O carvão, combustível que abasteceu a era industrial, levou o planeta à beira de uma mudança climática catastrófica.
Os cientistas repetidamente alertaram sobre seus perigos iminentes, mais recentemente quando um grande relatório científico divulgado por 13 agências governamentais dos EUA concluiu que os danos causados pela mudança climática poderiam afetar em cerca de 10 por cento o tamanho da economia americana até o fim deste século, se não forem tomadas medidas significativas para controlar o aquecimento.
Internacionalmente, um relatório de outubro do painel científico das Nações Unidas sobre o aquecimento global constatou que evitar uma devastação pior exigiria uma transformação radical da economia mundial em apenas alguns anos.
A base dessa transformação: parar de usar carvão, e rápido.
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E, mesmo assim, três anos após o acordo de Paris, quando os líderes mundiais prometeram agir, o carvão não mostra nenhum sinal de desaparecimento. Seu uso certamente vai acabar desaparecendo em todo o mundo, mas aparentemente não será de forma rápida o suficiente para evitar os piores efeitos da mudança climática, de acordo com a última avaliação da Agência Internacional de Energia. De fato, no ano passado, a produção global e o consumo aumentaram após dois anos de declínio.
Barato, abundante e o pior poluidor entre os combustíveis fósseis, o carvão continua a ser a maior fonte de energia para gerar eletricidade em todo o mundo. E isso, mesmo quando energias renováveis, como a solar e a eólica, estão rapidamente se tornando mais acessíveis. Em breve, o carvão não teria nenhum sentido financeiro para seus apoiadores.
Então, por que é tão difícil parar de usá-lo?
Porque o carvão é poderoso. Está lá, milhões de toneladas métricas, abaixo do solo. Empresas poderosas, apoiadas por governos poderosos, muitas vezes na forma de subsídios, estão com pressa de ampliar seus mercados antes que seja tarde demais. Os bancos ainda lucram com isso. Grandes redes nacionais de eletricidade foram concebidas para lidar com ele. As usinas de carvão podem ser uma maneira infalível de os políticos garantirem eletricidade barata – e manterem seu próprio poder. Em alguns países, é uma grande fonte de propina.
E mesmo que as energias renováveis estejam se espalhando rápido, elas ainda têm limites: a geração solar e a eólica existem quando a brisa sopra e o sol brilha, e isso exige que as redes elétricas tradicionais sejam reestruturadas.
“A principal razão pela qual o carvão ainda é usado é que a estrutura já está pronta”, disse Rohit Chandra, que fez seu doutorado em política energética em Harvard, com especialização em carvão na Índia.
A batalha sobre o futuro do carvão está sendo travada na Ásia.
Lar de metade da população mundial, a Ásia é responsável por três quartos do consumo global do minério. Mais importante: é responsável por mais de três quartos das usinas de carvão sendo construídas ou em estágio de planejamento – 1.200 delas, de acordo com o Urgewald, um grupo alemão de defesa que acompanha o desenvolvimento do carvão. Heffa Schücking, que dirige o Urgewald, chamou essas usinas de “um ataque aos objetivos de Paris”.
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A Indonésia está extraindo mais carvão. O Vietnã está abrindo espaço para novas usinas de carvão. O Japão, que se recupera do desastre de uma usina nuclear em 2011, ressuscitou o minério.
Porém a maior força do mundo é a China. O país consome metade do carvão global. Mais de 4,3 milhões de chineses trabalham nas minas de carvão do país. A China aumentou em 40 por cento a capacidade de carvão do mundo desde 2002, um aumento enorme em apenas 16 anos. “Tive de fazer o cálculo três vezes”, disse Carlos Fernández Alvarez, analista de energia da Agência Internacional de Energia. “Achei que estava errado. É uma loucura.”
Pressionada pelo clamor público em relação à poluição do ar, a China é agora também a líder mundial de instalações de energia solar e eólica, e o governo central tenta diminuir a construção de usinas de carvão. Mas uma análise da Coal Swarm, uma equipe americana de pesquisadores que defende as alternativas ao carvão, concluiu que novas usinas continuam a ser construídas, e outros projetos propostos simplesmente foram desacelerados, não interrompidos. O consumo de carvão chinês cresceu em 2017, embora em um ritmo muito mais lento que antes, e está a caminho de crescer novamente em 2018, após o declínio em anos anteriores.
