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A confiança de consumidores e empresários na economia está perdendo força neste início de ano. Aos poucos, instituições financeiras começam a rever, para baixo, as projeções para o crescimento do PIB. E, em um mês, a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviço e Turismo (CNC) reviu duas vezes para baixo a projeção de crescimento do varejo em 2021: ela foi de 4,2% para 3,9% e, depois, para 3,5%. A expectativa para o setor de serviços também foi rebaixada, de 3,7% para 3,5%.
Uma série de fatores contribui para isso, apontam analistas ouvidos pela Gazeta do Povo: o ritmo tímido na vacinação contra a Covid-19; o fim dos pagamentos do auxílio emergencial; o medo do desemprego; e o aumento dos preços, principalmente dos alimentos.
Há ainda outro fator, que não foi capturado nas mais recentes sondagens de empresários e consumidores, mas que deve aparecer nos próximos levantamentos: a reação de investidores às declarações de Jair Bolsonaro que sugerem maior interferência em estatais, a começar pela Petrobras. Além de derrubar os preços das ações dessas companhias, as falas do presidente jogam para cima o dólar, o que tende a acelerar a inflação e antecipar uma eventual alta da taxa básica de juros (Selic).
Ao afetar o humor de empresários e consumidores, esse ambiente de incertezas desestimula o investimento produtivo e o consumo de bens mais caros, geralmente pagos em prestações. E acaba, portanto, dificultando o crescimento econômico.
O superintendente de estatísticas públicas da Fundação Getulio Vargas (FGV), Aloisio Campelo Júnior, explica que, sem o auxílio emergencial, houve uma demanda menor no comércio e nos serviços.
Neste cenário, complementa Izis Ferreira, economista da CNC, as empresas desses dois setores acabam postergando investimentos, o que implica adiamento da criação de postos de trabalho com carteira assinada e um atraso na própria retomada da economia.
Outro agravante para o setor, segundo ela, foi o desempenho fraco das vendas do comércio em dezembro, mês tradicionalmente mais aquecido. As vendas no varejo ampliado caíram 3,7% em relação a novembro, apontou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Carlos Pedroso, economista-chefe do banco MUFG Brasil, aponta que uma aceleração na vacinação contribuiria para melhorar o humor de empresários e consumidores, já que permitiria o levantamento das restrições ao funcionamento, principalmente do comércio e serviços, e indicaria uma tendência à normalização da atividade econômica.
“Aceleraria o apetite por mais investimentos e contratações. Comércio e serviços dependem muito do fluxo de pessoas nas ruas”, complementa Izis.
O superintendente da FGV também aponta que uma aceleração da vacinação contribuiria para diminuir as incertezas sobre a economia brasileira. Desde 2015, quando o Brasil perdeu o grau de investimento, elas estão acima da média histórica. E tiveram seu pico no segundo trimestre de 2020, com a eclosão da pandemia.
“É difícil tomar uma decisão de investimento em meio a um ambiente de incertezas”, ressalta Campelo. Mas, a redução delas não depende só do avanço na imunização. “É preciso ir além nas reformas, como a tributária, por exemplo.”
Confiança estreia 2021 em baixa
Levantamento divulgado no início do mês pela FGV mostra que a confiança de consumidores e empresários caiu pelo quarto mês seguido em janeiro.
“Tradicionalmente, a confiança é mais fraca no início do ano por causa das férias e do comprometimento do consumidor com despesas típicas de início de ano, como IPTU, IPVA e despesas escolares, mas este ano o cenário está sendo agravado, do lado do consumidor, pela interrupção no pagamento do auxílio emergencial e pela inflação elevada, que afeta o poder de compra das pessoas”, explica Carlos Pedroso, economista-chefe do banco MUFG Brasil.
A intenção de consumo das famílias, medida pela CNC, registrou o pior desempenho para um mês de janeiro, desde o início da série histórica, em 2010. “A incerteza em relação ao desempenho do mercado de trabalho ainda é grande. Há muitos desempregados e a informalidade aumentou”, diz Izis.
Esta falta de avanço no consumo acaba afetando o humor do empresário. Mas não é só isso, explica Pedroso. “Há segmentos que ainda sentem dificuldades para importar insumos e matérias-primas. Comércio e serviços temem que, num eventual avanço da pandemia, sejam obrigados a adotar novas medidas restritivas.”
Outro fator que pesou nesta redução de confiança, segundo a FGV, é o cenário econômico desafiador para 2021. “O medo da pandemia e de seus efeitos sobre a economia, mais notadamente sobre o mercado de trabalho, devem manter o consumidor muito cauteloso neste primeiro semestre de 2021”, explica a instituição.
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Indústria sente menos perda de confiança
Um dos setores que menos sentiu essa perda na confiança foi a indústria. Há, de acordo com a FGV, uma ocorrência de um percentual acima do normal de empresas com poucos estoques, o que consiste em fator de impulso à produção nos meses seguintes. E o nível de utilização da capacidade instalada atingiu 79,9% em janeiro, o maior nível desde novembro de 2014.
Mas este aquecimento não é uniforme, aponta a instituição. As indústrias têxtil, celulose e papel, e farmacêutica vem reagindo com maior vigor, usando mais a sua capacidade instalada.
Embora haja mais ânimo na indústria que nos demais setores, o cenário ainda inspira cautela. Dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostram que a confiança do empresário industrial recuou pelo segundo mês seguido em fevereiro. “A avaliação das condições correntes de negócio se tornou menos positiva”, explica Marcelo Azevedo, gerente de análise econômica da entidade empresarial.
Segundo ele, a percepção do estado atual da economia brasileira e das empresas é de melhora na comparação com os últimos seis meses, mas essa visão já foi mais forte e disseminada entre os empresários. “É um indicador para ser acompanhado, pois o otimismo é importante para estimular a produção, o investimento e a geração de empregos.”