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Comércio exterior

Por que as exportações estão em baixa – e não vão disparar com a alta do dólar

(Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo)

Ao falar na terça-feira (21) que o dólar alto fará com que o Brasil exporte mais e importe menos, o ministro da Economia, Paulo Guedes, esqueceu de combinar com os russos. E com os chineses, holandeses, argentinos, chilenos, alemães e espanhóis, dentre tantos outros. As exportações brasileiras estão em baixa em 2019 e essa tendência deve continuar até 2022, conforme as previsões de mercado levantadas no boletim Focus.

De janeiro até a quarta semana de novembro, as exportações brasileiras totalizaram US$ 199 bilhões, e as importações, US$ 161,4 bilhões, com queda de 9% e 3%, respectivamente, em relação ao mesmo período de 2018. A balança comercial ficou positiva em US$ 37,6 bilhões, 27% mais baixa. Os dados foram divulgados pelo Ministério da Economia no dia 25. Nesse mesmo dia, o Banco Central divulgou o boletim Focus, com revisão para baixo da balança comercial brasileira de 2019, assim como as perspectivas para o período de 2020 a 2022, indicando o pessimismo dos agentes com o mercado internacional.

O que ocorre é que o nível de incerteza global está em patamar recorde, com pontos de alerta em praticamente todos os continentes, prejudicando o comércio internacional de forma ampla. Essa é a análise feita por Luiz Guilherme Schymura, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas, na Carta do Ibre de novembro.

“A incerteza econômica mundial não é apenas uma impressão, mas sim um fenômeno que hoje em dia é bem mensurado”, pontua. Ele cita como exemplo o Índice Global de Incerteza de Política Econômica (GEPU, na sigla em inglês), estimado pelos economistas Scott R. Baker (Northwestern University), Nick Bloom (Stanford) e Steven J. Davis (Chicago) com base nas notícias de 20 países. Em 2019, o índice chegou ao nível recorde de 350, depois de ter passado as últimas décadas (de 1997 a 2016) abaixo de 200.

A volatilidade do comércio internacional, por sua vez, é medida pelo Índice de Incerteza do Comércio Global (WTU), dos economistas Hites Ahir, Nicholas Bloom e Davide Furceri, com base nos relatórios de países da Economist Intelligence Unit. De 1996, o indicador permaneceu entre zero e 0,5 e a partir de 2018, com o início da disputa comercial entre Estados Unidos e China, atingiu o recorde de 4,5%. Atualmente, com a retomada das negociações entre os dois países, houve recuo, mas a trégua é limitada: representantes dos dois países costuram um acordo parcial em torno de tarifas aduaneiras; além disso, há um novo foco de tensão aberto desde agosto, após o Departamento de Tesouro dos Estados Unidos ter classificado a China como manipuladora de moeda após desvalorização do yuan.

“Capitaneando os conflitos estão as tensões comerciais entre Estados Unidos e China, que são visíveis mais claramente no âmbito comercial. Mas a disputa tem raízes profundas que chegam à fronteira tecnológica, e por isso é pouco provável que se veja reversão ou completa superação dessas tensões. Pode haver um período de amenização, mas o conflito deve continuar no radar”, afirmou em entrevista à Gazeta do Povo Rafael Cagnin, economista-chefe do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi).

Além disso, há outros acontecimentos prejudiciais para as exportações brasileiras. Em Hong Kong, há protestos populares crescentes desde maio, em um movimento que pode respingar no regime chinês. A Argentina, por exemplo, se aprofundou na crise ao longo do ano – culminando com a vitória do candidato oposicionista Alberto Fernández à presidência da República. O Chile vive uma convulsão social, assim como a Bolívia, depois de uma eleição cancelada no que seria o quarto mandado de Evo Morales.

Piora do saldo comercial poderia ser por "bom motivo". Mas não é

Segundo Cagnin, as expectativas no início de 2019 apontavam para uma redução no saldo comercial. “O que se esperava é que recuperação da economia doméstica restaurasse o nível de importação, que caíram de 2014 a 2016. Mas a deterioração que estamos vendo não é por essa razão, que seria relativamente benéfica, que estaria sendo desencadeada por uma recuperação vigorosa. A piora do saldo vem porque as exportações de bens manufaturados estão se contraindo de forma acentuada, pelo cenário internacional e principalmente pela crise da Argentina”, explicou.

