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Desde o início de 2020, o real vem sofrendo um forte processo de desvalorização frente ao dólar. Para se ter uma ideia, em 2 de janeiro deste ano a moeda norte-americana valia R$ 4,02. Na última quarta-feira (20), a cotação média foi de R$ 5,70, segundo o Banco Central – e já não parece ilusão falar em um cenário no qual o dólar baterá os R$ 6.
A intensificação da desvalorização do real registrada nos últimos meses aconteceu de forma semelhante em 2015, a partir do início do segundo mandato da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). De acordo com Rafael Leão, economista-chefe da consultoria Parallaxis, alguns fatores presentes naquele momento seguem como pano de fundo para a valorização atual do dólar.
"O boom de commodities se encerrou, já que os preços estagnaram ou até recuaram um pouco. No limite, o que se tem é um modelo de crescimento esgotado e sem grande perspectiva de melhora", explica.
O choque cambial de 2020, porém, tem mais ingredientes em sua composição. A pandemia do coronavírus, é claro, é uma das explicações para a desvalorização do real. A moeda brasileira, entretanto, vem sofrendo mais do que as de outros países emergentes que também foram afetados pela Covid-19.
Reportagem do jornal inglês Financial Times afirmou que o real tem a pior performance entre as moedas em 2020 e, de acordo com analistas, ainda pode cair mais em decorrência da crise do coronavírus.
"É um fenômeno global. Todas as moedas estão apanhando do dólar, só que o Brasil está apanhando muito mais", afirma Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating.
Veja quais fatores ajudam a explicar a valorização crescente do dólar frente ao real:
1. Incerteza provoca corrida por ativos mais seguros
O primeiro fator se relaciona diretamente com a pandemia. Com a incerteza advinda do combate ao vírus, os investidores tendem a buscar ativos considerados mais seguros para aplicar seus recursos. Nesse movimento, países emergentes como o Brasil tendem a ser deixados de lado, já que envolvem mais risco.
Divulgado na quarta-feira (20), o Indicador de Incerteza da Economia Brasil, calculado pela Fundação Getulio Vargas (FGV), chegou ao nível mais alto da série histórica, passando dos 200 pontos. A economia brasileira aparece como a mais carregada de incertezas numa lista de 20 países.
"De modo geral, os investidores preferem correr o risco dos EUA, investir em empresas mais sólidas ou até mesmo resgatar o dinheiro para deixar parado", diz Arthur Rubert, sócio da Allez Invest.
Alex Agostini, da Austin Rating, ressalta, ainda, que a capacidade de pagamento dos EUA é alta mesmo na comparação com outros países desenvolvidos. "Em termos de títulos públicos, é um país com boa rentabilidade e maior segurança", explica.
O processo de fuga de investimentos de países emergentes também afeta o mercado de derivativos cambiais brasileiro. Isso porque muitos investidores utilizam o mercado financeiro do Brasil como uma espécie de intermediário para fazer aplicações em outros países emergentes.
"Alguém que queira fazer investimento na Turquia, por exemplo, faz uma operação de segurança no Brasil. Nesse momento, porém, esse investidor vai preferir ativos seguros de economias desenvolvidas, e por isso vai desmontar a operação na Turquia e no Brasil ao mesmo tempo", explica Rafael Leão, da Parallaxis.
2. Juros no menor patamar histórico deixam dólar mais atrativo
Outro fator deu impulso à saída de investimentos do Brasil: a queda na taxa básica de juros, a Selic. No início de maio, o Banco Central (BC) fez um novo corte na taxa, que passou a ser de 3% ao ano – o menor valor da história. Até o fim do ano, o BC não descarta diminuir ainda mais a Selic, na tentativa de estimular a economia em meio à pandemia.
"Quando os juros eram altos, ainda que o risco também fosse elevado, o Brasil atraía investimentos. Em relação aos demais emergentes, o país tinha oportunidades melhores para os investidores", diz Alex Agostini.
A queda na Selic, porém, fez com que a rentabilidade dos títulos brasileiros diminuísse. Com isso, o país acabou ficando menos atrativo, o que reforça o movimento de fuga para ativos mais seguros.
