Se consideradas em conjunto, as criptomoedas já são a quinta moeda em circulação no mundo. Seu valor de mercado ultrapassou US$ 1 trilhão no começo deste ano. A mais conhecida delas, o bitcoin, subiu mais de 300% em 2020 e acumulou valorização de mais de 50% nos primeiros 40 dias de 2021. Ganhou ajuda extra da Tesla, que anunciou em balanço anual a compra de US$ 1,5 bilhão em bitcoins e revelou que em breve pretende aceitar a criptomoeda no pagamento de seus produtos.
Entretanto, por ora parece pouco provável que as criptomoedas ganhem status comparável às moedas fiduciárias – ou seja, o dinheiro "real", que a gente carrega na carteira ou mantém na conta corrente.
O economista Gustavo Cunha, com mais de 20 anos de experiência no mercado financeiro, destaca que para alcançar o patamar de uma moeda "de fato", é preciso que as moedas digitais reúnam três funções clássicas: ser uma reserva de valor, um instrumento de troca (poder ser usado para comprar produtos) e ser usado como medida para a cotação de preços. Numa análise feita com base no bitcoin, a mais antiga e predominante entre as moedas digitais, Cunha destaca que esse último ponto já coloca um "não" na resposta, ao menos no momento atual.
"Você pode até pagar em bitcoin, mas a cotação é em dólares, em euros. Ninguém sabe quanto custa um pacote de leite, de arroz em bitcoin", pondera. Apesar disso, os outros dois critérios são presentes, especialmente a reserva de valor. O espaço dessa criptomoeda nesse contexto já estaria evidente, disputando, inclusive, com o ouro. "Ele [o bitcoin] é um bem escasso, só que tem alguns benefícios muito maiores em relação ao ouro. É fácil de ser transacionado, qualquer pessoa pode fazer, pode custodiar", enumera o economista.
A escassez do bitcoin é explicada pelo limite de emissão, que foi definido em 21 milhões de unidades quando da sua criação. Atualmente já há mais de 18,5 milhões delas em circulação. Como essa criptomoeda não é inflacionária, as moedas fiduciárias tendem a perder valor em relação a ela, o que explica a corrida do bitcoin, com grandes investidores e hedge funds cada vez mais interessados e atuantes no mercado.
Com fortes oscilações no valor, para cima e para baixo, o bitcoin desencoraja sua utilização em troca de bens e serviços, por isso, na visão de Cunha, ele deve se consolidar mesmo na posição de um ativo de investimentos.
Esse cenário, entretanto, não significa que outras criptomoedas não possam assumir espaços mais ligados ao cotidiano, com tecnologias que avançaram para soluções de pagamentos mais efetivas, escaláveis e baratas, em um movimento de grande descentralização e desintermediação. Aqui entram as chamadas stablecoins.
Moedas com menos centralização, sem intermediários
Na prática, essa tecnologia se vale da tokenização de ativos com lastro em uma moeda fiduciária. "De forma mais simples: eu pego alguns bilhões de dólares, coloco numa conta num banco e emito a mesma quantidade de tokens, de tal forma que aquele token ele é um para um com o dólar", explica Cunha. Assim, aquela criptomoeda vira um dólar no meio digital, com todas as vantagens de pagamentos, transferências.
A manobra, na avaliação de Cunha, está revolucionando a arquitetura de mercado financeiro, mas preocupa os Bancos Centrais, que já respondem com moedas digitais próprias.
Cunha propõe um exercício: "Imagina se de repente todo mundo começa a utilizar esse sistema de pagamentos com stablecoins [que são moedas privadas] e esse token vira um meio de pagamento principal da moeda? O Banco Central [em questão] perde muito em termos de controle de política monetária".
Para evitar esse descontrole, surge o Central Bank Digital Currency, ou CBDC, que é uma forma de os BCs manterem pulso sobre a moeda, mas também sobre o meio de pagamento. Mais avançados nesse campo estão China e Suécia, mas a tendência deve se espalhar uma vez que a digitalização se estende para todos os lugares do mundo.
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