Ao que tudo indica, o governo terá mais trabalho do que julgava para esfriar a economia. O sinal amarelo foi dado na semana passada, quando o Banco Central admitiu que não trabalha mais com a possibilidade de a inflação convergir para o centro da meta de 4,5% em 2011. O crédito continua a rodar em alta velocidade, com um crescimento no ritmo de concessões de 21% nos últimos 12 meses. Ou seja, o consumo continua aquecido. Mesmo com as medidas macroprudencias adotadas no fim de 2010 e a alta do juro básico, hoje em 11,75% ao ano, a proporção do crédito sobre o PIB bateu recorde e atingiu 46,5% em fevereiro.
Analistas acreditam que o governo deverá lançar novas medidas para conter o consumo. A expectativa é de que o BC seja mais "agressivo" nas medidas macroprudenciais. As apostas são de uma nova elevação do empréstimo compulsório dos bancos e de mais aumentos nas alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Na semana passada, o governo taxou em 6% o IOF das captações externas de até 360 dias até então, o imposto era de 5,38% e incidia apenas sobre empréstimos de até 90 dias. Há quem pense que o governo pode elevar esse prazo para além de um ano.
O presidente do BC, Alexandre Tombini, tem dito que o ideal é que o crescimento do crédito possa convergir para um nível próximo de 13%, para evitar novas pressões inflacionárias. Quanto mais tempo a economia demorar para desacelerar, maiores são as chances de a inflação ficar acima de 4,5% em 2012. "Vale lembrar que em 2012 já está garantido um aumento do salário mínimo de cerca de 14%, o que é uma pressão inflacionária importante", afirma Silvio Campos Neto, da consultoria Tendências. Na avaliação dele, o crédito ainda está crescendo em um ritmo muito superior ao que o governo pretende. "O BC acredita que esse ritmo vai se ajustar naturalmente, mas hoje os indicadores mostram o contrário."
Segundo Thais Marzola Zara, economista chefe da Rosenberg Consultores Associados, o BC terá de ser "contundente" nas medidas macroprudenciais para que os efeitos possam surtir efeito. As mudanças adotadas no fim do ano passado, por exemplo, tiveram reflexo apenas em janeiro. Em fevereiro, o crédito voltou a crescer.
Em dezembro do ano passado, o BC elevou o crédito compulsório quantia de dinheiro que os bancos têm de deixar na autoridade monetária em R$ 61 bilhões e reduziu as condições para financiamento de automóveis, com a redução das opções de prazo sem entrada. Mas, depois da queda verificada em janeiro, em fevereiro a média diária de concessões (novos empréstimos) cresceu 8,4%. Para os consumidores, os maiores aumentos foram no crédito pessoal (19,6%) e no financiamento de veículos (18,2%).
O consumo está demorando mais para esfriar principalmente por causa do elevado nível de emprego e do aumento da renda. Os rendimentos continuam a subir, ajudando a amortecer um pouco os efeitos da elevação dos preços. Os bancos, por outro lado, mesmo com o aumento do compulsório, encontraram nas captações externas uma forma de manter as condições de financiamento.
Riscos
A forte competição e as metas de crescimento dessas instituições vêm confrontando a estratégia do governo de reduzir o ritmo de concessões de empréstimos, afirma o professor José Pereira da Silva, especialista em mercado de crédito da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (Eaesp/FGV).
Segundo ele, o BC terá muito trabalho pela frente não apenas em 2011, mas também nos próximos anos, já que os investimentos no pré-sal e na preparação da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos vão, no fim das contas, gerar mais demanda para a economia. O consumo em alta também reflete o grau de confiança na economia e carrega "os bons números de 2010", quando o PIB brasileiro avançou 7,5%.
Apesar disso, a maioria dos analistas prevê um ciclo de aperto monetário mais ameno com apenas mais um reajuste, de 0,25 ou 0,5 ponto porcentual, na próxima reunião do Copom, nos dias 19 e 20. "O BC tem um problema complexo no seu radar. Se subir muito os juros, que já estão altos, terá mais entrada de capital, com efeitos sobre o câmbio, e punirá as empresas que precisam de dinheiro no mercado para fazer frente a investimentos e capital de giro", afirma Pereira.
A maioria dos analistas acredita que a decisão do BC de diminuir o ritmo do aperto monetário no combate à inflação para preservar o crescimento da economia foi prematura. "Há o risco de, se o aperto monetário não ocorrer, termos um período mais longo de inflação. O governo tem de decidir se quer ter um regime de metas de inflação ou de câmbio", afirma Silvio Campos Neto, da Tendências.