A Embraer e a Boeing divulgaram, nesta quinta-feira (5), memorando conjunto com os termos do acordo para a criação de uma joint venture. A nova empresa ficará responsável pelas operações e serviços de aviação comercial da companhia brasileira. A Boeing pagará US$ 3,8 bilhões à Embraer, o que lhe renderá uma fatia de 80% da joint venture. Com isso, a Boeing entra no aquecido segmento de aviões de até 150 assentos, dominado pela Embraer e que tem, como principal rival, outra parceria similar — a Airbus, que, em 2017, adquiriu participação majoritária na canadense Bombardier, especializada em aviões dessa categoria.
A Embraer é líder na fabricação de jatos comerciais de até 150 assentos, com 28% de market share (participação de mercado), contra 25% da Bombardier. Quando o recorte é de jatos de 70 a 130 assentos, a vantagem é ainda maior: 68% de participação de mercado.
A motivação da Boeing
A Embraer passou a ser cobiçada pela Boeing por dois fatores. Um deles é a nova tendência da aviação comercial de oferecer uma família completa de jatos. A Airbus e a Boeing, as duas maiores fabricantes do mundo, passaram muito tempo concentradas na fabricação de aviões maiores, normalmente de dois corredores. Elas se tornaram líderes nesse segmento e passaram a disputar a liderança a cada contrato fechado. A norte-americana ficou na frente em 2017 por ter conseguido entregar 45 aviões a mais do que sua concorrente: 763 aeronaves, contra 718 da Airbus. Já no número de pedidos, a europeia venceu ao encerrar o ano com 1.109 encomendas contra 912 da Boeing.
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Só que elas perceberam que podem entregar, além de aviões maiores, jatos menores, oferecendo às companhias aéreas uma linha completa de produtos e negociando contratos maiores, exclusivos e com melhores condições. “Boeing e Airbus produzem aeronaves acima de 100 lugares e conseguem vender muito. A questão é que elas já têm essa tecnologia e esse domínio de mercado. Então, elas vão atrás de incrementos marginais de receita, além de ocupar um mercado que estavam deixando em segundo plano”, diz Francisco Lyra, presidente do Instituto Brasileiro de Aviação (IBA) e sócio da consultoria Cfly Aviation.
Ele destaca, também, que as companhias aéreas tendem a se manter fiéis a uma fabricante. No Brasil, por exemplo, a Gol mantém um contrato de exclusividade com a Boeing. “Quanto mais produtos você tem para oferecer, mais as aéreas tendem a fechar contratos somente contigo”, diz Lyra.
Além disso, novos players começam a ganhar força na aviação regional, como a japonesa Mitsubishi, a russa Sukhoi e a fabricante estatal chinesa Comac. Todos de olho em um mercado que deve movimentar US$ 300 bilhões nos próximos 20 anos, com a encomenda de 6,4 mil aeronaves de 70 a 130 lugares, segundo pesquisa da Embraer. Airbus e Boeing não poderiam ficar de fora desse mercado.
Retomada da aviação regional
O segundo motivo, diretamente ligado ao primeiro, é o retomada da aviação regional. “Durante muito tempo se acreditou que a aviação regional não tinha apelo, que não era um segmento relevante. Hoje em dia se percebe que ela é o grande integrador, é ela quem alimenta a aviação comercial”, afirma Lyra.
O setor está percebendo a necessidade de fortalecer e criar novas rotas regionais, principalmente em países de dimensões continentais, como Brasil, Estados Unidos, China e Rússia, e na própria Europa para descentralizar a malha aérea, conquistar novos clientes e trazer demanda para as rotas de longa distância. No Brasil, por exemplo, pouco mais de 100 cidades são atendidas com rota aéreas, enquanto o país possui mais de 5 mil municípios, uma prova de que há muito espaço para crescer.
Airbus e Boeing podem sair ganhando duplamente nesse cenário. Primeiro, porque a aviação regional vai fortalecer a aviação comercial de longa distância, área de domínio das fabricantes. Segundo, se elas passarem a oferecer aviões menores e médios, vão conseguir um incremento de receita em um segmento que só tende a crescer.
Segundo estimativas da Embraer, a frota mundial de jatos de 70 a 130 assentos aumentará de 2,6 mil, número de 2016, para 6.710 até 2036. Com isso, será o segmento de aviação que mais vai crescer durante o período. Parte (37%) das novas aeronaves que serão entregues virá de substituição de jatos e a maioria (63%) representará o crescimento do mercado. “O mercado regional de jatos vem crescendo para ser um setor forte baseado na combinação de demanda mais alta e maior rentabilidade”, diz estudo da Embraer feito em 2017.
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Com a aviação regional em alta, novas companhias aéreas tendem a surgir e Airbus e Boeing, se tiverem atuando no setor, podem vender para essas companhias, trabalhar em um projeto de fidelização e, quando essas aéreas crescerem, vender lá na frente uma família completa de jatos para elas.
Próximos passos
A joint venture resultante do acordo entre Boeing e Embraer será sediada no Brasil e terá capital fechado. O valor dela é avaliado em US$ 4,75 bilhões. A Boeing terá o controle operacional e de gestão. Juntas, a Boeing e a joint venture terão uma linha que contempla aviões de 70 a 450 assentos, além de aviões de carga.
Agora, Boeing e Embraer passarão à finalização dos detalhes financeiros e operacionais. O negócio também precisa da aprovação dos acionistas e de órgãos regulatórios, incluindo o governo brasileiro, detentor de uma “golden share” da Embraer, ação preferencial que lhe dá direito de veto a qualquer decisão estratégica. A expectativa é que a transação seja fechada até o final de 2019.
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