A proposta de reforma tributária em discussão na Câmara dos Deputados pode trazer o fim de nove impostos, que seriam substituídos por outros três tributos. A mudança provavelmente seria bem recebida por simplificar o sistema, mas teria um ponto importante de resistência porque a ideia é criar um tributo nos moldes da CPMF, a Contribuição Social sobre Operações e Movimentações Financeiras.
Existem boas razões para a CPMF volta e meia aparecer no debate sobre arrecadação. Ela é um instrumento poderoso, que com uma alíquota baixa leva para o governo uma receita alta – as estimativas variam, mas quando deixou de ser cobrada, em 2008, a contribuição tinha alíquota de 0,38% e levava para a União 1,3% do PIB em arrecadação. Além disso, sua fiscalização é simples, sem chances de sonegação, e sua implementação não exige esforço da Receita Federal.
Foi exatamente por essas razões que o governo Lula relutou em abrir mão da CPMF e teve de encarar uma derrota no Congresso no fim de 2007. Oito anos mais tarde, Joaquim Levy, então ministro da Fazenda da Dilma Rousseff, tentou implementar novamente a contribuição, mas nem teve a chance de levar a ideia para o plenário. Provavelmente o governo perderia novamente.
A campanha de 2007 contra a CPMF foi o movimento contra impostos mais bem-sucedido da história recente do Brasil. Dezenas de entidades se uniram e organizaram manifestações de rua contra o imposto, algo raro no país. Por isso, a inclusão desse mecanismo em uma reforma da Previdência deve provocar uma discussão quente.
Há bons argumentos contra a CPMF. Em 2007, a Ordem dos Advogados do Brasil apresentou um estudo ressaltando todos os seus problemas, entre eles o fato de esse tipo de imposto prejudicar a intermediação financeira, aumentar o spread bancário (a taxa de juros ao consumidor), sua cumulatividade (incide várias vezes em uma cadeia) e o fato de não necessariamente incidir sobre uma transação em que há geração de valor.
Do ponto de vista econômico, dois problemas são os mais graves, a cumulatividade e o efeito sobre o sistema financeiro. O primeiro é certo, já que cadeias produtivas mais longas, em que há mais trocas de recursos entre fornecedores, certamente pagam mais vezes a contribuição. O caso da fuga do sistema financeiro depende muito da alíquota. Ela teria de ser elevada para que as pessoas troquem a segurança do uso dos bancos por um sistema financeiro paralelo. Em um artigo de 2007, Joaquim Levy defendeu que não havia sinais de desbancarização no Brasil, mas que era preciso avaliar melhor os efeitos da CPMF sobre o custo do crédito.
Também não há consenso sobre quem paga mais a CPMF. O estudo da OAB defendia que esse é um tributo regressivo, ou seja, que cobra mais de quem tem renda menor. Um cálculo feito pela Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) indicava que as famílias de renda mais baixa pagariam proporcionalmente mais do que as de renda mais alta. No entanto, outro estudo, dos economistas Nelson Leitão Paes e Mirta Noemi Sataka Bugarin, não encontrou diferença significativa.
Com toda essa polêmica, o que explica a volta da CPMF na forma de outra contribuição é mesmo sua capacidade de incidir sobre uma base arrecadatória ampla com baixa sonegação. O problema é que esse é um tributo limitado. Sua alíquota precisa ser baixa para não encarecer o crédito e distorcer o uso do sistema financeiro – o que, na prática, poderia fazer a arrecadação cair. Um trabalho feito pelo economista do Banco Central Pedro Albuquerque, em 2001, estimou essa alíquota máxima em 0,69%. Mas nenhum governo seria insensato a ponto de testar essa conta. Ir além dos 0,38% já testados seria correr um risco desnecessário por uma receita que não chegaria a 2% do PIB (contra uma carga tributária total no país que hoje é de 33% do PIB).
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