela vai terminar o ano mais baixa, em 79,8% do PIB, mas que subirá para 83,5% até o fim de 2022 e continuará em alta nos anos seguintes, passando de 95% antes de 2030.
Antes das mudanças fiscais, a XP previa que a dívida pararia de subir por volta de 2027 e recuaria em seguida, chegando a algo próximo de 87% do PIB em 2030. "A mudança na perspectiva fiscal piora a dinâmica da dívida nos próximos anos. Não apenas pelo aumento do déficit primário esperado, como pela reação do Banco Central em acelerar a alta de juros", informou a corretora, em relatório.
“Aumentou a preocupação de o estado se financiar sem recorrer ao imposto inflacionário”, diz Samuel Pessôa, da JBFO. Para ele, a PEC dos precatórios "feriu o pagamento dos precatórios de menor valor e mexeu casuisticamente no teto de gastos”, diz. “Sabia-se que haveria um extrateto, mas que não viria desta forma.”
Ele acredita que no final das discussões sobre o Orçamento, deve haver algum tipo de ajuste, com algum recuo dos agentes políticos. “Deve prevalecer uma situação menos ruim neste ‘concurso de feiura’. A inflação não é solução para o conflito distributivo brasileiro”, diz.
O cenário pode fazer com que o novo presidente, que toma posse em janeiro de 2023, seja obrigado a promover mais um ajuste fiscal. “É um problema que está sendo empurrado de um ano para outro”, diz o diretor do JBFO.
Enquanto este ajuste não vem, o Banco Central fica em uma situação mais delicada para combater a alta nos preços. Mesmo com a alta nos juros e as possibilidades de a Selic chegar aos dois dígitos em 2022, a convergência da inflação para a meta deve ficar apenas para o ano seguinte. “O BC vai ter muito trabalho para inverter a trajetória da inflação”, afirma Pessôa.
Ampliação das incertezas afeta consumo e investimento
Segundo os economistas do Bradesco, as principais consequências das tensões fiscais, no curto prazo, são a ampliação da incerteza e a piora das condições financeiras, com desvalorização do real frente ao dólar, a queda da bolsa e abertura das curvas de juros. Um cenário que influencia as perspectivas para crescimento econômico e a inflação.
A XP aponta que a deterioração do cenário observada nas últimas semanas tende a deprimir os investimentos e o consumo privado, em especial de bens duráveis, em 2022. “As incertezas fiscais e o maior aperto de política monetária devem manter a taxa de juro em patamares elevados nos próximos trimestres”, aponta relatório.
O Itaú, por sua vez, afirma que “o aumento da incerteza fiscal implica em um risco-país mais alto, maior depreciação do real, piores perspectivas para a inflação e, em última instância, uma taxa de juros neutra mais alta.” Este cenário, segundo o banco, pode levar a um encolhimento de 0,5% no PIB para o próximo ano, com aumento na taxa de desemprego.
A XP considera, entretanto, que uma série de eventos, principalmente na primeira metade do ano, devem assegurar ventos a favor na economia brasileira: a recuperação do mercado de trabalho, a forte expansão das safras agrícolas e a normalização das restrições de oferta na indústria.
“A demanda externa continuará em trajetória de crescimento e os preços internacionais das commodities devem ficar apenas um pouco abaixo dos patamares atuais”, avalia a corretora. Porém, os rendimentos devem permanecer em níveis baixos, devido à ampla ociosidade do mercado de trabalho. Embora tenha recuado, a taxa de desemprego ainda estava em 12,6% ao fim do terceiro trimestre, segundo o IBGE.
Real deve continuar desvalorizado em relação ao dólar
O real não deve ter valorização expressiva em relação ao dólar, mesmo com os bons preços das commodities no mercado internacional e diante do maior aperto monetário, apontam os economistas do Bradesco. O ponto médio (mediana) das projeções do relatório Focus, do BC, sinaliza para uma taxa de câmbio de R$ 5,50, no final deste ano. A mesma está prevista para o fim do ano que vem.
Os efeitos do câmbio nesse patamar, das mudanças no teto dos gastos e da persistência da inflação vão exigir, de acordo com o Bradesco, um nível de juro mais alto para reduzir o ritmo do aumento de preços.
O problema da inflação não é restrito ao Brasil. Os Estados Unidos estão reduzindo os estímulos monetários e podem, ainda no ano que vem, aumentar sua taxa básica de juro. “Parte importante da inflação global se deve a questões transitórias. Mas o fato é que esses choques têm se mostrado mais persistentes”, afirma a equipe do Bradesco.
O banco considera que é possível esperar um reequilíbrio entre oferta e demanda, com o reestabelecimento das cadeias globais de suprimentos e um arrefecimento da demanda por bens por dois motivos: a migração para serviços e a desaceleração das economias. As projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI) sinalizam para um crescimento mundial de 4,9% em 2022. Para este ano, a previsão é de 5,9%.
Eleições ampliam incerteza e dificultam tomada de decisão
O ano que vem deve girar em torno das eleições presidenciais, que costumam gerar muita incerteza e dificultam a tomada de decisões, como a realização de investimentos e de obtenção de crédito. O Congresso, de acordo com o banco Ourinvest, também “foca suas energias nas articulações e votos, sem espaço para reformas”.
Fernanda Consorte, economista-chefe do banco, aponta que esse cenário abre espaço para medidas populistas, com gastos acima do Orçamento e sem contrapartidas, em um ambiente fiscal fragilizado. “Esta combinação joga ainda mais para baixo as expectativas de crescimento econômico, e piora e muito o retrato do Brasil.”
Consorte lembra que quanto mais medidas populistas, que “já estão à vista e são palpáveis, mais pressão nos preços.” Só não será pior, segundo a economista, porque o BC tem agido rapidamente. A expectativa é de que a taxa de juro chegue a dois dígitos ainda no começo do ano que vem.
Rápida retomada da agenda de reformas levaria a crescimento maior, diz Itaú
Economistas do Itaú apontam que há um caminho para driblar esse cenário em 2022: eles indicam que uma rápida retomada da agenda de reformas – como a administrativa, que fortaleceria a flexibilidade e a resiliência fiscal – poderia ajudar a aliviar as condições financeiras e a diminuir a incerteza.
“Nesse cenário, a maior confiança do consumidor e das empresas pode levar a um crescimento mais rápido no próximo ano. Mas as reformas precisam avançar”, complementam. O espaço para isto, entretanto, é pequeno, devido ao cenário eleitoral.
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