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Câmbio

De quem é a “culpa” pela alta do dólar

Uma frase conhecida da economia brasileira diz que Deus inventou o câmbio para humilhar os economistas. Quem disse isso foi o economista Edmar Bacha, que integrou a equipe criadora do plano Real. Ele está certo. Há pouco mais de dois anos, o mercado esperava que o dólar caísse abaixo de R$ 3, quiçá chegasse a R$ 2,50. Isso não aconteceu. Ao contrário. Nesta terça-feira (26), a cotação da moeda americana bateu R$ 4,27, recorde nominal do plano Real. Mas, afinal, de quem é a culpa pela disparada do dólar?

O Brasil tem feito sua lição de casa para recolocar a economia nos eixos e até conseguiu aprovar uma reforma importante, a da Previdência. Ainda assim, não está conseguindo atrair investimento estrangeiro e, portanto, menos dólares circulam por aqui. A euforia com o novo governo deu espaço a desconfiança, e até mesmo incômodo com determinadas declarações.

A escalada do dólar desta semana é explicada, em partes, pela declaração de Paulo Guedes, ministro da Economia, que declarou não estar preocupado com a alta da moeda na segunda-feira (25), em evento nos Estados Unidos. “É bom se acostumar com juros mais baixos por um bom tempo e com o câmbio mais alto por um bom tempo”, afirmou. O mercado reagiu.

Os fatores internos ajudam a explicar uma parte das razões para a alta do dólar, mas não são exclusivos. A guerra comercial entre Estados Unidos e China continua provocando oscilações na economia global. Até mesmo os protestos em países vizinhos – como Bolívia, Chile e Colômbia –, além do resultado de eleições, como na Argentina, também influenciam no comportamento da moeda americana.

A Gazeta do Povo ouviu dois especialistas – Cristiane Quartaroli, economista e estrategista de câmbio Banco Ourinvest, e João Fernandes, economista da Quantitas Gestão de Recursos – para traçar um panorama dos “culpados” pela alta do dólar. Pelo menos seis fatores explicam o avanço das cotações.

Fatores externos

Estados Unidos e a guerra comercial

Mais do que qualquer mudança no mercado interno, é o cenário externo que tem movimentado muito o câmbio. E não só no Brasil. “A gente está vivendo um momento de muita aversão ao risco, tanto aqui quanto lá fora. E a gente depende muito, no Brasil, do cenário externo. Qualquer movimentação lá fora acaba impactando aqui”, lembra a economista Cristiane Quartaroli. Um exemplo é a guerra comercial travada entre Estados Unidos e China. A animosidade e troca de farpas entre os dois países, que acabam subindo barreiras entre si, acabam refletidas em toda economia global.

Além disso, o dólar segue em um momento de força no mundo. “Os Estados Unidos ainda é um dos países que mais cresce no mundo. É um país que, em relação aos [outros países] desenvolvidos, tem os juros mais altos e isso mantém atratividade maior para os capitais permanecerem lá e, por consequência, diminuir a oferta de dólar no mundo. A diminuição da oferta faz o preço do dólar encarecer globalmente”, explica João Fernandes, da Quantitas.

Situação dos vizinhos

A aversão aos riscos respinga no Brasil por causa do momento de turbulência política por qual a América Latina está passando. O economista João Fernandes lembra de que há efeitos adversos que ocorrem por causa dos eventos políticos, como os protestos e movimentações sociais no Chile, Bolívia, Colômbia e Peru, e até mesmo as incertezas com o novo governo da Argentina. “Há um clima negativo no âmbito político dos nossos vizinhos e por mais que estejamos em um caminho diferente dos vizinhos, a gente sofre esses efeitos também, sempre vai ser influenciado por uma contaminação. Há um risco de ter algum efeito no Brasil e o investidor acaba ficando mais receoso”, analisa.

Fatores internos

Juros baixos

A Selic, taxa básica de juros da economia brasileira, nunca foi tão baixa. Está fixada em 5% ao ano e pode cair mais meio ponto percentual até o fim do ano. Se os juros baixos são bons para o mercado interno, não são tão interessantes para os investidores. “Se colocar todo os países emergentes dentro de uma bola, o Brasil, em termos de investimento, é menos atrativo, porque tem uma taxa de juros muito baixa”, lembra Cristiane Quartaroli, do Banco Ourinvest. Nesse patamar, muitos investidores acabam optando para fazer seus aportes de capital em outros locais, que remuneram melhor o investimento.

Declarações do governo

A imagem do país lá fora importa – e muito – para fins de investimento. E declarações polêmicas de membros do governo podem atrapalhar o processo de atração de investidores. “A gente precisa de boas notícias aqui e somos bastante dependentes de fluxo de investimento estrangeiro, que não estamos tendo. Vimos no começo do ano o movimento de oba-oba com a chegada do novo governo, mas esse cenário não se confirmou ao longo do ano”, frisa Cristiane. Ela ainda ressalta que a imagem ruim do país atrapalha. Um exemplo foi a situação das queimadas e desmatamento na Amazônia, que repercutiu muito mal no exterior. Um grupo de mais de 200 fundos de investidores internacionais publicou um manifesto indicando a consternação com esse cenário.

Na opinião de João Fernandes, economista da Quantitas, a “cereja do bolo” para a disparada desta terça (26) foram as declarações de Paulo Guedes. “Ele declarou publicamente que não está preocupado com o nível do câmbio. Tratou como algo relacionado à dinâmica da economia e mostrou que a equipe econômica não está desconfortável com esse nível de dólar”, pontua.

Para ele, esse tipo de manifestação tem, sim, impacto em como os agentes de mercado vão se comportar e esse efeito já foi sentido. O Banco Central reagiu à disparada e anunciou a venda de dólar à vista, o que conteve a alta por alguns instantes.

Cessão onerosa: o megaleilão do pré-sal

O megaleilão do pré-sal, na área conhecida como cessão onerosa, poderia ter rendido R$ 106,5 bilhões. Mas o apetite dos investidores foi muito mais comedido do que o estimado pelo governo: metade dos campos disponíveis não receberam ofertas e o governo só arrecadou R$ 69,9 bilhões e viu a Petrobras ser a maior compradora das áreas.

Esse leilão foi realizado no começo do mês de novembro. Antes disso, a cotação do dólar estava oscilando até um patamar de R$ 4. Depois, com o resultado frustrado, houve a primeira alta, com a moeda ultrapassando os R$ 4,10 e alcançando até R$ 4,15.

“Tinha uma expectativa de que esse leilão seria um sucesso, teria comprometimento de entrada de capitais. O que aconteceu é que foi frustrante o desempenho do leilão, não vai ter essa entrada tão grande de estrangeirismo para explorar campos de petróleo aqui. E, se tem menos estrangeiros entrando, vai ter menos pagamento de dólar”, explica João Fernandes, da Quantitas.

Reformas: é preciso mais

Muita coisa mudou no Brasil de 2017 para cá, quando a expectativa era de que a simples aprovação da reforma da Previdência fosse responsável por reduzir o câmbio. A nova Previdência brasileira está aí, mas isso teve pouco reflexo na cotação da moeda americana. “Nossa economia está muito fragilizada. Por mais que a reforma da Previdência tenha sido aprovada, ainda temos outras em questão, a administrativa e tributária. Nenhuma dessas duas vai sair esse ano e só a Previdência não é suficiente”, aponta Cristiane Quartaroli, do Banco Ourinvest.

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