A indústria de carvão chinesa está buscando mercados novos, do Quênia ao Paquistão. Empresas do país estão construindo usinas em 17 países, de acordo com o Urgewald. Seu rival regional, o Japão, também está no jogo: quase 60 por cento dos projetos de carvão de empresas japonesas estão fora do país, principalmente financiados por bancos japoneses.
Essa disputa é particularmente austera no sudeste asiático, uma das últimas fronteiras mundiais da expansão do carvão.
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‘Estamos produzindo mais’
A economia e o cálculo político são muito diferentes na maior democracia do mundo: a Índia, com 1,3 bilhão de habitantes.
Ajay Mishra, funcionário público encarregado da energia no estado central indiano de Telangana, sabe bem disso. Cinco anos atrás, disse ele, cortes diários de energia incomodavam seu estado. Ventiladores de teto não funcionavam nas sufocantes tardes de verão. As fábricas dependiam de geradores a diesel. A população de Telangana estava furiosa.
As autoridades do estado tinham de fazer algo para resolver o problema da eletricidade. Elas aproveitaram o sol, transformando brevemente Telangana em líder de produção de energia solar na Índia. Também se voltaram para aquilo em que as autoridades do governo confiam há mais de um século: o vasto veio de carvão no subsolo, que se estende por colinas e florestas da Índia central.
Telangana agora tem eletricidade ininterrupta. Seus agricultores a usam para bombear água, de graça. Ela está facilitando a reeleição, ainda neste ano, da maior autoridade da região, K. Chandrashekar Rao, segundo pesquisas estaduais.
“Temos carvão. Estamos produzindo mais a cada ano. Teremos pelos próximos cem anos”, disse Mishra.
Em uma terça-feira quente de outubro, a cerca de quatro horas de Hyderabad, a capital de Telangana, um exército de homens de shorts jeans escavava no subsolo.
Uma roldana simples os transportava, parecida com um elevador de esqui, só que aqui a viagem era para o subsolo. Ouvia-se só o rangido da roldana e a água pingando sob a terra. Aqui e ali, ao lado, havia mineiros, suas formas mal visíveis na escuridão, exceto pelas lanternas amarradas em seus corpos.
Cerca de 274 metros abaixo da superfície, onde o ar era negro e gelado, uma explosão derrubou uma parede de carvão. Pequenos pedaços foram empilhados em banheiras e levados para fora, e daí carregados em caminhões que tomavam as estradas do país, espalhando uma camada de cinzas por onde passavam.
O governo está investindo tão profundamente no carvão que esta mina, como outras, é estatal, assim como a maioria das usinas de energia. O carvão subsidia a vasta rede ferroviária do país.
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A pessoa no topo desse sistema, o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, tentou lançar uma imagem de defensor da energia limpa. Mas também está inaugurando novas minas de carvão. Seu governo facilitou para a indústria, incluindo a mineração, a obtenção de licenças ambientais, irritando os ambientalistas. As estatais da Índia estão construindo novas usinas a carvão em todo o país, quase todas financiadas por bancos do setor público.
Em uma entrevista na capital, Nova Déli, o secretário de Energia da Índia, Ajay Bhalla, disse que cerca de 50 gigawatts de capacidade adicional de carvão estavam em construção. Isso é uma fração do que estava em desenvolvimento até uma década atrás, quando se acreditava que a demanda por energia no país iria aumentar. Muitas dessas usinas substituirão as mais velhas e mais poluentes. Porém o carvão não vai ser aposentado tão cedo, previu ele, não até que haja uma maneira barata e eficiente de armazenamento de energia solar e eólica.
Os analistas dizem que a Índia deve reformar sua rede elétrica para a era pós-carvão. A tecnologia da bateria avança rapidamente. Microrredes podem substituir os sistemas tradicionais de eletricidade. Muitas usinas de carvão existentes estão funcionando agora abaixo da capacidade e diversas estão ociosas. Novos padrões de eficiência energética poderiam retardar a demanda a ponto de haver uma enormidade de usinas caras, deixando inúmeros ativos encalhados para os bancos do setor público, que as financiaram.
Mas, por enquanto, o carvão representa 58 por cento da energia da Índia. “Não estou usando carvão porque quero, mas porque preciso”, disse Bhalla.
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