3. Instabilidade política aumenta risco associado ao país
A crise política pela qual o governo de Jair Bolsonaro vem passando, além disso, reforça as incertezas dos investidores, o que dá mais combustível para a valorização do dólar. "Não existe grande confiança em relação ao que será o Brasil pós-pandemia", avalia Rafael Leão.
As turbulências do governo se refletem imediatamente nas negociações da Bolsa de Valores de São Paulo. Na ocasião da demissão do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, por exemplo, a B3 chegou perto de ter de acionar o chamado "circuit breaker" – a interrupção das negociações para acalmar os ânimos do mercado. Na ocasião, o dólar bateu o recorde para a época, fechando em R$ 5,66.
A moeda se acomodou um pouco nos últimos dias, mas a eventual divulgação do vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, pode causar novos tremores no mercado. O registro do encontro foi apontado pelo ex-ministro Sergio Moro como prova de suposta interferência de Bolsonaro na Polícia Federal.
Outro indicador de como as decisões políticas afetam os ânimos do mercado é a associação entre uma possível demissão do ministro da Economia, Paulo Guedes, e o aumento do risco relacionado ao Brasil. Nesse sentido, uma pesquisa realizada pelo Bradesco BBI apontou que 40,6% de representantes de gestoras do país consideram a saída do ministro como o maior risco para o país.
Como a valorização do dólar afeta pessoas e empresas
As consequências do aumento do dólar já são sentidas por consumidores e empresários brasileiros. Para as pessoas, o valor mais alto representa uma perda no poder de compra.
As viagens e compras no exterior, que são encarecidas de imediato pela alta da moeda norte-americana, estão em baixa neste momento de pandemia. Com isso, pouca gente sente agora esse efeito do dólar mais alto.
Mas o impacto também existe sobre as despesas feitas aqui no Brasil. Todo produto importado, ou com grande quantidade de insumos trazidos de fora, tende a ficar mais caro. Neste momento de pandemia, em que a demanda por bens duráveis diminuiu, esse efeito é maior sobre os bens de consumo mais imediato, como alimentos e bebidas.
Para as empresas, de um lado, as exportações ficaram mais vantajosas, o que tem beneficiado especialmente o agronegócio e a indústria de alimentos.
Nem no campo, porém, os benefícios devem durar para sempre. No caso dos produtores de soja, por exemplo, a próxima safra deve ter aumento no preço dos insumos, como defensivos agrícolas – que dependem de matéria-prima importada.
Os insumos para a indústria também aumentaram de preço. A diferença é que, para esse setor, o alívio das exportações é muito menor. E a dependência de insumos importados, que ficaram muito mais caros, é grande.
"Como o Brasil sofreu um severo processo de desindustrialização, as empresas deixaram de consumir insumos domésticos e passaram a comprar importados. Quando acontece uma desvalorização como essa, os empresários ficam com a margem de lucro mais espremida, já que não conseguem repassar o preço para o consumidor porque a demanda está muito fraca. Se eles deixarem os produtos mais caros, ninguém vai consumir", explica Rafael Leão.
O dólar valorizado também prejudica as empresas que fizeram empréstimos em moeda estrangeira. "Isso representa um crescimento das dívidas muito grande para as empresas, já que elas lucram em real e têm que pagar em dólar", diz Arthur Rubert, da Allez Invest.
Ele acrescenta que a oscilação da moeda norte-americana também prejudica o planejamento dos negócios. "Muitas empresas fazem o planejamento em cima dessa dívida. Elas têm que tentar renegociar e travar alguns preços de moeda, mas nem sempre isso acontece", completa Rubert.
A assinatura de contratos fica mais difícil. Nesse caso, não se trata apenas de uma moeda mais cara, mas também da dúvida sobre o patamar ao qual ela chegará: se continuará subindo ou se pode dar um alívio. As oscilações bruscas das cotações tendem a deixar vendedores e compradores inseguros e adiar o fechamento de negócios, em especial quando envolvem grandes volumes.
A médio prazo, porém, o dólar valorizado pode representar um impulso para que setores industriais do país voltem a se desenvolver. De acordo com Rafael Leão, se o câmbio se estabilizar no patamar em que está, o país pode se aproveitar desse contexto para voltar a produzir insumos localmente. "Isso se, em conjunto, houver políticas de estímulo à exportação e ao crédito, é claro", complementa o economista.
Conteúdo editado por: Fernando Jasper