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Ameaça ao crescimento: por que o investimento privado sofre para decolar no país

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Falta de chuvas elevou a tarifa de energia e pôs no horizonte a ameaça de um racionamento. (Foto: Lineu Filho/Tribuna do Paraná)

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Depois de um forte crescimento nos três trimestres anteriores, motivado principalmente pela saída dos piores momentos da pandemia da Covid-19, o investimento privado voltou a cair no segundo trimestre deste ano. A queda foi de 3,6%, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Apesar desse recuo em relação aos três primeiros meses do ano, no acumulado do primeiro semestre o investimento deu um salto de 24,3% em relação ao mesmo período do ano passado, que havia sido fortemente impactado pela primeira onda da pandemia.

Analistas ouvidos pela Gazeta do Povo apontam que dificilmente taxas fortes voltarão a se repetir nos próximos trimestres, devido à base estatística mais robusta registrada no último semestre de 2020.

Não é só isso. Uma série de fatores atua como freio para a expansão da formação bruta de capital fixo (FBCF), o nome dado pelos economistas ao investimento produtivo privado: a dificuldade para fazer a renda do brasileiro crescer, as tensões políticas, os problemas fiscais, a baixa atratividade do Brasil no exterior e a crise hídrica.

Não bastasse isso, há fatores de curto prazo que afetam negativamente o investimento. O aumento da inflação, por exemplo, está obrigando o Banco Central a aumentar a taxa básica de juros (Selic), o que tem impacto direto sobre o investimento produtivo, tornando-o menos atraente frente a aplicações no mercado financeiro.

A avaliação cautelosa dos especialistas contrasta com o otimismo do governo. A previsão do Ministério da Economia para 2022 – de crescimento do PIB de 2,5%, praticamente 1 ponto porcentual acima da projeção mediana do mercado financeiro – é calcada, entre outras coisas, na expectativa de expansão do investimento produtivo.

1. Dificuldade para fazer a renda crescer

No comparativo entre os segundos trimestres de 2020 e 2021, a renda média do trabalhador brasileiro diminuiu em termos reais (já descontada a inflação). A maior queda (-11,42%) ocorreu entre os empregadores, seguido pelos trabalhadores domésticos (-7,26%) e pelos autônomos (-5,38%). O cenário só não foi pior porque houve avanço na população ocupada.

Rodrigo Franchini, sócio da Monte Bravo Investimentos, aponta que o Brasil tem um problema crônico, que é o de fazer a renda crescer para estimular o investimento. “O Brasil precisa consumir muito mais internamente”, diz. No segundo trimestre, comparativamente ao primeiro, houve estabilidade no consumo das famílias, segundo o IBGE.

Franchini lembra que o país tem dois importantes trunfos: uma grande população e uma ampla gama de oportunidades. Mas a dificuldade para fazer a renda crescer impede aumentos mais consistentes na confiança no futuro da economia – e isso acaba inibindo consumo e investimento.

Segundo a FGV, a diferença entre a confiança de consumidores e empresários está nos maiores níveis desde 2008. As pessoas estão sendo menos otimistas por causa dos níveis elevados de desemprego e de inflação, além do quadro incerto com relação à pandemia.

2. Tensão política

Outro fator que dificulta o aumento do investimento produtivo no país é a tensão política. O sócio da Turing, André Chede, aponta que as eleições de 2022 já estão no radar. “A incerteza é inimiga do investimento. Há muita insegurança jurídica e institucional no ar”, destaca.

O economista-chefe da Infinity Asset, Jason Vieira, complementa afirmando que a maior tensão está se refletindo em uma revisão das expectativas, tanto para 2021 quanto para 2022. “É um efeito psicológico”, ressalta. Em seis semanas, as projeções para o crescimento da economia brasileira neste ano caíram de 5,27% para 5,04%, segundo o relatório Focus. E para o ano que vem, de 2% para 1,57%.

Ele aponta que essa instabilidade política contribui para ampliar a volatilidade, o que, por sua vez, gera inflação.

Samuel Pessôa, sócio da Julius Baer Family Office (JBFO) e pesquisador da FGV, aponta que o Brasil tem muitos problemas a serem resolvidos. “A incerteza é alimentada pela agenda de confronto do Executivo com os demais poderes.”

Além das tensões, ele lembra que há questões estruturais que afetam as agendas do Executivo e do Legislativo. “As lógicas pelas quais o Presidente e a Câmara são eleitos são diferentes.”

