Pressão
Negociações salariais e eleição podem influenciar preços
É quase unânime a percepção de que, estimuladas pelo forte crescimento econômico, as negociações salariais deste semestre vão render reajustes polpudos aos trabalhadores e que cedo ou tarde isso exercerá alguma pressão sobre a inflação. A dúvida é sobre o momento em que se dará o impacto. "O crescimento dos salários costuma ter efeito principalmente sobre os preços dos serviços, e esse é um risco a ser monitorado. Mas esse impacto não deve se materializar tão cedo. A tendência é que a maior parte dele se dê em 2011", avalia Silvio Campos Neto, economista-chefe do Banco Schahin.
Para o Banco Fibra, a pressão pode ocorrer mais cedo. Em relatórios publicados nas últimas semanas, a instituição vem afirmando que "o estreito mercado de trabalho deve pressionar as negociações salariais agendadas para o segundo semestre do ano, acelerando ainda mais a inflação do setor de serviços". O banco afirma também que "os indicadores de confiança do consumidor e atividade doméstica sinalizam que o segundo semestre será de forte crescimento", o que fará o BC retomar as altas da Selic "ainda no primeiro trimestre de 2011".
Otto Nogami, professor dos programas de MBA Executivo do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), vê pressões oriundas da disputa eleitoral. "Se houver a sensação de continuidade do governo atual, o que é tido como positivo por boa parte dos consumidores, as pessoas tendem a se sentir mais à vontade e mais seguras em consumir. E isso tende a recrudescer a inflação.
O Produto Interno Bruto (PIB) do segundo trimestre será divulgado apenas no fim da próxima semana, mas os "indicadores antecedentes" apontam que a expansão da economia brasileira perdeu força no período. Ainda que a atividade econômica tenha permanecido bem acima do fraco 2009, o "ritmo chinês" do primeiro trimestre deu lugar a um crescimento mais suave que, aliás, ajudou no controle da inflação e amenizou a alta da taxa básica de juros (Selic) na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central.
Mas essa desaceleração já faz parte do passado: economistas de bancos e consultorias garantem que o Brasil voltou a pisar no acelerador. Eles só não se acertam em relação à velocidade que o país vai atingir. Entre os analistas ouvidos pela Gazeta do Povo, há quem diga que o PIB crescerá num ritmo próximo de 4,5% ao ano neste segundo semestre, mas há projeções de até 6,5%. O que faz toda a diferença.
No primeiro caso, a economia estaria avançando dentro de seus limites estruturais, sem gerar grande pressão inflacionária e, portanto, sem exigir aumentos mais fortes na taxa de juros. Se confirmada a segunda hipótese, no entanto, a inflação pode se distanciar da meta e obrigar o BC a reforçar o aperto monetário.
Potencial
"Em nossa avaliação, o segundo semestre deverá ser um meio-termo entre o crescimento acelerado do primeiro trimestre e a acomodação do segundo", diz Mauro Schneider, economista-chefe do Banif Investment Bank. "Esperamos para os próximos meses um crescimento equivalente a 6% ou 6,5% ao ano. Acima, portanto, do PIB potencial. Então a lógica é que cedo ou tarde os preços voltam a se acelerar." Pelas contas de Schneider, o Brasil crescerá 7,5% em 2010, acima da expectativa média do mercado financeiro, de 7,1%.
O "PIB potencial" é o porcentual máximo que o país consegue crescer sem despertar o dragão inflacionário. Para a Tendências Consultoria, esse índice hoje gira em torno de 4,5% ao ano e é algo dessa ordem que ela espera para este semestre. "De um lado, o crescimento será limitado pelo fim dos incentivos fiscais e, de outro, impulsionado pelo desempenho de condicionantes como emprego, renda, crédito e confiança do consumidor, que continuam muito favoráveis", diz Bernardo Wjuniski, da Tendências.
Ele diz não ver grandes riscos para a inflação no curto prazo e, embora defenda uma nova alta, acha que o BC vai manter o juro básico em 10,75% ao ano. Mas isso terá seu preço. Para o analista, a instituição se verá obrigada a elevar a Selic em dois pontos porcentuais ao longo de 2011. Nessa toada, a inflação fecharia este ano em 5% e o próximo, em 5,2% acima da meta perseguida pelo BC, de 4,5%.
Recompensa
A Tendências estima que na média de 2010 o PIB crescerá 6,6%, índice idêntico ao esperado por outra grande consultoria, a LCA. Entretanto, esta última vê a evolução da inflação e dos juros de forma bem distinta. Enquanto boa parte do mercado aposta em estabilidade ou alta de 0,25 ponto na Selic em 1.º de setembro, a LCA prevê aumento de 0,5 ponto. Fazendo o sacrifício agora, o cenário inflacionário ficaria confortável a ponto de dispensar novas altas do juro em 2011, avalia o economista-chefe da consultoria, Bráulio Borges.
"As condições para o cumprimento da meta serão bem mais tranquilas em 2011. A taxa de investimento do Brasil deve fechar este ano em 19% do PIB e chegar a quase 20% no próximo, o que dará mais sustentação ao crescimento", avalia Borges. A taxa de investimento é o montante que o país destina ao aumento de sua capacidade produtiva; quanto mais alta, mais fácil é crescer sem surtos inflacionários.
Fôlego
Silvio Campos Neto, economista-chefe do Banco Schahin, crê em "conforto inflacionário", mesmo que a Selic não suba e que o país cresça algo entre 5% e 5,5% de julho a dezembro, no cálculo anualizado. "Acho que o país aguenta esse ritmo. Insustentável é crescer acima de 10% ao ano, como vimos no primeiro trimestre."
Ao menos dois fatores pesam a favor dessa avaliação. Um deles é a margem de ociosidade da indústria. No primeiro semestre, ela ocupou 84,6% de sua capacidade instalada, menos que os 86% de igual período de 2008, ainda que tenha produzido mais de lá para cá. Autora do cálculo, a Fundação Getulio Vargas (FGV) atribui esse feito à maturação de investimentos feitos nos últimos tempos. O segundo fator é que a inflação segue sem dar sinais de aceleração o IPCA-15, divulgado na sexta-feira, registrou deflação de 0,05% entre 15 de julho e 15 de agosto.
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