Movimento de contêineres em pátio ferroviário em Rochelle (EUA): pandemia de covid-19 causou descompasso entre oferta e demanda, o que levou ao aumento da inflação nos EUA.| Foto: Tannen Maury/EFE/EPA
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Inflação alta não é só no Brasil. Aqui e em outros países, os índices de preços têm atingido os maiores níveis em muitos anos. E, nesse cenário, tem especial importância o avanço do custo de vida nos Estados Unidos, porque é o que mais tende a afetar a economia mundial.

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No Brasil, a inflação acumulada em 12 meses chegou a 10,67% em outubro, o maior índice desde dezembro de 2015. Enquanto isso, o índice de preços ao consumidor norte-americano (CPI, na sigla em inglês) atingiu 6,2% em outubro, o mais alto em 31 anos, segundo o US Bureau of Labor Statistics.

Um dos motores da inflação mundo afora foi a injeção de dinheiro público nas economias, seja por meio da compra de ativos financeiros ou de planos de distribuição de renda para tentar minimizar os impactos da pandemia de Covid-19. Os EUA foram além e estão desenvolvendo um plano trilionário para melhorar a infraestrutura. “Isso acabou impactando”, comenta o gestor de investimentos Igor Cavaca, da Warren.

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A injeção de recursos favoreceu o descasamento entre oferta e demanda, explica Lívio Ribeiro, pesquisador associado da Fundação Getulio Vargas (FGV). Quando a pandemia começou, no primeiro trimestre de 2021, houve uma queda abrupta na demanda, motivada pelas restrições à mobilidade, o que fez com que a oferta encolhesse rapidamente. Mas, com a vacinação e a redução dos impactos, a procura cresceu com força e a oferta não conseguiu se adaptar à nova realidade.

O resultado foi a alta de preços em várias matérias-primas e componentes, como o aço, os semicondutores (chips) e os combustíveis.

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Choques na inflação deixaram de ser temporários

Ribeiro aponta que esses choques deixaram de ser descritos como temporários. “Podem não ser estruturais, mas são suficientemente persistentes para levar a preocupação com as expectativas de inflação a prazos mais longos. Os bancos centrais têm de agir para evitar que o processo de formação dos preços seja afetado estruturalmente”, diz.

A inflação tende a persistir à medida que as condições sanitárias vão se normalizando mundo afora, mesmo diante de sustos como a variante ômicron, ao mesmo tempo em que as cadeias de oferta seguem desorganizadas. Esse cenário levou o Fed – o banco central norte-americano – a mudar de posição em relação ao fim dos estímulos monetários e ao aumento na taxa de juros, diz Ribeiro.

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O presidente da instituição, Jerome Powell, admitiu no fim de novembro que pode acelerar o fim do tapering (compra de ativos financeiros) e logo após iniciar o aumento dos juros básicos da economia americana, que estão na faixa de 0% a 0,25% ao ano. Originalmente, o tapering deveria terminar em junho de 2022.

A economia americana está muito aquecida – a projeção do Fundo Monetário Internacional (FMI) é de um crescimento de 5,97% em 2021 e de 5,2%, em 2022 – e com uma inflação elevada, que começa a ser considerada como mais persistente.

Combustíveis são um dos principais responsáveis pelo aumento nos preços nos EUA: a alta deles em 12 meses chega a 30%. A gasolina subiu 49,6%; o óleo combustível, 59,1% e o gás natural, 28,1%.

Escassez de semicondutores afeta as montadoras

Outros itens que tiveram forte alta nos preços nos EUA em 12 meses foram caminhões e carros usados (26,4%) e carros novos (9,8%, a maior alta desde maio de 1975).

“Esse movimento tem sido atribuído à escassez de chips semicondutores, amplamente usados nos sistemas de veículos modernos, o que limita a capacidade de oferta da indústria automobilística”, apontam, em relatório, os economistas do banco Inter.

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A importação americana de microprocessadores aumentou 18% no acumulado do ano. Para o Inter, a falta deste insumo é explicada pelo aumento desproporcional da demanda. “Na medida em que a oferta de serviços esteve restrita nos últimos meses, os consumidores direcionaram o orçamento para a aquisição de bens, especialmente eletrônicos, o que é ilustrado pelo nível das vendas no varejo operando cerca de 15% acima da tendência pré-pandemia.”