O primeiro, de acordo com Pessôa, é escolhido com base em interesses mais difusos, enquanto os deputados são apontados com base em interesses mais particulares, como setores da economia e classe de trabalhadores.

Esta tensão política, que deve continuar no próximo ano, deve ter efeito negativo sobre o investimento. “Quem puder postergar os planos, certamente irá deixá-los para 2023”, diz Juan Jensen, sócio da consultoria 4intelligence.

3. Problemas fiscais

A inexistência de um acordo sobre como financiar adequadamente o Estado é outro problema que impede um crescimento mais robusto e sustentável da economia brasileira, aponta o sócio da JBFO.

“É um problema que se arrasta há anos. Vivemos uma crise fiscal aguda mais explícita em meio a um grande conflito distributivo”, afirma Pessôa. O Brasil registra sucessivos déficits primários – isto é, sem levar em consideração as despesas com juros da dívida – desde 2014. O último superávit primário foi registrado em 2013.

O relatório Focus, um conjunto de previsões coletadas pelo BC junto a consultorias e instituições financeiras, sinaliza que o ponto médio (mediana) das previsões para o déficit primário é de 1,5% do PIB. Essa expectativa melhorou muito nos meses, movida ao forte aumento da arrecadação – em maio, a mediana das projeções apontava para um déficit primário de 3% do PIB. O mercado só vê uma situação mais próxima do equilíbrio a partir de 2024, mostra o documento.

4. Baixa atratividade do país

Um problema apontado pelos especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo e que inibe o investimento é a falta de um ambiente de negócios favorável. Na última edição do ranking Doing Business, do Banco Mundial, o Brasil ocupava a 124ª posição entre 190 países.

Segundo Franchini, esse problema com o ambiente de negócios contribui para que não haja mais confiança e um crescimento suficiente no número de contratações. “Sem renda, não há consumo na ponta”, afirma Franchini.

“É como se fosse uma roda de encaixes”, compara. “A confiança alta leva a um desemprego menor, que contribui para aumentar a renda, favorecendo o consumo e estimulando o investimento das empresas, o que, por sua vez, contribui para elevar o PIB.”

O sócio da Monte Bravo lembra que o preço dos ativos brasileiros é barato, mas, mesmo assim, acaba não sendo atraente. “Quem garante ao investidor, principalmente de médio e longo prazo, que as regras não vão mudar no meio do caminho?”

Um dos indicadores dessa baixa atratividade do país é o ingresso líquido em investimentos diretos no país, que mostra a entrada de dinheiro externo para aplicação no setor produtivo. Nos 12 meses encerrados em julho de 2021, ele somou US$ 47,5 bilhões, ou 3,04% do PIB. Um ano antes, o saldo era de US$ 65,5 bilhões, ou 4,06% do PIB, segundo o Banco Central.

Para melhorar o cenário pós-pandemia, Franchini diz que o governo deveria investir em formar uma imagem positiva do país e melhorar o ambiente de negócios, favorecendo a desburocratização.

5. Crise hídrica

Um agravante para a realização de investimentos no Brasil é a crise hídrica, que está impactando na inflação. Nos últimos 12 meses, a conta de energia elétrica residencial aumentou 25%, em média, segundo o IBGE.

“A falta de chuva implicou em uma fatura mais cara, levando à alta na inflação. Isto obrigou ao aumento na taxa de juro, o que se reflete em retração no investimento e no consumo”, diz Chede, da Turing.

Com a promoção de sucessivos aumentos na taxa básica de juros (Selic) para conter a inflação em alta, fica mais atraente comprar títulos da dívida pública que tomar risco em investimentos produtivos, lembra Franchini, da Bravo Investimentos. Desde março, a Selic saltou de 2% para 6,25% ao ano, e há quem espere que ela chegue perto de 10% até o fim de 2022.

O risco é de que o cenário hídrico fique mais complicado. Por enquanto, o risco de racionamento é mínimo, mas, se a situação se complicar, pode ser que não haja espaço para crescimento da economia no ano que vem, alerta Pessôa, do JBFO.

Nesse sentido, os últimos dias foram um pouco mais animadores. Com uma melhora no regime de chuvas, duas empresas que vêm monitorando o setor elétrico – a XP e a consultoria PSR – reduziram a chance de racionamento nos próximos meses.

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