O desempenho das commodities agrícolas também afeta a balança comercial brasileira e passa longe da mera vontade do produtor em exportar ou não. A China reduziu a demanda por soja porque está precisando de menos ração para seus rebanhos – a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) informou no dia 21 de novembro que cerca de 7,2 milhões de suínos foram eliminados em países asiáticos pela contaminação pela peste suína africana, dos quais cerca de 1,2 milhão em território chinês.

Por outro lado, isso favoreceu os embarques de proteína animal brasileira, que estão em alta. As exportações de milho também cresceram, favorecidas por problemas na safra dos Estados Unidos, grande produtor.

Tantos fatos externos ajudam a explicar a falta de dinamismo das exportações, independentemente do patamar recorde do dólar – a moeda chegou perto dos R$ 4,30 nesta semana. Com o real desvalorizado, os produtos brasileiros ficam mais baratos no exterior, mas isso não significa necessariamente que as exportações vão reagir na mesma medida.

“O câmbio em tese ajuda, mas precisa ficar em nível mais competitivo por mais tempo, a tal modo que dê mais segurança para o empresário. Ele precisa ter confiança de que a taxa de câmbio permaneça nesse patamar no tempo de se planejar, fechar contrato e embarcar, o que leva tempo”, ponderou.

A economista Lia Baker Valls Pereira, no Boletim Macro do Ibre, vai pela mesma linha: “Num cenário de incertezas, que se reflete na instabilidade cambial, os momentos de desvalorização cambial não têm impulsionado as exportações ou retraído as importações. Sabe-se que os efeitos das mudanças cambiais demoram a se fazer presentes, mas no incerto cenário atual mundial e do Brasil, essa demora se estende por um tempo mais longo”.

Estrutura tributária prejudica desempenho do país

As incertezas do mercado global estão agravando problemas estruturais do Brasil que tiram competitividade de seus produtos no exterior. Essa é a opinião do economista-chefe do Iedi, Rafael Cagnin. “Ainda sofremos com gargalos na infraestrutura e estrutura tributária onerosa e complexa, que tomam tempo e capital das empresas”, observa.

O problema no momento, diz ele, é que o governo de Jair Bolsonaro já sinalizou que a reforma tributária perdeu terreno para outras mudanças. Segundo ele, mesmo que não haja espaço fiscal para reduzir a carga de tributos, a simplificação já geraria economia para as empresas e ganho de competitividade frente ao produto estrangeiro.

Outra medida, aponta, é a restituição das alíquotas do Projeto Reintegra, criado pela Lei nº 13.043/14 para incentivar as exportações de produtos industrializados. Esse regime especial prevê um crédito tributário de até 3% da receita de exportação. Entretanto, o governo federal vem realizando diversos cortes na alíquota, que desde o Decreto nº 9.393, de maio de 2018, é de apenas 0,1%. “Ninguém no mundo exporta imposto. É preciso devolver para o exportador parte dos impostos que ele pagou e não conseguiu recuperar no embarque”, opina Cagnin.

A discussão sobre o Reintegra está no Supremo Tribunal Federal (STF). Duas ações diretas de inconstitucionalidade argumentam que os decretos reduzindo alíquotas afetam a livre iniciativa e afrontam o princípio de não exportação de imposto. Em outubro, o procurador-geral da República, Augusto Aras, se manifestou pela improcedência do pedido, argumentando que o Reintegra é benefício fiscal setorial e por isso não tem amparo constitucional. A relatoria é do ministro Gilmar Mendes.

Os destaques das exportações brasileiras em 2019

Veja alguns destaques dos embarques brasileiros em 2019:

  • O complexo soja continua sendo o principal produto exportado, mas a demanda pela oleaginosa para fabricar rações diminuiu, em função da peste africana em suínos que atinge a Ásia.
  • Já foram dizimados 7,2 milhões de suínos por causa da peste africana, fazendo com que a Ásia procure por mais proteína animal em outros mercados. Com isso, os embarques de carne brasileira estão em alta – o que acaba encarecendo o produto no mercado interno, como consequência.
  • Em contraposição, produtos de maior valor agregado vem perdendo terreno na pauta exportadora brasileira. O único item que aparece entre os maiores valores exportados são plataformas de perfuração e exploração de petróleo. O equipamento é comprado por outros países, mas na prática não deixa o território brasileiro, sendo utilizado em campos de pré-sal por multinacionais.
  • Segundo o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI), os produtos de alta e média tecnologia representavam 44% dos bens manufaturados exportados em 2005. Hoje, a participação é de 35%.
  • Crises econômicas e/ou sociais na América Latina prejudicam justamente as exportações brasileiras de maior valor agregado. Na região estão compradores de automóveis e motores, por exemplo.