A expectativa é de que o problema comece a perder força a partir deste mês e seja resolvida ainda até junho. Com o controle da pandemia e a abertura do setor de serviços, espera-se uma normalização na demanda do consumidor.

“Soma-se a isso, ainda, a atenuação recente das medidas adotadas nos países asiáticos produtores de semicondutores, como Malásia, Taiwan e Vietnã, o que permite a retomada da capacidade das empresas locais e alívio das pressões de preços ao longo do primeiro semestre do próximo ano”, citam os economistas do Inter.

Inflação também é causada pela alta de custo dos fretes

Um gargalo que também está contribuindo para manter a inflação em alta nos Estados Unidos é o transporte internacional marítimo. O frete entre a China e a costa oeste dos EUA chegou a aumentar 13 vezes desde o final de 2019. Portos estariam com dificuldades para descarregar as mercadorias e o governo americano autorizou horário de funcionamento mais alongado.

“Este segundo ponto, ainda mais severo que o primeiro, contribuiu para deteriorar a escassez de produtos em diversos segmentos, permitindo a manutenção de preços extraordinariamente elevados”, apontam economistas do banco Inter.

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Mercado de trabalho é desafio nos EUA

Outro desafio para a economia americana, que tem reflexo na inflação, está associado à escassez da mão de obra. Segundo o banco Inter, com a pandemia, o percentual de indivíduos na força de trabalho (trabalhando ou procurando emprego) recuou de 63,3% da população economicamente ativa para um mínimo de 60,2%. Atualmente, a taxa está em 61,6%.

São 7,4 milhões de desempregados, diante de 10,4 milhões de vagas abertas. “Diversas empresas têm relatado dificuldades de contratação, o que se reverte em salários mais altos e prêmios para a assinatura de contratos, pressionando novamente os custos e repasses de preços ao consumidor”, destacam os economistas do banco Inter.

Luciano Costa, economista-chefe da Kilina Asset, acredita que parte dessas pessoas que estão fora do mercado de trabalho pode voltar, diante da percepção de que não correrá riscos tão altos com a Covid-19, ou então pode se sentir atraída pelos salários mais elevados.

Mas há outra possibilidade, aponta o gestor de investimentos Igor Cavaca, da Warren: uma mudança estrutural no mercado de trabalho americano. “É preciso conferir se mudaram as preferências. A predileção pelo home office cresceu durante a pandemia.”

Quais os efeitos para países emergentes como o Brasil

Costa acredita que diante desse cenário, os Estados Unidos podem acabar com as compras de ativos financeiros entre o primeiro e o segundo trimestres de 2022 e começar a subir os juros básicos a partir de julho. “A discussão é saber se serão duas ou três elevações.”

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Um aumento dos juros após o fim do tapering pode ter implicações relevantes para a economia dos países emergentes. “Isto sobe o sarrafo da política monetária global”, diz o pesquisador. E afetaria o fluxo de capitais para economias emergentes, como a brasileira.

Um aumento na taxa de juros dos EUA tornaria mais atraente o investimento em títulos da dívida pública norte-americana. Ainda que os juros nos países emergentes sejam muito maiores, os "Treasuries" são considerados mais seguros.

“Ficaria mais desafiador atrair recursos para o Brasil. O fluxo seria menor e a renda fixa seria afetada”, afirma o economista-chefe da Kilina Asset. Nesse cenário, tenderia a favorecer a desvalorização do real frente ao dólar. O ponto médio das expectativas para a taxa de câmbio ao fim de 2022, segundo o relatório Focus, está em R$ 5,55. Há quatro semanas, era de R$ 5,50.

Igor Cavaca, da Warren, aponta que complicadores adicionais para o Brasil são a incerteza fiscal e a piora nas expectativas de crescimento, o que acende mais os temores do investidor e aumentam a percepção de risco. E também o fato de que o próximo ano é de eleições, o que acentua a volatilidade dos ativos financeiros.