Anunciado no fim de junho pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), o teto de 9,65% de reajuste para os planos de saúde individuais é o maior desde 2005 e segue uma constante nos últimos dez anos. As correções fixadas pela reguladora extrapolam os índices que medem a inflação anual desde 2004. Entre 2000 e 2014, a diferença entre o acumulado dos reajustes da agência é 50% maior do que o do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) -- a diferença chega a 74,6 pontos percentuais. As correções ultrapassam ainda a inflação acumulada (segundo o IPCA) nos últimos dois anos pelos serviços relacionados a saúde, como consultas e remédios.
A explicação para a discrepância é simples: a fórmula usada pela ANS desde a criação do órgão, em 2000, não considera índices inflacionários. O cálculo que estabelece o teto de reajuste dos planos individuais é uma mediana (valor no centro entre o maior e o menor valor) dos preços praticados por outro universo o de planos coletivos com mais de 30 beneficiários, contratados via empresas e associações e cujas correções não são limitadas pela agência. Ou seja, o mercado livre do setor, do qual participam 82,6% dos usuários, define o peso no bolso da minoria que paga por planos individuais.
Minoria em termos: apesar de o número de usuários de planos individuais crescer bem menos do que os de coletivos, trata-se de um mercado com 10 milhões de clientes, segundo a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), que representa as maiores operadoras. E esse contingente paga mensalidades bem mais altas do que os usuários de planos coletivos, o que faz o reajuste pesar mais no orçamento. Em média, os beneficiários de todos os planos gastaram no ano passado R$ 180 por mês. Já planos individuais não custam menos de R$ 250 por mês em Curitiba e pode facilmente chegar aos quatro dígitos.
Assim como as operadoras, a ANS defende que os gastos do setor com adaptação tecnológica e com o envelhecimento da carteira de clientes não está diretamente relacionado com a inflação. A reguladora reconhece, porém, que realiza estudos para o desenvolvimento de uma nova metodologia, mas não dá prazos sobre isso. Em 2004, a agência havia anunciado pretensão de adotar índices regionais de reajuste dos planos individuais, mas a proposta foi arquivada sete anos depois, sob a alegação de que a diferenciação poderia ser inconstitucional.
Distorções
Para especialistas do setor, a metodologia da reguladora, que era para ser temporária, abre terreno para distorções. "A ANS tem que enfrentar essa situação para criar uma regra própria, em vez de adotar a mesma metodologia há 15 anos", avalia a advogada Maria Stella Gregori, que foi diretora da agência nos anos 2000. "Sempre apoiei o índice regional. É preciso repensar o cálculo, considerando a sustentabilidade do setor e a qualidade dos serviços. Não pode ser oneroso para o consumidor, mas tem que dar lucro para a operadora", diz.
Regulação pela metade incha planos coletivos
A ANS se baseia em uma leitura da Lei dos Planos de Saúde, de 1998, para ficar fora do reajuste dos planos coletivos, usados por 33 milhões de brasileiros, e dos por adesão, adotados por 6,6 milhões. A lei diz que é preciso proteger usuários de planos individuais, que teriam desvantagem se negociassem sozinhos com operadoras. A atuação limitada tem gerado, para especialistas em Direito do Consumidor, inchaço dos planos coletivos e extinção dos individuais.
A Fenasaúde alega que o número de clientes de planos individuais cresceu 1,63% de 2012 para 2013, mais do que o por adesão (1,07%). No caso dos coletivos, foi 6,7%. A ANS diz que a oferta de planos individuais aumentou 9,7% em cinco anos. O fato é que menos operadoras trabalham com esses planos. "Quem consegue geri-los são as com rede própria de atendimento, como as cooperativas", diz Antonio Carlos Abbatepaolo, diretor da Abramge, representante do setor.