Quem comprou mais e quem comprou menos neste ano

Segundo dados do Comex Stat, 233 países compraram produtos brasileiros em 2018 e 2019. Desses, metade (117) reduziu a demanda ao longo deste ano, comparando dados de janeiro a outubro. Dentre os importantes parceiros que compraram mais do Brasil estão os Estados Unidos (2%) e Japão (18,75%). A Rússia, que não aparece no ranking dos 30 países para os quais o Brasil mais exportou, reduziu as compras de produtos brasileiros em 1,5%.

O que esperar para 2020

Veja algumas perspectivas para as exportações e indicadores brasileiros em 2020:

  • O boletim Focus, feito pelo Banco Central a partir de pesquisa com analistas, capta os humores do mercado no momento, mas muitas vezes as projeções não se realizam. O boletim divulgado em 7 de janeiro mostrava que o dólar em 2019 ficaria em torno de R$ 3,80, e a taxa Selic, em 7%. A taxa de câmbio atingiu R$ 4,2586 na quarta-feira (27) e os juros estão em 5%.
  • O ministro da Economia, Paulo Guedes, disse na segunda-feira (25) que o dólar alto não é um problema, e que o Brasil vai “exportar um pouco mais e importar um pouco menos”. Segundo ele, a alta do dólar é reflexo de uma mudança na política econômica brasileira, com juros mais baixos e câmbio de equilíbrio alto, que ainda não foi compreendida pela maior parte da população.
  • No boletim Focus mais recente, divulgado em 25 de novembro, a taxa de câmbio para fechamento em 2019 está em R$ 4,10, com estabilidade em R$ 4 de 2020 a 2022. Para a balança comercial, as estimativas apontam para US$ 44,6 bilhões em 2019; US$ 41 bilhões em 2020; US$ 40 bilhões em 2021 e US$ em US$ 39,8 bilhões em 2022. A taxa Selic é projetada a 4,50% para 2020, 6% para 2021 e 6,5% para 2022.
  • Análise do Santander aponta que é difícil reverter a queda nas exportações brasileiras. “As recentes turbulências vividas em países vizinhos e as incertezas políticas que a América Latina tem apresentado não trazem bom agouro para reversão deste quadro hostil para as exportações brasileiras. (...) No resto do mundo, também não há sinais de que tenhamos mercados em franca expansão, principalmente dentre os nossos parceiros comerciais”, diz boletim de 22 de novembro.

Otimismo para 2021

O presidente-executivo da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, tem uma visão um pouco mais otimista, mas não para o ano que vem. Em evento no Rio de Janeiro em 21 de novembro, ele disse que 2021 será o ano do comércio exterior brasileiro.

“Precisamos pensar em mercados como Europa, Estados Unidos e China. Em 2021, a redução de custos vai viabilizar a exportação de produtos manufaturados do Brasil. Para as commodities, significa maior rentabilidade. Para os manufaturados, significa mais competitividade”, disse, conforme divulgado pela Agência Brasil.

Portal Único

Um dos avanços promovidos pelo Brasil para as vendas a outros países foi a criação do Portal Único de Comércio Exterior. Em 2013, o Brasil assinou o Acordo de Facilitação do Comércio da Organização Mundial do Comércio (OMC), que prevê uma série de ações para reduzir burocracias, melhorar processos, integrar fluxos de informação e expandir os volumes de importações e exportações e a confiabilidade dos atores envolvidos no comércio internacional. O Decreto nº 8.229/14 criou o Programa Portal Único, que foi implantado ao longo dos anos e desde agosto de 2019 reúne todos os serviços aduaneiros para as exportações e importações do Brasil.

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